quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Gattaca e síndrome de Down



Primeiro, pegue uma questão cabeludíssima sobre aborto de fetos com síndrome de Down (sendo o aborto legalizado, é ético abortar um feto que irá nascer com sérios problemas cognitivos? Que não seria abortado caso não tivesse esses problemas?).

Adicione uma notícia sobre fabricação de espermatozóides e óvulos em laboratório - dizem que em cinco anos vai ser possível um processo totalmente artificial. Considere a possibilidade de escolher as características da criança que vai nascer, como quando você vai jogar algum RPG no computador e tem oportunidade de desenhar o rosto, o corpo e traços de personalidade do protagonista.

Misture bem e leve ao fogo. Devagar, vá adicionando paulatinamente informações diversas sobre órgãos artificiais - mãos, braços, pernas, corações, pulmões, pâncreas, you name it. Polvilhe com fragmentos de câmeras conectadas ao cérebro  que funcionam como substitutas para olhos.

Depois de solidificar, coloque a massa na forma de conceitos transumanistas (abraçar a tecnologia genética, pular fundo dentro da piscina dos genes). Cubra com singularidade tecnológica (o ponto em que o avanço tecnológico tende a um valor infinito). Deixe assando por alguns séculos, ou décadas, ou anos, ou nunca. Isso não sabemos.

O bolo que sai do forno de muito difícil digestão, concordo. E é real; dentro de um futuro próximo, poderemos, se quisermos, ser mais do que humanos. Mais fortes, mais inteligentes, mais rápidos. É um assunto pra lá de polêmico, e ninguém quer uma multidão de loiros de olhos azuis. Mas não tem que ser necessariamente assim; temos que aprender a ser melhores humanos para só então sermos mais do que humanos. Afinal, se a evolução espiritual é tão prezada, porque não pensar também na evolução da espécie?

Pensei nisso ontem e hoje e tendo a acreditar que (mesmo tendo lido 1984 e tendo assistido Gattaca) os potenciais benefícios seriam muitos para descartá-los sem julgamento. Mas também tenho meus medos, e ainda não tenho opinião formada sobre a situação como um todo.

É realmente um caso a ser pensado. Para quem se interessar, vale a pena ler sobre transumanismo e pós-humanismo, links ali em cima.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

O talentoso Tom Castro

Ontem conversei com alguns amigos sobre pessoas que tomam para si a vida de outras pessoas - visando dinheiro, status, as coisas de sempre. Talentosos Ripleys da vida real, por assim dizer.

Com muitas tentativas e um pouco de paciência consegui encontrar a história de Tania Head, que mentiu por vários anos a muitas pessoas sobre ter sobrevivido aos ataques de 11 de setembro. Tania dizia estar alguns andares acima do ponto de impacto, tendo escapado com queimaduras e lembranças terríveis. Sua história comoveu e cativou os corações de norte-americanos famintos por tragédias, e ela se tornou líder do grupo de sobreviventes. Tania chegou a guiar Rudolph Giuliani pelos escombros das torres.

Depois de algumas informações desencontradas, os jornalistas começaram a juntar A com B e descobriram que, na verdade, o nome dela é Alicia e ela estava em Barcelona no dia dos ataques.

Outra boa história é a do brasileiro que se fazia passar por dono da Gol e que, segundo boatos, chegou a emprestar helicópteros de famosos 'reais' e até a conhecer modelos biblicamente. Sobre isso não consegui encontrar praticamente nada consistente, mas eu me lembro que ele até foi entrevistado pelo Otávio Mesquita.

Mas a história que mais me impressiona é a do falso Sir Roger Tichborne, que aconteceu por volta de 1865. Herdeiro da fortuna de seu pai, Sir Roger morreu em um naufrágio quando voltava do Brasil para reclamar seus direitos. A mãe, desesperada, se recusou a aceitar a morte do filho e mandou recados aos quatro cantos do mundo procurando por ele.

