domingo, 8 de dezembro de 2013

Continue a aplaudir, continue a aplaudir.

Li, há alguns dias, uma história sobre Stálin muito interessante. Veio de um livro chamado "O Arquipélago Gulag", que fala sobre a vida nos campos de concentração da antiga URSS.

Conto de memória porque não consegui localizar o trecho. Stálin veio visitar uma cidade pequena e fez um discurso a autoridades locais. O minúsculo auditório estava lotado e, com os olhos do NKVD em todos, ninguém queria ser o primeiro a parar de aplaudir, terminada a fala do grandioso líder. Oito minutos depois, todos ainda aplaudindo. Dez, quinze minutos depois, ainda os aplausos. Um responsável por uma fábrica local não aguentou mais, parou de aplaudir e se sentou. Na mesma noite estava preso.

Voltando pro presente, você está falando bobagem no twitter e vê algumas pessoas denunciando isso e aquilo outro. Com maiores ou menores evidências de culpa, com gravidades maiores ou menores. E dizem que se você não denuncia, se não repercute, você é cúmplice (você é o inimigo?). E, claro, as circunstâncias e o peso são totalmente diferentes, mas o modo de raciocinar é idêntico ao da história soviética. Ou você está conosco ou está contra nós.

No mundo real, na rua, o status quo é machista, conservador, preconceituoso. Nas redes sociais, principalmente no twitter, a situação é bem diferente. A capacidade de mobilização dos grupos é impressionante. Há algum tempo, apareceu em um blog da Revista Pais & Filhos um post crítico contra uma suposta "moda da amamentação". A resposta foi imediata: pipocaram comentários avacalhando a autora, a revista, o texto, a vida, o universo e tudo mais. A mobilização continuou até que a revista retirou o texto e publicou um pedido de desculpas. Para algumas pessoas ainda assim não foi suficiente e as críticas continuaram, o que acabou rendendo mais alguns textões de facebook que evidentemente não li.

Não gostei do texto contra a "moda da amamentação", achei demagógico e pouco esclarecedor. Mas isso pouco importa. Não é suprimindo uma ideia que se divulga uma outra. O patrulhamento em turba causa cegueira: o texto estava num canto, em um blog, não na publicação principal da revista. Na mesma página, contei pelo menos 3 links falando dos benefícios da amamentação. Pouco importava.

Suprimir uma ideia é acreditar que o seu julgamento sobre aquela ideia é superior ao das outras pessoas. A ética é simples e o veredito é rápido: Eu, ao chegar ao site, que muito provavelmente não tinha visitado nenhuma vez antes, vou ler o texto criticando a amamentação e perceber que ele é errado - mas, outras pessoas podem não pensar assim, então vamos forçar a revista a eliminá-lo. Mais uma vez salvamos o dia, "não passarão". Eu sei o que é melhor pras outras pessoas; qualquer discordância deve ser perseguida e eliminada.

Como já escreveu David Butter, é a ética da biscoiteira:
É a ética da biscoiteira: a remoção do pote para negar a fome. Com o pote longe, a biscoiteira jura livrar meninos e meninas de uma ânsia capaz de levá-los à hipertensão, ao diabetes e às cenas de reportagens de TV sobre como os gordos estão em todos os lugares. [...]

Agora, a ética da biscoiteira só acalma a biscoiteira. A ética da biscoiteira é uma não-ética, por negar a escolha. Ela se ancora num egoísmo solidário: por vocês, eu, só eu, decido ser melhor assim. Em nome do combate a opressões, a biscoiteira traz uma nova opressão, a de seu juízo “emancipado”. Quer purificar fazendo sumir. Quer negar a violência violentando.

Costumo brincar que, em um futuro não muito distante, o último a compartilhar o texto do Sakamoto vai virar alvo da patrulha nas redes sociais. Tenho medo da brincadeira ter cheiro de realidade.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Nome do blog

Pessoal, vou mudar o nome do blog e, mais pra frente, também o endereço. Vai ser algo como http://daquidecimadomuro.blogspot.com

Estou trocando porque o nome e endereço antigos não faziam mais sentido. Quando comecei, escrevia com o Alexandre no colo... agora ele já está ali no quarto, brincando com seu Stormtrooper.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Elysium

Fui ver Elysium no domingo. Alguns aspectos são muito interessantes, o visual steampunk, as sequências de burocracia e violência tecnológica no início. Mas, no geral, achei o filme ruim.

