domingo, 20 de junho de 2010

2012 e o complexo da vergonha tecnológica

All our scientific advances,
our fancy machines...

The Mayans saw this coming
thousands of years ago.

Professor West

Finalmente, assisti 2012. Não me lembro de onde tirei a ideia de que era um filme sobre invasão alienígena. Fiquei surpreso quando vi meus piores medos (com relação ao filme, e não com relação ao fim do mundo) se tornarem realidade: tempestades solares, alinhamentos cósmicos, etc e tal. E, é claro, todos os chavões que se possam colocar no mesmo filme. Uma mistura esquisitíssima de Guerra dos Mundos, O dia depois de amanhã e os discursos lambentáveis de Armageddon.

O que me deixou mais encucado foi pensar nesse complexo de vergonha científico-tecnológica em que gira o filme. A frase do professor West, um cientista (rá!), deixa esse sentimento bem claro. Nós, com nossas máquinas, com nossa Física, com nossa tecnologia, não sabemos de nada sobre o mundo enquanto os maias, com seus sacrifícios humanos, seus espelhinhos e penachos já sabiam de tudo há muito tempo.

Fiquei pensando que essa ideia permeia o discurso de todas as áreas a quem, por um motivo ou outro, interessa colocar em uma perspectiva não muito luminosa o progresso científico. Por exemplo os cristãos, a quem interessa frear pesquisas com polêmicas éticas, gostam de falar que o ser humano avançou muito tecnologicamente mas muito pouco moralmente. As pseudo-ciências (astrologia e afins) denunciam teorias conspiratórias em que os cientistas escondem os benefícios inigualáveis de suas práticas duvidosas.

Asimov fala em alguns de seus livros do 'complexo de Frankenstein', o medo de que nossas criações robóticas se rebelem contra seus mestres. Eu acredito que esse complexo é uma manifestação de um pensamento mais profundo, mais enraizado, que se dirige contra qualquer forma de progresso tecnológico.

Sabem Hogwarts? É como se vivêssemos lá. Legal mesmo é fazer as coisas com mágica - e quem não tem propensão pra mágica, quem tem que pesquisar as regras que fazem o universo funcionar, esses são todos trouxas. Fazer as coisas com pesquisa, ciência, tecnologia, isso é coisa de otário, quem é bom de verdade lê o futuro na borra de café.

A impressão que fica é que quando se usa tecnologia estamos de alguma forma 'trapaceando'. Uma coisa meio 'ah, assim até eu'. 'E daí que vocês mandam sondas pros limites do sistema solar? Os egípcios construíram pirâmides enormes antes de inventarem o desodorante roll-on.

O mais irônico é que se a 'mágica' fosse possível, factível, ela inevitavelmente seria entendida, explicada, quantificada. Claro que a explicação seria limitada apenas à descrição do fenômeno (por exemplo, 'diga alakazumba girando a ponta da sua varinha de condão no sentido anti-horário para fazer surgir um elefante do nada'), mas é exatamente assim que são descritas as leis físicas. Ninguém entende bem por quê a gravidade funciona como funciona, mas todos sabemos como ela funciona.

De certa forma, pensando por esse lado, mágica de fato existe. Mágica é a regra por trás da regra, a essência por trás das manifestações. Ou não.

(Pior mesmo são as pessoas que misturam os dois mundos, com efeitos particularmente desastrosos - como o técnico francês que, diz-se, não convoca jogadores de Libra e Escorpião para a sua seleção. Pelo visto suas regras não ajudaram muito.)