terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Pra dizer que não fiquei fora tanto tempo...

...o post que vai ser provavelmente o último de 2009. Não que valha isso. Não que o blog em si valha qualquer coisa.



Chefe: - Bom dia, pessoal. Gostaria que todos os presentes falassem um pouco para relatar a evolução das atividades durante o ano, de forma que...

Z: - Evolução é uma ilusão. Para evoluir para o ponto P1, antes precisamos evoluir para o ponto P1/2, e antes do ponto P1/4, e antes para o ponto P1/16, e assim por diante. Claramente nunca vamos sair do lugar. 'Evoluir' é uma ilusão.

Chefe: - ...er... ok, Z, já falamos disso antes. Bom, vamos então falar de coisas mais práticas. N, você conseguiu terminar o relatório solicitado pelo nosso principal cliente?

N: - O desejo de ter o relatório é só uma manifestação da vontade de poder do cliente. Não podemos nos curvar, não podemos aceitar a moralidade de rebanho que nos é imposta pela mentalidade judaico-cristã do nosso cliente. Precisamos tornar nossa empresa uma super-empresa que, aí sim, impõe seus desejos aos clientes.

Chefe: - N, você tinha prometido o relatório para o início do ano. Assim fica difícil. Não dá pra responder assim a tudo o que te pedem. Sh, você conseguiu elaborar a planilha?

Sh: - A planilha é só uma manifestação da Vontade escravista do cliente. Não podemos ser escravos das vontades. Temos que negar nossos desejos. O simples fato de termos nascido é uma maldição. A nossa única fuga da escravidão são as Artes, a Pintura, a Escultura, o Teatro, a Música. E você quer que eu perca meu tempo com uma planilha?

Chefe: - Sh, você já não foi muito bem na avaliação anual. Complicado. K, como ficou a situação dos papéis da sua contratação?

K: - É difícil dizer. Saí; encontrei no departamento de RH dois burocratas que precisavam de papéis. Que papéis?, eu perguntei. Eles disseram 'os papéis, os papéis'. E então eu procurei, perguntei o mundo todo sobre os papéis, e as pessoas diziam 'que papéis?' e diziam que eu não era digno de nem saber de que papéis eles estavam falando, muito menos ver os papéis, muito menos poder tocar neles. Todos me julgam indigno dos papéis.

Chefe: - Ok, mas você ainda está trabalhando nisso?

K: - Sim. Estou identificando o lugar onde devem estar os papéis, mas toda vez que tento me aproximar, algo me afasta. Mas tentarei de novo e de novo, para sempre se for necessário.

Chefe: Ok, gosto do seu empenho, mas precisamos de resultados. H, e aquele bug no formulário, resolveu?

H: - Não. Não vou conseguir resolvê-lo enquanto não encontrar uma metodologia coerente para buscar a solução.

Chefe: - O que quer dizer? O W enfrentou o mesmo problema e passou por isso rapidamente.

H: - O que ele fez não é totalmente válido. E não é porque ele resolveu um problema que todos os problemas estão resolvidos. Além disso, mesmo que o problema pareça resolvido com os casos de teste que elaborarmos, nada impede que apareça uma nova situação imprevista que fará o problema reaparecer. Por essa perspectiva, o problema é insolúvel, na verdade.

N (não se contendo): - O que você chama de verdade é só um ponto de vista.

H (rindo): - E a sua frase sobre a verdade, então, também é só um ponto de vista.

W: - Acalmem-se, cavalheiros. Isso é uma discussão absolutamente infrutífera. Sobre o que não podemos falar claramente, é melhor permanecer em silêncio. Eu proponho que caminhemos ao bar para tomar umas cervejas.

S: - W, você que é um homem de estudos, pode me informar qual é a vantagem prática de ir a um estabelecimento comercial ingerir bebidas alcoólicas que...