(Spoilers extremos, não leia se não quiser estragar o filme. Infelizmente, se você não viu, provavelmente não vai entender muito bem meu texto.)
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Jesus 2.0 agora com exclusiva munição antidroide

É fácil enxergar Elysium como um filme de perspectiva cristã muito forte. O mundo é um lugar terrível e inóspito, o paraíso, a estação espacial Elysium, fica no céu. Para alcançar o céu, os pobres precisam de um salvador que entrega a sua vida em troca da justiça pelos outros, um Jesus moderno que usa um exoesqueleto no lugar da cruz. Na história não se conta como chegamos à situação atual, mas presume-se facilmente pelo enredo que aconteceu devido à ganância, individualismo, superpopulação.  Fica a impressão de que os ricos roubaram o céu dos pobres.

Aí que começam os problemas do filme. Qual é o vilão de Elysium? Seria o bandido agente mercenário? Ele também é pobre, um qualquer, uma peça na engrenagem. Tem também a personagem da Jodie Foster, mas como vilã, deixa muito a desejar. Não há nenhuma discussão entre ela e o protagonista. Não se conhecem, nem se vêem como inimigos.

Elysium não tem um vilão facilmente identificável porque os problemas de seu universo são causados por todas as pessoas. Não seria um problema, a princípio, não haver um vilão - mas só faz sentido haver um protagonista que resolva todos os problemas se há um vilão causando todos os problemas. O Batman só existe enquanto existe o Coringa ou outro que o substitua. Em Elysium, quem é o vilão que causa a pobreza, são os ricos? Matar os ricos não transforma os pobres em ricos, infelizmente. E, pior ainda, quem é o vilão que causa a superpopulação?

É de uma ingenuidade desconcertante acreditar que problemas coletivos (como ganância, individualismo, superpopulação) são resolvidos por uma pessoa, sozinha, com uma canetada. Não dá pra dar reboot no mundo, não é assim que funciona. Mesmo dentro das regras do capitalismo, problemas causados por todo mundo requerem soluções coletivas, discussão, conscientização.

"Quem libertou os escravos?" pergunta a professora, e os alunos, felizes e inocentes, dizem que foi a princesa Isabel. Mas e o processo político-social que aconteceu antes da princesa Isabel assinar a lei? E a pressão dos abolicionistas? E o embargo inglês? Tem certeza de que foi só a princesa, mesmo?

Pra ir mais fundo, Elysium não resolve os problemas que propõe, nem mesmo com o pé de cabra do mártir salvador. No final, aparentemente todas as pessoas ganham acesso à imortalidade, o que iria piorar o problema da superpopulação. A estação Elysium é um lugar pequeno, restrito... quantas pessoas caberão lá? Vale a pena todo mundo viver num lugar sujo e superpopulado, na Terra ou no Céu, pra sempre, cercado de pessoas falhas, gananciosas?

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Tretas e mais tretas


A treta, meus amigos, ela nos persegue. Ou melhor: eu dou quirera pra ela, ela cresce e se alimenta da minha disposição.

Durante essa semana, vi na página de um amigo no facebook um comentário sobre uma pesquisa online feita com mulheres sobre cantadas de rua. A pesquisa teve um resultado avassalador demonstrando a repulsa generalizada das mulheres por cantadas. Pensei um pouco e fiz um comentário nessas exatas palavras, no post no facebook:

"Sou super simpático com a causa e tb acho que as coisas têm que mudar, mas a pesquisa não tem valor estatístico nenhum. Quando você faz uma pesquisa num site feminista você tem a resposta do público daquele site feminista, não dá pra levar isso como se fosse a verdade absoluta pra todas as mulheres.
Eu acredito (não tenho certeza) de que se a pesquisa fosse feita na rua os resultados seriam bem diferentes. O que não quer dizer que cantada de rua seja algo a ser incentivado."

Não vou colar a briga toda aqui, mas foi razoavelmente longa. Eu repetia que concordo com o repúdio às cantadas mas que não acho que dê pra dizer que a opinião representa a totalidade das mulheres do Brasil. Disseram (com base nessa frase citada) que eu acho que a opinião das feministas vale menos que a das mulheres "normais". Disseram também que eu não tinha empatia, e era umbiguista e self-entitled. Depois fizeram um post de blog com prints do que eu escrevi, me chamando de mascu, de pseudo feminista, de ignorante, arrogante, de cético de conveniência etc etc etc.

Não me considero nenhuma dessas coisas, mas se perguntassem pra Hitler, ele também diria que é um cara legal, certo? Mas o que eu sou ou deixo de ser não cabe aqui. Como disse ontem um amigo, não se explique - pros amigos você não precisa, e os inimigos não vão acreditar.