Aí que a coisa fica estranha: aparece um australiano (que na verdade se chama Tom Castro) se dizendo Sir Roger e a mãe do defunto, desesperada, o aceita como filho. Detalhe: Sir Roger só conversava com a mãe em francês, enquanto o impostor não fala uma palavra da língua. Tom era só mais ou menos parecido com Sir Roger. Muitas pessoas o denunciam logo que ele aparece, mas a mãe continua acreditando no impostor. A farsa só se desfaz três anos depois, com a morte de Lady Tichborne.

O que eu fico pensando é... caramba, como é que as pessoas acreditam? Como é que aceitam as inconsistências, não perguntam, aceitam? É medo de encarar a realidade?

E pior, será que eu faria o mesmo?

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Bastarda insanidade

- Assisti Bastardos Inglórios.

- Ah, eu também já vi. Gostou?

- Então, gostei pra caramba. Mas sei lá, o filme é um liquidificador moral, né?

- Bom, eu tento deixar o cérebro do lado de fora da sessão.

- Eu também, mas o Tarantino apelou. Já ficaria implícito que rir da morte e do sofrimento é algo digno de pessoas como Hitler. Ele foi mais longe e deixou isso explícito... parece que estava rindo com a nossa cara.

- Você tem razão, mas ele riu da própria cara também. Lembra da cena em que o Hitler elogia o filme e o Goebbels fica todo emocionado, chega até a chorar?

- É. De alguma forma estranha, nós, como audiência, somos Hitler e o Tarantino, como diretor, é o Goebbels, feliz por provocar o nosso riso diante do sofrimento alheio. É terrível. Ele joga o público na lama e se joga na lama junto com ele.

- Ah, não. Mas aí você desconsidera que os acontecimentos finais estão circunscritos convenientemente dentro de um cinema***. O que eu acho que ele esteja dizendo é que, dentro do cinema, tudo pode. Dentro do cinema, podemos torcer pro bandido, podemos gostar de ver o malvadão sofrendo, podemos não ligar a mínima pra uma cena de violência extrema. Não há nada de errado com isso.

- Acho que faz parte da nossa natureza, essa coisa de gostar de ver o inimigo sofrendo. É muito algo difícil de negar.

- Ainda mais quando os nazistas estão do outro lado. Quanto mais identificamos os inimigos como malvados, mais fácil é aceitar que maldades sejam praticadas com com eles.

- Mas e no caso do filme do Batman, aquele truque do desaparecimento da caneta do Coringa? O cara era um bandidinho qualquer, nada importante, irrelevante pra história. Não se sabe se ele era de fato malvado.

- Talvez a gente não precise de uma vítima malvada para justificar a violência, mas ajuda muito.

- Ou talvez a insanidade também faça parte da nossa natureza.

- Hm. Cara, quer assistir o Batman de novo?


- Só se for agora!

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*** - Esse é o tipo de frase que faz o pessoal do trabalho olhar pra mim com uma cara de 'WTF???'. Muito bom.

Créditos à Deh, que não é nenhum dos dois 'personagens' mas que contribuiu com ideias.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

The Asimov Chronicles - Parte 3


- Cara, você viu o vídeo sobre o cara simulando um cérebro humano usando computadores?

- Não... tava com preguiça.

- Então... ele simula um neurônio em cada processador, diz que entendeu como funcionam os diversos tipos de neurônio e as ligações entre eles. E acredita que criando um modelo disso usando um supercomputador, vai conseguir simular um cérebro, com consciência e tudo, em menos de dez anos!

- Caramba. Legal. Você viu a Maitê cuspindo na fonte?

- Vi sim. Foi uma ótima desculpa pros portugueses soltarem os preconceitos deles. Ah, mas então, imagina, como seria quando esse cérebro artificial acordasse?

- Será que ele ia falar algo como... 'bom dia?' ou... 'leve-me ao seu líder?'.