Chefe: - Não, ele não pode. Mas eu concordo, vamos logo. E P, por favor, não nos fale daquela cerveja maravilhosa que só existe na sua imaginação. Hoje vamos tomar cerveja de verdade, e é na minha conta.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Uma pausa

Não posso mais postar do trabalho e a internet em casa está limitada e ruim. Devo ficar sem postar até o início da semana que vem.

Resolvi deixar dois pequenos textos em que andei pensando esses dias:

Um mestre japonês, chamado Baso, perguntou a outro mestre, chamado Hiakujo:
- Qual a verdade que você ensina?
A título de resposta, mestre Hiakujo limitou-se a erguer seu leque mata-moscas.
- Isso é tudo? - Perguntou Baso. - Não há mais nada?
Mestre Hiakujo abaixou seu mata-moscas.

E outro, que publiquei no meu antiquíssimo blog, em 2002:

Ordenei que tirassem meu cavalo da estrebaria. O criado não me entendeu. Fui pessoalmente à estrebaria, selei o cavalo e montei-o. Ouvi soar à distância uma trompa, perguntei-lhe o que aquilo significava. Ele não sabia de nada e não havia escutado nada. Perto do portão ele me deteve e perguntou:
- Para onde cavalga senhor?
- Não sei direito - eu disse -, só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar; só assim posso alcançar meu objetivo.
- Conhece então o seu objetivo? - perguntou ele.
- Sim - respondi - Eu já disse: fora-daqui, é esse o meu objetivo.
- O senhor não leva provisões - disse ele.
- Não preciso de nenhuma - disse eu. - A viagem é tão longa que tenho de morrer de fome se não receber nada no caminho. Nenhuma provisão pode me salvar. Por sorte esta viagem é realmente imensa.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Eu, eu mesmo e o nada


Quando comecei com o digitando, tinha uma proposta um pouco diferente dos meus vários blogs anteriores: ser mais pessoal. Com o passar dos dias e dos posts, meu 'eu' impessoal voltou ao comando e colocou a proposta pessoal no mesmo lugar de onde normalmente ela se manifestava: por trás das coisas que eu escrevo.

Mas aí, na semana passada, a Deh me mandou um post da Lola sobre ateísmo e resolvi colocar aqui alguma coisa sobre o assunto, com um tom mais pessoal, à moda dos primeiros posts.

Bom, tudo começou quando eu nasci em uma família católica, bem católica. Meu pai era Ministro da Eucaristia e, segundo ouvi dizer, desejava ver seu mais jovem filho, eu, formado padre. Bem, não aconteceu. Eu fui batizado, fiz primeira comunhão, crisma, encontro de jovens, novenas, orações, fui comentarista, etc, etc, etc. Só não fui coroinha. Pensando nisso agora, lembro de um episódio muito engraçado em que uma tia me colocou, quando eu tinha uns 10 anos de idade, pra assistir um documentário sobre Evolução. Fiquei confuso, bem confuso.

Depois, devagar, bem devagar mesmo, fui me distanciando do Catolicismo para cair em uma espécie de Deísmo fajuto que eu mesmo definia. Aquela conversa de sempre: 'católico não-praticante'. Ou melhor, 'católico fajuto', porque pra ser católico é preciso ser praticante, certo? Nessa época me envolvi com uns amigos que se interessavam por Nova Era, cristais, Ashtar Sheran e tudo que fosse mais ou menos próximo disso. O assunto basicamente só girava em torno desses tópicos, conversas intermináveis sobre o lado oculto da Lua, combustão espontânea e tudo mais.

Nessa época, eu praticava artes marciais e na academia ouvia outras histórias, também diferentes, sobre 'energia' e respeito aos ancestrais - histórias diferentes do que era dito na igreja e das conversas sobre o Ashtar. Comecei a me sentir meio deslocado porque achava boa parte daquilo tudo bobagem - bonito, mas nem um pouco palpável.