Voltando à pesquisa, um texto muito mais bem escrito do que meus comentários foi publicado pelo Carlos Orsi (coloquei os links lá no final). No texto dele, a meu ver, só faltou uma discussão sobre classe, cultura e renda. O que é aceitável em um ambiente deixa de ser aceitável em outro, o que é considerado normal em baile funk é absurdo se for feito em um café da vila magdalena. De qualquer forma, reitero que concordo com o espírito todo da campanha, apesar de ainda achar que o viés estatístico é óbvio e que não pode ser divulgada como se fosse a opinião de "todas as mulheres". Vale muito, apesar disso, como método de chamar a atenção.

Agora, independentemente do que eu sou ou deixe de ser, cético de conveniência, ignorante ou arrogante, os movimentos sociais precisam de auto-crítica. Não dá pra aceitar que não se possa fazer um aparte qualquer sem ser chamado de masculista. Não dá pra aceitar que uma garota pegue meu nome e minha foto, sem autorização, e coloque como exemplo de masculismo por algo tão menor. Eu conheço minhas próprias atitudes, sei o que penso e o que valorizo na minha vida e na educação do meu filho, mas ela não sabe. Ela não sabe e resume, por causa de um comentário técnico sobre o viés estatístico da pesquisa, todo o meu pensamento em meia dúzia de adjetivos enlatados. Ela disse no post no blog que tem um "olhar treinado" por movimentos sociais. Bom, eu estou relativamente próximo de duas ou três classes de movimentos sociais e, a cada dia que passa, me sinto menos apto a tecer julgamentos rápidos por causa de meia dúzia de frases. Que Odin me livre disso.

(Na época do semdeusnocoração eu também fazia prints e também fazia patrulha, mas tinha o cuidado de apagar TODOS os nomes e borrar todas as fotos.)

Mais: como pode ser que alguém educada, consciente, inteligente e escritora possa distorcer as minhas palavras a ponto de afirmar que estou dizendo que feministas valem menos do que mulheres? E pior, como é que um comentário desses ganhe DEZOITO curtir logo de cara. Não é um caso isolado, é a regra. Deixa de ser um joão qualquer com má interpretação de texto e/ou desonestidade: é o caso de alguém inteligente, educada, considerada uma das líderes do feminismo na internet deliberadamente distorcendo as palavras da dissidência e jogando pra turba enraivecida, que clica no curtir sem pensar duas vezes.

Como disse lindamente a Flavia Durante no twitter, "Se você quer ser anti comportamento de manada mas aceita tudo que um grupo fala sem questionar você também faz parte de uma manada."

Me recuso a ter qualquer opinião só porque as pessoas a quem admiro e respeito julgam que é o correto. Prefiro pensar por mim mesmo.

A garota do post do blog disse que não vai publicar meus comentários porque não tem tempo para respondê-los - o que chega a ser surpreendente, já que ela arrumou tempo para dar print no que eu tinha dito no facebook. Mas não vou linkar mais aquela joça, o que ela merece é o meu silêncio.

Aliás, da próxima vez já prometi a mim mesmo não dizer nada, desde o começo. Deixa eles falando, deixa a pesquisa enviesada rolar como verdade pronta. Melhor assim, poupo meu tempo.

Textos relevantes sobre o assunto:
Carlos Orsi, sobre a pesquisa e uma reflexão posterior
Cynthia Semiramis sobre as cantadas, o fluxograma, e contexto
Aline Tdbem, uma reflexão mais profunda e crítica sobre a campanha toda. Muito inteligente e muito polêmico

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Twitter

Estava pensando em fechar minha conta no twitter há algum tempo e, semana passada, a sensação ficou mais forte depois de me tocar o quanto, ainda, perco tempo lendo opiniões que a) não me trazem nada de novo e, além disso, b) me deixam irritado.  Uma das minhas resoluções de ano novo foi evitar esse tipo de desperdício de tempo e o consequente desgraçamento da cabeça, então tenho que me policiar mais.

A sensação me veio quando li no Musashi uma passagem que dizia, lembrando de modo grosseiro, "esqueça os galhos, esqueça as folhas, lembre-se do tronco". Não vou postar a passagem toda aqui, mas a ideia é dispensar o supérfluo, o inútil, o vão.

