terça-feira, 24 de setembro de 2013

Elysium

Fui ver Elysium no domingo. Alguns aspectos são muito interessantes, o visual steampunk, as sequências de burocracia e violência tecnológica no início. Mas, no geral, achei o filme ruim.

(Spoilers extremos, não leia se não quiser estragar o filme. Infelizmente, se você não viu, provavelmente não vai entender muito bem meu texto.)
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Jesus 2.0 agora com exclusiva munição antidroide

É fácil enxergar Elysium como um filme de perspectiva cristã muito forte. O mundo é um lugar terrível e inóspito, o paraíso, a estação espacial Elysium, fica no céu. Para alcançar o céu, os pobres precisam de um salvador que entrega a sua vida em troca da justiça pelos outros, um Jesus moderno que usa um exoesqueleto no lugar da cruz. Na história não se conta como chegamos à situação atual, mas presume-se facilmente pelo enredo que aconteceu devido à ganância, individualismo, superpopulação.  Fica a impressão de que os ricos roubaram o céu dos pobres.

Aí que começam os problemas do filme. Qual é o vilão de Elysium? Seria o bandido agente mercenário? Ele também é pobre, um qualquer, uma peça na engrenagem. Tem também a personagem da Jodie Foster, mas como vilã, deixa muito a desejar. Não há nenhuma discussão entre ela e o protagonista. Não se conhecem, nem se vêem como inimigos.

Elysium não tem um vilão facilmente identificável porque os problemas de seu universo são causados por todas as pessoas. Não seria um problema, a princípio, não haver um vilão - mas só faz sentido haver um protagonista que resolva todos os problemas se há um vilão causando todos os problemas. O Batman só existe enquanto existe o Coringa ou outro que o substitua. Em Elysium, quem é o vilão que causa a pobreza, são os ricos? Matar os ricos não transforma os pobres em ricos, infelizmente. E, pior ainda, quem é o vilão que causa a superpopulação?

É de uma ingenuidade desconcertante acreditar que problemas coletivos (como ganância, individualismo, superpopulação) são resolvidos por uma pessoa, sozinha, com uma canetada. Não dá pra dar reboot no mundo, não é assim que funciona. Mesmo dentro das regras do capitalismo, problemas causados por todo mundo requerem soluções coletivas, discussão, conscientização.

"Quem libertou os escravos?" pergunta a professora, e os alunos, felizes e inocentes, dizem que foi a princesa Isabel. Mas e o processo político-social que aconteceu antes da princesa Isabel assinar a lei? E a pressão dos abolicionistas? E o embargo inglês? Tem certeza de que foi só a princesa, mesmo?

Pra ir mais fundo, Elysium não resolve os problemas que propõe, nem mesmo com o pé de cabra do mártir salvador. No final, aparentemente todas as pessoas ganham acesso à imortalidade, o que iria piorar o problema da superpopulação. A estação Elysium é um lugar pequeno, restrito... quantas pessoas caberão lá? Vale a pena todo mundo viver num lugar sujo e superpopulado, na Terra ou no Céu, pra sempre, cercado de pessoas falhas, gananciosas?

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Tretas e mais tretas


A treta, meus amigos, ela nos persegue. Ou melhor: eu dou quirera pra ela, ela cresce e se alimenta da minha disposição.

Durante essa semana, vi na página de um amigo no facebook um comentário sobre uma pesquisa online feita com mulheres sobre cantadas de rua. A pesquisa teve um resultado avassalador demonstrando a repulsa generalizada das mulheres por cantadas. Pensei um pouco e fiz um comentário nessas exatas palavras, no post no facebook:

"Sou super simpático com a causa e tb acho que as coisas têm que mudar, mas a pesquisa não tem valor estatístico nenhum. Quando você faz uma pesquisa num site feminista você tem a resposta do público daquele site feminista, não dá pra levar isso como se fosse a verdade absoluta pra todas as mulheres.
Eu acredito (não tenho certeza) de que se a pesquisa fosse feita na rua os resultados seriam bem diferentes. O que não quer dizer que cantada de rua seja algo a ser incentivado."

Não vou colar a briga toda aqui, mas foi razoavelmente longa. Eu repetia que concordo com o repúdio às cantadas mas que não acho que dê pra dizer que a opinião representa a totalidade das mulheres do Brasil. Disseram (com base nessa frase citada) que eu acho que a opinião das feministas vale menos que a das mulheres "normais". Disseram também que eu não tinha empatia, e era umbiguista e self-entitled. Depois fizeram um post de blog com prints do que eu escrevi, me chamando de mascu, de pseudo feminista, de ignorante, arrogante, de cético de conveniência etc etc etc.

Não me considero nenhuma dessas coisas, mas se perguntassem pra Hitler, ele também diria que é um cara legal, certo? Mas o que eu sou ou deixo de ser não cabe aqui. Como disse ontem um amigo, não se explique - pros amigos você não precisa, e os inimigos não vão acreditar.

