sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O Segredo (que não é bem tão secreto assim)


Vivem dizendo que eu sou chato, que não dou chance a coisas novas, que não tenho a "mente aberta"; pois bem, ainda gosto da frase do Carl Sagan que diz que "Devemos sim ter a mente aberta, mas não a ponto de deixar o cérebro cair".

Há algum tempo atrás, ouvi falar e me interessei, de verdade, pelo tal "Segredo" de que tanto falavam. Afinal, se tantas pessoas estão falando disso, tantos livros, tantos filmes, tantos programas de TV, a coisa deve ser muito boa pra continuar assim, tão secreta. Foi rápida a decepção: logo me toquei de que tudo não passava da já batida "Lei da Atração" em uma roupagem new age para o novo século; pense positivo e tenha boas experiências, pense negativo e tenha más experiências.

Uma rápida pesquisa na web revela um livro de 1902, de James Allen, chamado "As a man thinketh", contendo o seguinte parágrafo (tradução livre): "A alma atrai aquilo que secretamente abriga, aquilo que ama, e também aquilo que teme. Ela alcança a altura de suas mais queridas aspirações. Ela cai ao nível de seus mais escondidos desejos - e os acontecimentos são os meios pelos quais a alma se encontra." Apesar de todo o blábláblá, a idéia está toda aí, desde 1902 - nada de sabedoria antiga, nada de secreto, mas também nada de novidade. Só um escritor de auto-ajuda inglês do começo do século passado. Rhonda Byrne, a autora, diz ter se inspirado em "A Ciência de ficar rico", de 1910 - mas desde então a idéia tem se repetido a cada livro de auto-ajuda, a cada "palestra motivacional", e qualquer leitor do gênero sabe disso (é claro, a maioria faz um duplipensar para se convencer do contrário). Mas não se engane: não é uma sabedoria trazida do passado para as nossas mentes ansiosas... é só a mesma lenga-lenga de sempre.

E quando algo se apresenta ao mundo com uma propriedade que definitivamente não possui, é provável que há mais alguma coisa de errado com a história: afinal, se "O Segredo" não tem nada de secreto, porque leva esse nome? O meu palpite: porque dá um tom a mais de misticismo para a história toda. Porque faz as pessoas pensarem que, praticando o tal "segredo", vão estar se unindo a uma confraria secreta com Newton, Buda, Aristóteles e Churchill (todos, segundo Rhonda, praticantes de suas idéias). Porque faz vender mais livros.

Mas até aí, nada de especial. Afinal, Rhonda definitivamente não é a primeira escritora de auto-ajuda que se apropria de personalidades do passado (que, coitadas, não podem se defender) para divulgar suas idéias. O que me irrita é que tanta gente agora leve isso a sério e puxe o assunto, esperando que eu não ria nem desacredite suas "teorias". Por não ser levado pela enxurrada de besteirol, eu sou o estranho, "o que não acredita nas evidências". Evidências? Só as anedóticas, claro: tal pessoa pratica o segredo e conseguiu um carro importado! Tal outra pessoa escreveu um livro sobre o segredo e ficou rica!

Mas isso, apesar de me irritar, ainda não é nada. O que pasma é que as pessoas levam tudo isso a sério e chamam isso de "Lei" sem se tocar de que se "O Segredo" fosse de fato uma Lei, no sentido científico da palavra, ele teria que valer sempre e em todos os casos. Para o bem ou para o mal.

Exemplifico, para descomplicar: cai o avião da TAM; morrem 200 pessoas. De quem é a culpa do ocorrido? Delas mesmas, que não tiveram a capacidade de imaginar um destino melhor. Epidemia de AIDS na África: culpa deles, que não se imaginam devidamente sãos como "O Segredo" ensina. Indonésios idiotas, porque estavam pensando coisas tão ruins sobre o mar antes do Tsunami?

Um amigo, que havia me falado mundos e fundos sobre O Segredo, teve um Ano Novo com acontecimentos terríveis. E eu não pude deixar de pensar: "E agora, será que ele pensa que tudo isso é por conta do que ele andou atraindo?" E será que praticar "O Segredo" na Inglaterra é diferente de praticar "O Segredo" na Etiópia? Caso não seja, acabem com os programas contra a fome da ONU: é só espalhar livros da Rhonda para os etíopes.

"O Segredo" fica fácil, doce e tentador quando pensamos em sonhos de classe média, carros, dinheiro, viagens. Mas e o resto do mundo? E a realidade, onde fica? Só uma pessoa ganha na loteria de cada vez; ganha quem desejar melhor?
Em tempos de fome, de AIDS, de guerras e desastres, ter educação e acreditar que apenas desejando podemos recriar a realidade é simplesmente egoísta e infantil. É o cúmulo do do-it-yourself: recrie o Universo a partir de seus pensamentos. É quase solipsismo, mas acho que nenhum praticante de "O Segredo" teria capacidade de imaginar alguém que saiba o que é solipsismo.

Isso tudo sem contar na pobre Física Quântica, que agora é usada para explicar qualquer coisa. Não sou físico, gosto de física, e o pouco que sei de Quântica está a milhas de qualquer "Segredo". Física Quântica não é esoterismo, me perdoem... é ciência, com fundamentos, métodos, falseabilidade. E não me venham com o Doutor PHd John Nobody, que não é com um mané fantasiado de físico que se faz ciência. É preciso, como acabei de dizer, método, critério, falseabilidade.

Mas, no final, todo mundo sabe que uma atitude boa diante da vida faz bem. E todo mundo sabe que depressão não faz bem pra ninguém. Agora, se não estão contentes só com isso, fatos extraordinários requerem evidências extraordinárias.

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