Hoje no carro ouvi na rádio uma música que me fez pensar exatamente no que é o twitter, uma mente multifacetada de polipersonalidades coletivo-discordantes e altamente esquizofrênicas. É um tanto parecida com aquela dos dez mil anos atrás do Raul, mas essa é recente, uma versão de um rock uruguaio, de uma banda chamada Vespas Mandarinas.

Ainda não resolvi fechar minha conta de twitter, mas da música eu gosto:

Já fui ético, antipático, fui poético, fui fanático
Fui apático, fui metódico, sem vergonha, fui caótico
Eu já li paulo coelho, eu já escutei tudo que era conselho
Eu já preguei o evangelho, cheguei a achar que eu era velho

Já fiz tanta coisa que nem me lembro do que eu era contra ou fui a favor
O que me dava prazer, hoje só me dá dor
Nunca aprendi o que é o amor

E ouvi uma voz, que diz: "não há razão"
Você sempre mudando já, não muda mais
E já que estou cada vez mais igual
Não sei o que fazer comigo



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A ponte

Sonho com um deserto, quente e interminável. Ando por algum tempo, chego a uma plataforma. Na ponta da plataforma tem uma ponte, longa e estreitíssima, que leva a outra plataforma, onde o deserto continua. Sob a ponte, o solo é tão distante que não é nem possível enxergá-lo, daquela altura.

Pessoas me dizem que tenho que cruzar a ponte. Mas eu não quero, eu tenho medo, porque a ponte é longa e estreita, o vento é forte, é muito alto, e vou me apavorar. Tenho vergonha porque sei, instintivamente, que não vou conseguir atravessar em pé, que vou ter que me debruçar, me arrastar pra passar, e vão rir de mim.

Mas me pressionam, tenho que cruzar, tenho que ir. Dou um passo, dou outro, sinto o vento tentando me derrubar, e não sei por quanto tempo ando (ou me arrasto) até perceber que a ponte é interminável, e que a queda é inevitável, me equilibrar é adiar a certeza do que vai acontecer.

Em algum momento, acordo.

Passo alguns dias com o sonho na cabeça. Hoje me toco de que a ponte é a vida, atravessar a ponte é viver.

domingo, 5 de maio de 2013

Jogos de frustrações

Terminei no final de semana o último volume publicado de "Guerras dos Tronos". Gostei, apesar de em vários momentos me sentir descontente com os rumos que tomam a história. Atenção: os trechos com spoilers sérios, com exemplos do que estou dizendo, estão escritos em branco com fundo branco. Para ler, é só selecionar o texto.

RR Martin quebra algumas regras dos épicos de fantasia ao compor sua história. Por um lado, isso dá uma imprevisibilidade ímpar, uma vontade tremenda de saber como as coisas vão acontecer. Por outro lado, algumas circunstâncias me deixaram profundamente frustrado com a  história.

Em qualquer história, principalmente em épicos de fantasia, quando uma personagem se destaca, quando há várias e várias páginas sobre suas vitórias e suas batalhas, ele se transforma em um herói para o leitor. O público nutre expectativas sobre como ele irá superar seus problemas e alcançar redenção. É permitido que o herói morra, é permitido que ele falhe enquanto busca seu objetivo. Mas não é permitido que ele se acovarde em um momento decisivo, que hesite, que morra com um tiro nas costas em uma situação banal. Martin mata heróis nas entrelinhas, com flechas vindas de direções aleatórias, ajoelhados, hesitantes, sem reação, sem vingança, sem saber bem por que estão morrendo.

Quando Frodo sai de Valfenda, ele tem um objetivo: destruir o Anel. Sua missão tem basicamente dois resultados possíveis: ou ele atinge seu objetivo (e sobrevive, ou morre), ou algum vilão consegue impedí-lo, e o problema teria que ser solucionado de alguma outra forma.

Trecho em branco: Jaime sai de Winterfell com Briene para negociar com Tyrion por Sansa. Quando chegam, Tyrion não está disponível, Sansa não mora mais lá, e a missão não faz mais sentido. Na história de RR Martin, Frodo chegaria até o lugar indicado e a montanha não existiria mais, o Anel seria de plástico, e Sauron teria sido substituído por um novo governante nem-bom-nem-mau.

A morte de Rob, pra mim, foi a parte mais frustrante de todo o livro. Ele morre acreditando que seus irmãos foram mortos por Théon, sem oportunidade de vingança, nem contra ele, nem contra os Lannister. Morre acuado, sem reação, sem puxar a espada, como um ratinho em uma ratoeira. Sem saber por quê, sem saber como, sem elucidação, sem redenção.Não há como isso se resolver por futuros livros - ele simplesmente morreu feito uma mosca. Fim do trecho em branco.