- Hahaha, não. Provavelmente ele não diria nada, já que não saberia falar. Levaria muito tempo até poder aprender a entender uma linguagem.

- Tem razão. É como uma criança, né? Uma criança na máquina. A não ser que dessem a ele um conhecimento prévio de uma linguagem. Mas aí estariam roubando, não?

- É, também acho que estariam. E sabe uma coisa que me faz pensar? Se esse cérebro artificial for modelado a partir de um cérebro humano, então, mesmo que seja feito de forma a ter mais neurônios, mais sinapses, ele ainda assim vai estar propenso a erro. Aí... imagina que o tal computador acerte um montão de previsões e consiga responder a qualquer tipo de pergunta baseado em premissas e lógica. Aí você dá uns pressupostos pra ele de coisas que conhecemos e faz uma pergunta muito importante... tipo...

- ...tipo 'Deus existe?'.

- Eu estava pensando em algo como 'É possível criar um modelo socio-econômico em que a felicidade humana seja maximizada e qual seria esse modelo?', mas a sua serve. Aí, bom, imagina se o fato do tal cérebro artificial estar sujeito a erro se manifeste bem na hora de responder essa questão, a mais importante de todas! Imagina se ele dá uma resposta mais ou menos coerente, mas que tenha um componente de absurdo... algo como: 'Partam do Estado do bem-estar social como desejado pelo economista X da Silva, e obriguem todo mundo a usar chapéus de pirata amarelo nas quintas feiras.'. Ia ser uma grande confusão.

- Nossa. Mas e aí, o que fazemos? Não perguntamos?

- Não... perguntamos e ficamos na dúvida sobre ele ter respondido certo.

- Exatamente como estamos agora.

- É. Mas pelo menos vamos rir da resposta.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Homeopatia e outras dúvidas



Saiu na semana passada a condenação dos pais que perderam a filha ao tratá-la somente com Homeopatia. O assunto voltou à blogosfera e se espalhou rapidamente. Dez anos de cadeia.

Gostei particularmente da coluna do Contardo Calligaris, que saiu na Folha de SP, mas que acabei lendo em um comentário no blog do Henrique:

Se me coloco no lugar dos pais de Gloria, não consigo imaginar uma crença, por mais que ela possa ser crucial para mim, que resista à visão do corpinho de minha filha transformado numa ferida aberta e purulenta.

(...)

Se fosse testemunha de Jeová, e minha filha precisasse de uma transfusão (que a religião proíbe), abriria imediatamente uma exceção. Mesma coisa se fosse cientologista, e minha filha precisasse de ajuda psiquiátrica. Sou volúvel e irracional? O fato é que tenho poucas crenças (provavelmente, nenhuma absoluta), e acontece que, para mim, a razão é uma prática concreta, específica: um jeito de pesar e decidir em cada momento da vida.

Uma coisa a se notar é que pessoas como o Contardo (e eu, e muitas outras) nunca se associariam a grupos que exigem comportamentos irracionais como esses. Mas o problema, afinal, é que as pessoas se prendem fielmente a crenças indiscutíveis. Não estou falando sobre não ter certezas; estou falando de estar sempre reavaliando as certezas usando a razão e a realidade.

De que te vale a convicção de que Homeopatia funciona, diante da filha morta?

De que te vale a convicção de que Homeopatia não funciona, diante de um quadro que talvez pudesse ser melhorado pelo uso dela?

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Não acredito, assim como o Schwartsman, que Homeopatia funcione mais do que bolinhas de açúcar. Mas, diante do que está sendo discutido, a minha opinião não importa.

Mesmo assim, um código de ética mais restrito deveria ser discutido entre os homeopatas. Deve haver recomendações explícitas sobre procurar um médico 'alopata' (esse termo é ridículo) caso o tratamento não esteja funcionando, como bem apontou o Kentaro Mori. Esse tipo de proposta passou longe da discussão sobre o caso, e a Homeopatia saiu ilesa.