Voltando à pesquisa, um texto muito mais bem escrito do que meus comentários foi publicado pelo Carlos Orsi (coloquei os links lá no final). No texto dele, a meu ver, só faltou uma discussão sobre classe, cultura e renda. O que é aceitável em um ambiente deixa de ser aceitável em outro, o que é considerado normal em baile funk é absurdo se for feito em um café da vila magdalena. De qualquer forma, reitero que concordo com o espírito todo da campanha, apesar de ainda achar que o viés estatístico é óbvio e que não pode ser divulgada como se fosse a opinião de "todas as mulheres". Vale muito, apesar disso, como método de chamar a atenção.

Agora, independentemente do que eu sou ou deixe de ser, cético de conveniência, ignorante ou arrogante, os movimentos sociais precisam de auto-crítica. Não dá pra aceitar que não se possa fazer um aparte qualquer sem ser chamado de masculista. Não dá pra aceitar que uma garota pegue meu nome e minha foto, sem autorização, e coloque como exemplo de masculismo por algo tão menor. Eu conheço minhas próprias atitudes, sei o que penso e o que valorizo na minha vida e na educação do meu filho, mas ela não sabe. Ela não sabe e resume, por causa de um comentário técnico sobre o viés estatístico da pesquisa, todo o meu pensamento em meia dúzia de adjetivos enlatados. Ela disse no post no blog que tem um "olhar treinado" por movimentos sociais. Bom, eu estou relativamente próximo de duas ou três classes de movimentos sociais e, a cada dia que passa, me sinto menos apto a tecer julgamentos rápidos por causa de meia dúzia de frases. Que Odin me livre disso.

(Na época do semdeusnocoração eu também fazia prints e também fazia patrulha, mas tinha o cuidado de apagar TODOS os nomes e borrar todas as fotos.)

Mais: como pode ser que alguém educada, consciente, inteligente e escritora possa distorcer as minhas palavras a ponto de afirmar que estou dizendo que feministas valem menos do que mulheres? E pior, como é que um comentário desses ganhe DEZOITO curtir logo de cara. Não é um caso isolado, é a regra. Deixa de ser um joão qualquer com má interpretação de texto e/ou desonestidade: é o caso de alguém inteligente, educada, considerada uma das líderes do feminismo na internet deliberadamente distorcendo as palavras da dissidência e jogando pra turba enraivecida, que clica no curtir sem pensar duas vezes.

Como disse lindamente a Flavia Durante no twitter, "Se você quer ser anti comportamento de manada mas aceita tudo que um grupo fala sem questionar você também faz parte de uma manada."

Me recuso a ter qualquer opinião só porque as pessoas a quem admiro e respeito julgam que é o correto. Prefiro pensar por mim mesmo.

A garota do post do blog disse que não vai publicar meus comentários porque não tem tempo para respondê-los - o que chega a ser surpreendente, já que ela arrumou tempo para dar print no que eu tinha dito no facebook. Mas não vou linkar mais aquela joça, o que ela merece é o meu silêncio.

Aliás, da próxima vez já prometi a mim mesmo não dizer nada, desde o começo. Deixa eles falando, deixa a pesquisa enviesada rolar como verdade pronta. Melhor assim, poupo meu tempo.

Textos relevantes sobre o assunto:
Carlos Orsi, sobre a pesquisa e uma reflexão posterior
Cynthia Semiramis sobre as cantadas, o fluxograma, e contexto
Aline Tdbem, uma reflexão mais profunda e crítica sobre a campanha toda. Muito inteligente e muito polêmico

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Twitter

Estava pensando em fechar minha conta no twitter há algum tempo e, semana passada, a sensação ficou mais forte depois de me tocar o quanto, ainda, perco tempo lendo opiniões que a) não me trazem nada de novo e, além disso, b) me deixam irritado.  Uma das minhas resoluções de ano novo foi evitar esse tipo de desperdício de tempo e o consequente desgraçamento da cabeça, então tenho que me policiar mais.

A sensação me veio quando li no Musashi uma passagem que dizia, lembrando de modo grosseiro, "esqueça os galhos, esqueça as folhas, lembre-se do tronco". Não vou postar a passagem toda aqui, mas a ideia é dispensar o supérfluo, o inútil, o vão.

Hoje no carro ouvi na rádio uma música que me fez pensar exatamente no que é o twitter, uma mente multifacetada de polipersonalidades coletivo-discordantes e altamente esquizofrênicas. É um tanto parecida com aquela dos dez mil anos atrás do Raul, mas essa é recente, uma versão de um rock uruguaio, de uma banda chamada Vespas Mandarinas.

Ainda não resolvi fechar minha conta de twitter, mas da música eu gosto:

Já fui ético, antipático, fui poético, fui fanático
Fui apático, fui metódico, sem vergonha, fui caótico
Eu já li paulo coelho, eu já escutei tudo que era conselho
Eu já preguei o evangelho, cheguei a achar que eu era velho

Já fiz tanta coisa que nem me lembro do que eu era contra ou fui a favor
O que me dava prazer, hoje só me dá dor
Nunca aprendi o que é o amor

E ouvi uma voz, que diz: "não há razão"
Você sempre mudando já, não muda mais
E já que estou cada vez mais igual
Não sei o que fazer comigo