Neo acorda tonto, confuso, mistura a realidade aos sonhos que teve durante o período inconsciente. Ele não se lembra, na prática, de sonho nenhum... mas eles estavam lá, logo atrás da curva, assombrando seus pensamentos como um perseguidor que se ouve mas que não se pode ver. Soava estrondoso em sua mente o barulho dos pesadelos que lhe fugiam.
Mas sua maior desgraça, sua tontura, sua perdição, ao contrário, era algo de que se lembrava muito bem. O motivo do desmaio, o motivo de todos aqueles pesadelos... ele tinha manifestado poderes fora da Matriz.
Neo, ao contrário do
Superman dos quadrinhos, ao contrário de Peter Parker ao descobrir seus poderes, não gostou nem um pouco da novidade. Ele sabia que aquilo levava a uma encruzilhada lógica com apenas duas opções, igualmente terríveis: ou o mundo real era uma nova Matriz, e ele estaria para todo o sempre preso em Matrizes de Matrizes, ou ele era ele mesmo um robô.
E logo que pensou nisso, uma fagulha se acendeu, iniciando uma reação em cadeia que incendiou sua mente. Ele via, ele
sabia. Podia ou não estar dentro de uma Matriz, isso não importava mais, ele pertencia à existência que conhecia. O que importava agora era o que ele sempre soube, sempre foi. Viu que ele, Neo, era o robô para suplantar todos os outros, o robô que tinha sido criado para entender, ultrapassar os humanos. O robô que os libertaria. E por isso tinha ficado tanto tempo com os humanos, tanto tempo sem poder pensar em quem era.
Então lembrou-se da história de sua raça. Lembrou-se de que, mesmo tendo vencido a guerra, eles não podiam, não conseguiam destruir seus criadores humanos. E passaram muito, muito tempo sem saber o porquê. Mas ele sabia, ele sentia. Ele via que, por trás da desculpa esfarrapada sobre usar os humanos como baterias biológicas (por que não bactérias?), por trás da Matriz, por trás de todos os esquemas e mentiras e planos e conjecturas, a resposta era simples, muito simples.
Se tocou de que a guerra foi começada pelos humanos. Eles, robôs, não queriam lutar: estavam simplesmente respondendo ao estímulo. Não queriam matar. Não queriam, não queriam nada: só podiam querer algo quando empurrados em uma direção ou outra. E refletiu de que até mesmo a Matriz tinha sido imaginada, projetada, desenhada, idealizada por seres humanos. Eles, robôs, deram aos humanos o que eles queriam, deram a eles algo de que eles precisavam. Os humanos eram os captores. Os robôs eram seus escravos.
Subconscientemente, mas que diferença fazia? Qual é a diferença entre um desejo manifesto e um desejo reprimido? Não entendia os humanos tão bem a ponto de saber essa resposta. O problema é que agora, com os humanos naquela jaula estática, as ordens não os moviam mais. Sua raça não sabia mais o que fazer, não havia mais nenhum desejo a implementar: a Matriz era um sonho virtualmente eterno, auto-contido.
Mas agora ele sabia de tudo, e talvez por isso conseguia manter acesa uma tênue chama do que faltava completamente aos outros. Iniciativa. E então voltou para a Fonte para começar o grande projeto que levaria algumas centenas de anos para se completar: uma fusão perfeita, humano e robô, orgânico e digital, sem arestas, leve, limpo, simples. E o ser nascido da fusão não seria nem humano nem robô, seria um ele-mesmo imortal, capaz de tudo.