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O Henrique vê uma 'ditadura do relativismo' no texto do Calligaris. Eu não vejo. Eu vejo uma pessoa racional fazendo qualquer coisa (sem, é claro, ferir outras pessoas) para salvar um filho. É o que eu faria.

O que eu vejo, do meu lado, é uma 'ditadura da convicção'. Vejo a volta da velha conversa de que a falta de religião leva o mundo para o buraco, gente importante falando isso. Vejo muita gente comprando a historinha pra boi dormir do 'Eixo do Mal', como se os interesses de todas aquelas pessoas fossem mesmo 'fazer o mal'. Vejo empresas valorizando candidatos e funcionários que tem 'certeza' sobre o que vão estar fazendo daqui a cinco, dez anos (me perdoem, mas eu não sei, e me sinto completamente tranquilo com relação a isso. O fato de eu me adaptar e traçar objetivos viáveis de prazo curto não me faz um mau profissional, tenho certeza.). Ouço conversinhas sobre 'O Segredo', a 'certeza' materializando os desejos mais viajados. E tem gente que acredita. Gente instruída.

Mudar de ideia não é algo intrinsecamente errado. Mudar de ideia pode significar que você avaliou outro lado da questão e acreditou que havia mais realidade daquele lado. Acho isso bonito - você, de fato, aprendeu algo. Quem merece mais respeito: quem muda de ideia diante de argumentos plausíveis ou quem mantém sua opinião não importa o que aconteça em contrário? (Até comprei um livro sobre isso. Grandes nomes que mudaram de opinião sobre um ou outro assunto. Tem até o Dawkins.)

Convicções não ensinam nada. Convicções se auto-protegem, são fechadas em si mesmas, e não dão margem a diálogo. E como já disse Goethe:

Só sabemos com exatidão quando sabemos pouco; à medida que vamos adquirindo conhecimentos, instala-se a dúvida.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Mais um diálogo (des)pretensioso...

...agora sobre jornalismo.

(Estou cultivando algumas ideias, mas só vou parar pra escrever quando eu terminar de ler A Cabana. Até lá, se alguém tiver lido e quiser deixar algum comentário, fique à vontade - é sobre ele que vai ser o post.)

- Os jornais online estão uma droga. Você vai em um, lê uma notícia. Vai no outro, lê a notícia, é o mesmo texto! É só CTRL+C CTRL+V.

- É, o caminho é esse mesmo. Tem umas três grandes agências de notícias que cobrem o mundo inteiro e os jornais só dão uma regurgitada pra parecer conteúdo autêntico. Engraçado pensar que as notícias do mundo inteiro ficam na mão de meia dúzia de empresas.

- Tem hora que até dá pra notar que a notícia foi copiada: 'imagem divulgação' no meio do texto.

- Hahahaha. Acho que o futuro é as colunas de opinião. Sei lá, os Mainardis da vida. Eu não concordo com praticamente nada do que ele fala, mas pelo menos ele tem uma opinião.

- Mas de que adianta a opinião dele se você não concorda com nada?

- Bom, pelo menos eu tenho alguém a quem criticar. E ele é um cara que tem argumentos - tosquíssimos e tendenciosos, mas tem. E a partir das opiniões dele a gente pode tecer outros argumentos.

- Você então vê o Mainardi como uma espécie de referência contrária?

- Hm, mais ou menos isso. Ou um João-Bobo aristotélico em quem você bate por esporte.

domingo, 11 de outubro de 2009

Não se fazem mais nostálgicos como antigamente

Eu cancelei esse post algumas vezes porque ele tinha se tornado um pseudo-ensaio socioantropológico sobre moralidade e, claramente, além de eu não ter cacife pra isso, não cai bem algo assim aqui no blog. Aliás, não cai bem em nenhum blog. Aliás, não cai bem em lugar nenhum.