É claro que a história de Martin se aproxima mais da realidade - afinal, o universo não tem nenhum compromisso de elucidar as situações antes de matar os mocinhos. Na realidade, o Dr. No mataria o James Bond antes de contar detalhadamente sobre seus planos. Mas de realidade já estou cheio, e de fantasia, eu espero um pouco mais.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Caretice educacional



Hoje a professora do meu filho de cinco anos me chamou pra conversar porque ele aprontou na escola. Fiquei consternado ao saber o que havia acontecido: a pedido de um colega, ele tinha tirado a roupa e então desfilado e dançado pelado na frente dos amigos e amigas.

Passei "aquela" reprimenda, disse que ele tinha me envergonhado, que tinha se comportado como um bebê e etc. Mas depois de notar a chateação que causei nele, me toquei de que o que havia acontecido era muito menos grave do que parecia. Na verdade, de acordo com meu próprio código de ética, nada impede que as pessoas andem peladas por aí sem que sejam reprimidas por isso. Me senti hipócrita. Difícil reconhecer, chega a ser doloroso, mas é real: em várias oportunidades brinco com ele em situações assim, antes do banho, ou na hora de trocar de roupa.

Claro, ele fez com o objetivo de fazer graça. Não foi pra chocar, não foi pra irritar. Ele faz porque em casa é aceito. É óbvio que nem todos os comportamentos aceitos dentro de casa são aceitos em público, e é claro que mesmo as brincadeiras mais inocentes tem hora certa pra serem aceitas (até a piada do tomate atropelado pelo caminhão causaria caretas em um velório). Mas qualquer outra brincadeira fora de hora receberia uma bronca muito menor do que andar pelado pela escola, tanto por parte da professora quanto de mim.

Eu poderia simplesmente dizer que os pais dos amigos não achariam legal, pra não fazer mais e pronto, ele iria entender. Mas minha bronca foi muito mais vigorosa. Excessivamente vigorosa.

Me toquei de que, nós, pais, acabamos  reprimindo esse comportamento porque ele nos envergonha, por que não é aceito pela comunidade em que estamos inseridos. Porque fomos treinados para repelir esse tipo de comportamento em público desde a mais tenra infância, como foram também nossos pais e os pais de nossos pais ( é muito mais comum e aceitável socar o amiguinho do que ficar pelado na frente dele, tanto que isso nem geraria comentário da professora). Me toquei que, devagar, sem pensar, colocamos nos filhos a culpa e a vergonha que participam tão fortemente de nossos julgamentos.  Me toquei de que assim, um passo de cada vez, os filhos ficam mais aceitáveis, mais quadrados, e o mundo fica mais careta e sem graça - como nós também somos.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Psicologia evolutiva (um post de Facebook que virou post de blog)


O Sakamoto (e a esquerda em geral) tem uma implicância tremenda, injustificável, com psicologia evolutiva. O fato de que pode haver comportamentos pré-condicionados não quer dizer que esses comportamentos sejam regra (são tendência, não regra). Não quer dizer nem que esses comportamentos não devam ser evitados.

O próprio Pinker - "o pai da psicologia evolutiva" - vive dizendo que se a ciência explica a origem do machismo, ela não serve para o legitimar, e sim a apontar o dedo pras nossas próprias falhas congênitas, os pontos em que devemos ficar mais atentos e pensar: "isso que eu penso está certo ou é minha mentalidade ancestral caçador-coletor retrógrada falando por mim?"

Já há muito tempo é fato comprovado que não nascemos "tabula rasa". Obviamente muitos comportamentos são construídos e a cultura, o ambiente e a educação tem um papel muito importante na formação da mentalidade das pessoas e da sociedade. Mas isso não quer dizer que a genética também não tenha um papel importante.

Enquanto isso só se vêem posts e mais posts de gente pregando pro coreto, desprezando toda uma área de conhecimento humano com uma canetada, malhando espantalhos que não têm absolutamente nada a ver com o que é a ciência em questão. "Toda ciência é construção.", "Psicologia evolutiva está infestada de ideologia.". Bom, Ciência Social também é construção e também está infestada de ideologia, mas o pessoal da esquerda não parece nem um pouco preocupado com isso.

Falam de uma "metateoria",  uma Metaciência livre de ideologia (que, imagino, deva ditar comportamentos à Ciência). Mas quanto mais teórico, mais distante da realidade, mais difícil de comprovar, mais fácil de se controlar com retórica, mais à mercê de ideólogos.