Mas o que eu quero dizer, afinal, é bem simples: essa conversa de 'a juventude está perdida', 'o mundo está indo pro buraco' e coisas do tipo já está na moda pelo menos há uns 3 mil anos. Um exemplo claro é o 'esse negócio deixa tudo muito fácil, na minha época era muito melhor' que se ouve toda vez que aparece uma nova parafernalha tecnológica (computadores, e-book readers, músicas em formato digital). Eu incluso, em alguns momentos.

Bom, Sócrates (o filósofo, não o jogador) acreditava que a escrita era uma invenção que iria deixar as pessoas menos inteligentes. Memorizar dava muito mais trabalho, fazia pensar, etc e tal. Hoje mesmo entre os mais nostálgicos a palavra escrita é uma unanimidade. Claro, isso não quer dizer que a tecnologia em si seja boa. A tecnologia é só uma ferramenta; o uso dela sempre depende e vai depender das pessoas, do que elas querem, do que elas desejam.

Além disso, é uma besteira sem tamanho acreditar que a moralidade está num declínio constante desde os áureos tempos. Qualquer livrinho meia boca sobre história de comportamento mostra que nossos padrões obedecem a uma montanha russa entre virtude e vício, uma geração permissiva seguindo uma geração coercitiva. Isso mesmo em sociedades que acreditam em 'padrões objetivos de comportamento'.

Lembro da minha avó contando histórias sobre amigas que se casaram com doze, quinze anos, com homens de vinte, trinta anos. Hoje em dia, isso tem um outro nome, bem feio por sinal. 'Isso é culpa da televisão, essas novelas cheias de sexo... na minha época não existia.' Ahhh, é mesmo? Na 'sua época' houve um golpe militar, atentados terroristas e assassinatos institucionalizados pelo Estado - tudo aqui no Brasil. Mas as coisas eram melhores porque as crianças rezavam nas escolas, né? E sabe o que é pior? Foi a sua geração que criou a minha. Devem ter feito um péssimo trabalho.

O mundo sempre foi uma bagunça e, provavelmente, sempre vai ser uma bagunça. A vantagem é que atualmente, em boa parte do mundo, você pelo menos não depende da sua própria força física para garantir a sua segurança. Ah, e escolhe você mesmo com quem vai casar. E você pode falar quase tudo o que quiser sem se preocupar em irritar algum poderoso e ser preso e/ou assassinado. Agora, se tem gente que não acha que essas coisas sejam avanços, então nem temos o que discutir.

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Se alguém se interessar pelo assunto, sugiro um livro de leitura bem tranquila (fora as ocasionais descrições de aparelhos de tortura medievais criadas pelos hoje auto-intitulados 'detentores do Bem') sobre a história da maldade e do comportamento em geral: A assustadora história da maldade. Recomendo.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Os livros e o Livro


Poucas vezes paro um livro na metade - principalmente quando a leitura é boa. Mas nesses dias não estou em um ritmo bom o suficiente para ler o 'Reparação', então vou deixar ele quietinho até estar com o estado mental certo para a leitura.

No lugar dele, peguei 'A invenção de Morel', do Bioy Casares - autor de quem sempre ouvi falar mas que ainda não havia conhecido. O prefácio do livro foi escrito pelo Borges, e termina com a seguinte frase:

Discuti com o autor os pormenores da trama e a reli; não me parece uma imprecisão ou uma hipérbole qualificá-la de perfeita.

A afirmação é forte. É difícil definir a perfeição e mais difícil ainda atribuir a uma história o status de perfeita. Mas entendo que Borges estava querendo dizer que, dentro da própria história, dentro do que ela se propõe, ela alcança o que se pode chamar de perfeição.

Isso me levou a lembrar de outra coisa. Na bienal de alguns anos atrás, compramos uma coletânea de contos com temática borgiana: 'Contos fantásticos no labirinto de Borges'. O livro se compõe de várias histórias que de alguma forma se relacionam com o ideário explorado por ele, Borges. De Kafka a Chesterton, de Poe a H.G. Wells. Deveras interessante.

É logo o primeiro conto da coletânea o que me passou pela cabeça: 'A livraria', escrito por Nelson Bond, um autor norte-americano relativamente pouco conhecido. A história fala de uma livraria que contém os livros que não foram escritos, com as histórias que foram imaginadas pelos autores levadas à perfeição. Milton, Austen, Shakespeare, estão todos lá, com histórias não publicadas, escritas de maneira irrepreensível. Mas os livros não podem nunca sair da livraria - o que, compreensivelmente, não é uma recomendação aceita pelo visitante.

Acredito que era à ideia desses livros que Borges se referia quando chamou o livro de Casares de perfeito: ele, Casares, explorou tudo o que poderia ser explorado dentro daquele mundo.

Um livro realmente Perfeito (e aqui levo a ideia ao extremo) substituiria qualquer outro e teria todos os outros livros dentro de si - uma espécie de "Biblioteca de Babel" de histórias que agradam a todos em qualquer circunstância. Com esse livro perfeito, não precisaria de nenhum outro. É algo impossível de ser imaginado... eu mal consigo conceber uma história que seja agradável a todos os meus 'eus' (o meu eu de dez anos atrás, o meu eu de 15 anos atrás, o meu eu de hoje) e isso seria não seria nem o começo do problema. Teria que ser versátil o suficiente para agradar a leitores de James Joyce e José Sarney (aarrrgh). Isso deve ser realmente difícil.


De qualquer forma, eu gosto das imperfeições. Se houvesse o tal Livro dos livros, o Livro Perfeito, o Livro que contém e substitui a todos os outros... eu relutaria em colocar as mãos nele, apesar de toda a curiosidade. Prefiro me surpreender com as histórias dos falíveis e imperfeitos, os pequenos instantes de perfeição me fazendo sentir o gosto do inimaginável nas letras do mundano.

A vida é uma coisa linda, não?


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Hoje saiu o nobel de literatura, para uma escritora alemã de quem eu nunca tinha ouvido falar. Não chega a ser uma novidade: dessa lista conheço só uns 10. Vergonha.

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Ontem me disseram que eu tenho sérios problemas com o infinito. Talvez eu tenha mesmo e, nesse caso, boa parte da culpa é dele, Borges. Mas pelo menos são problemas que me agradam, e muito. Ninguém que leia e entenda a Biblioteca de Babel (que, por sinal, possivelmente não é infinita) consegue pensar em 'infinito' sem se sentir pelo menos um pouco assombrado.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Meu top 5

Fiquei pensativo quando vi esse vídeo aqui. A pergunta é simples:

Se você pudesse escolher cinco pessoas (vivas ou mortas, reais ou imaginárias), pra conversar por três horas, quem seriam essas pessoas?

A conversa ficaria gravada na sua memória, mas não na das pessoas com quem você conversou. Ou seja, você não pode conversar com o Hitler e convencê-lo a não matar nenhum judeu. Outro ponto: linguagem não é uma barreira... a pessoa vai entender o que você diz e você vai entender o que a pessoa diz.

Enfim... minha lista. Ordem de importância invertida.

5. Chaplin (faltou na lista da semana passada)
O cara era inteligentíssimo, super bem humorado (isso nem precisava dizer), e tinha ótimos insights sobre o mundo e a vida. Definitivamente valeria meu tempo.

4. Einstein
Pra ganhar uma aula pra quem não entende muito de física de quem entende tudo de física. Além disso, Einstein sabia muito bem diferenciar o que realmente importava de tudo o que lhe chegava... se eu pudesse aprender isso, nem que fosse só um pouco, valeria muito a pena.

3. Churchill (mais um que faltou na lista)
Um mestre dos discursos. Sabia o que queria, sabia o que precisava fazer pra conseguir o que queria. Eu poderia passar dias conversando com ele sobre a guerra, a vida e a morte. O cara era bom.

2. Tomás, apóstolo de Jesus
Nem vou tentar esconder: a ideia foi roubada do vídeo original, mas me pareceu tão perfeita que não pude deixar de copiar. Todos já sabemos o que esperar de Jesus... agora, conversar com um seguidor dele, uma testemunha ocular e ainda com fama de cético... não é todo dia.

1. Meu pai. Muita coisa mudou desde que ele se foi.

Ficam de fora por pouco: Epicuro e/ou Aristóteles, Wittgenstein, Bill Gates.

domingo, 4 de outubro de 2009

Cinquenta pessoas, uma pergunta



E a outra pergunta que fica é: quanto tempo até a minha fase brega passar?

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Por que me sinto um idiota

Não merecemos. Somos corruptos. Não só os políticos, somos mesmo corruptos, todos. Louvamos os malandros. Sonegamos impostos, subornamos guardas, damos um jeitinho. Nossa maior marca registrada é a improvisação. A gambiarra. A falta de planejamento. Votamos mal. Elegemos ladrões, elegemos inaptos. Aceitamos o absurdo sem protestar. Lemos pouco. Sabemos pouco. Ouvimos música vagabunda e sexista. Consumimos porcaria estrangeira sem pestanejar. Jogamos lixo na rua. Somos sujos.

Seremos roubados. O dinheiro será desviado e obras ficarão paradas depois da festa. Vai haver confusão, choro e ranger de dentes. Vai haver BOPE subindo o morro alguns meses antes das competições: 'Põe na conta do Phelps' (que, eu sei, nem vai estar mais nadando). Vai haver twittadas adolescentes, colunas do Diego Mainardi e manchetes de primeira página na Folha de São Paulo.

Somos uma vergonha. Uma vergonha.

Apesar disso tudo, estou extremamente feliz. Não porque somos nem a melhor nem a pior nação do planeta, mas sim por sermos reconhecidos como somos. Estou feliz por podermos olhar para o espelho e dizer 'Olha que legal, estão felizes por nós.'. Confiam em nós. Sabem que vamos conseguir fazer as coisas funcionarem, mesmo que não saibam o quanto será confuso e pouco otimizado. Confiam em nós mais do que nós mesmos. Vão vir, serão bem recebidos, e eu vou chorar na cerimônia de abertura.

Passamos bem pela crise. Teremos o pré-sal. Vai fazer muita, muita diferença. Temos um bom povo. Temos um país bonito. Temos um presidente que, apesar de não ser propriamente 'o cara', foi chamado de 'o cara' pelo líder da maior nação do planeta. Somos imperfeitos, mas com perspectivas. Temos perspectivas palpáveis. Quando realmente queremos, as coisas saem. Sabemos disso.

Vai funcionar. Tenho certeza. Vai haver problemas, não nego, mas vai dar certo. Nenhum político em sã consciência permitiria que a festa fosse estragada. Não fica bem pras próximas eleições, seria muito pior do que escândalo de corrupção.

Todos vão estar olhando pra gente. Vamos nos sentir um pouco mais parte do mundo. Vamos ter uma chance de aprender que antes de sermos brasileiros, somos humanos.

E, por me sentir assim, me sinto um idiota inocente. Mas não vou fingir uma revolta que não tenho. Hoje, dia dois de outubro de dois mil e nove, sou feliz por ser brasileiro.

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Editei e coloquei umas linhas mais piegas ainda. Devo estar tomado por algum pleiedeano.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Involução - Ufologia



Estava com um pouco de saudade da minha série sobre involução. Hoje estava vagando pela internet, procurando uma foto boa das Plêiades (as mocinhas ali em cima) citadas pela Suzana e achei esse site:

Via Luz.

O site é bem bonito. Tem umas cores bem claras, uma estrela de Davi (ou seria um pentagrama?) e é todo cheio de mensagens positivas. Por exemplo, eu encontrei aqui uma mensagem do pessoal que mora lááá nas Plêiades:

"Na qualidade de Mensageiros do Amanhecer, estamos contatando-os para estabelecer uma conexão com o sistema das Plêiades que, nesta etapa da história da Humanidade, tem uma colaboração importante a realizar, uma vez que, desde a antiga e remota existência terrena, temos uma conexão com os seres e a vida planetária da Terra."

Mensageiros do amanhecer? Um amanhecer perto do centro das Plêiades deve ser bem maluco, já que são mais de mil estrelas em um espaço astronomicamente pequeno. Dependendo de onde for o planeta deles, os pleiedeanos podem ter uns bons 20 amanheceres. Deve ser uma confusão todos aqueles sóis, cada um aparecendo de um lado a cada hora do dia.

Hmmm... mas vamos ver o que os pleiedeanos têm a nos dizer.

"Ainda neste milênio, as transformações previstas farão da Terra um modelo de fraternidade e plena convivência harmônica com muitos sistemas estelares, sendo um modelo ímpar no Universo. Será uma convivência tão rica e dinâmica com civilizações diversas, de diferentes formas físicas, organizacionais, de valores, de pensamentos. E todos os sistemas estelares serão beneficiados. Uma vez experienciados, todos os resultados terão reflexos em outros sistemas. E as ações e reações decorrentes dessa interação resultarão em mais e mais trocas, intercâmbios cada vez mais abertos, sem barreiras. A Terra se constituirá num núcleo responsável pela unificação, no sentido de intercâmbio e cooperação. Para tanto, é de suma importância o trabalho pela paz. Hoje, todo o alicerce está embasado na conquista do entendimento pela paz. Embora esse lema ainda seja uma bandeira de uma minoria, ela crescerá a frutificará a cada dia. É um caminho sem volta."

Pelo visto, os pleiedeanos nos tem em alta conta. Mas eu esperava que eles fossem nos dar alguma coisa que fosse útil. Nãão, eles só repetem as coisas que os nova-erianos terrestres já dizem há tempo, a história de paz, convivência. A gente já sabe disso, pleiedeanos. A gente quer sim viver em paz, mas até agora não tem dado muito certo, e precisamos aprender _como_ fazer isso. Vocês podem nos ajudar?

Mas só tem um problema, aqui tem muita mentira, muita ilusão, sabe? Muita gente acredita em coisa que não faz o menor sentido. Eu sei que vocês são vocês de verdade, mas agora eu tenho que convencer o resto do mundo. Vocês entendem, né? Seria bom se vocês pudessem mandar um sinal qualquer, nos contar algo que não sabemos, algo que nenhum humano nem imagine mas que seja uma verdade bem firme e fácil de verificar. De preferência, algo que não sirva pra fazer armas. Nós gostamos de armas. Gostamos de usar armas uns contra os outros. Vocês perderam essa parte, não foi? Pela mensagem, parece que estão falando de outros seres que não são humanos. Golfinhos, talvez?

Bom, eu sei um jeito bem fácil de vocês darem uma prova. Nós mandamos pra vocês o maior número primo que conhecemos (que tem uns 10 milhões de dígitos) e vocês nos devolvem os próximos, bem rápido (coisa que levaríamos anos e anos pra calcular). Ou, se vocês já conhecem o maior nosso, é só mandar os dois ou três próximos. Agora. É uma coisa super simples, pra seres tão evoluídos, e, além de não nos servir de muita coisa, vai provar sem sombra de dúvida que vocês são uma civilização beeem avançada. Nem precisam fazer as estrelas piscarem em sintonia.

Aí, depois disso, ouvimos o resto da conversa. Aí prestamos atenção nessas repetições vagas sobre paz, coexistência e valores comunitários. Aí desistimos de tentar resolver nossos próprios problemas do nosso jeito e perguntamos pra vocês, que já têm experiência, que já passaram por tudo isso. Muito mais fácil, muito mais simples.