Um dia me toquei que nem todo mundo poderia estar certo ao mesmo tempo. Entre a academia, os cristais e a igreja, pelo menos dois estariam necessariamente errados. Mas por motivos logísticos, deixei a academia e as conversas sobre cristais, assim como já tinha deixado a igreja. Segui com a vida, sem pensar muito no assunto.

Então veio um longo e mais ou menos aplicado período de aprendizado sobre ciência e filosofia, Carl Sagan, Descartes, Kant, Hume, Bertrand Russell, Evolução, Física, e as coisas foram se acumulando até chegar ao agora, em que escrevo isso.

Meu interesse por religiosidade aumentou novamente, apesar de ser uma preocupação essencialmente muito diferente da que eu tinha quando menino ('Eu acho que estava fazendo o sinal da cruz invertido. Será que se eu fizer o sinal da cruz tocando o lado direito antes do esquerdo Deus vai desconsiderar todas as minhas orações e me mandar pro inferno?'). Conheço as cinco vias, conheço o argumento Kalam, provavelmente sei defender o teísmo (pelo menos racionalmente) melhor do que oito entre dez teístas.

Mesmo assim, conforme o tempo passa, mais as ideias religiosas me parecem estranhas. Não só o Cristianismo (que tem um belíssimo paradigma moral, que não é seguido por religiosamente (ops, palavra ruim) ninguém fora algumas digníssimas exceções) mas também todas as religiões sobre as quais me informei com um pouco mais de profundidade. Cada vez mais me parecem com uma tentativa desesperada do ser humano de ganhar um confete transcendental, sentir uma importância que de fato não temos. Sentir que somos especiais. Sentir que podemos evitar o abismo niilista que está ali à frente, a um passo. Não quer dizer que nada disso esteja necessariamente errado. Só me parece fácil demais. Conveniente demais.

Enfim, não me envergonho de ser humano, mesmo com toda a pregação nesse sentido que é feita pelas mais diversas religiões. E é aqui que eu estou agora, (sempre) tentando me resolver, tentando pensar o passo seguinte. Vez em quando olhando pra baixo, vez em quando olhando pra cima. O que me aflige, de fato, é que tanta gente não consiga deixar os demais encontrarem seu caminho, seguirem sua vida. Digo isso pra todos, inclusive eu mesmo. Viva a diversidade.

E eu já postei isso antes, mas vale a pena repostar - de 'O nome da rosa':

"Mas então", ousei comentar, "estais ainda longe da solução..."
"Estou pertíssimo", disse Guilherme, "mas não sei de qual."
"Então não tendes uma única resposta para vossas perguntas?"
"Adso, se a tivesse ensinaria teologia em Paris."
"Em Paris eles têm sempre a resposta verdadeira?"
"Nunca", disse Guilherme, "mas são muito seguros de seus erros."
"E vós", disse eu com impertinência infantil, "nunca cometeis erros?"
"Frequentemente", respondeu. "Mas ao invés de conceber um único erro imagino muitos, assim não me torno escravo de nenhum."

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Lord of the Skeptics

É com muito orgulho que a Gazeta Interestelar anuncia a todos a invenção do Macro-Transdimensionador, que permite ao seu usuário conversas com seres de universos paralelos ao nosso. A invenção surgiu no Laboratório de Pan-universalidade, dentro do Departamento de Física da Universidade Européia de Ciências. Como sempre, é a Gazeta trazendo a vocês as maiores novidades da vanguarda científico-tecnológica, além dos já habituais cupons de desconto.

Para comemorar tão importante descoberta, conseguimos negociar com os inventores o agendamento de uma entrevista com um personagem da Terra Média, dentro de Arda, um planeta imaginado e claramente detalhado por Tolkien no início do século XX. As histórias de Tolkien ficaram largamente conhecidas na Terra durante o século XX e XXI, e contam até hoje com um número enorme de fãs incondicionais.

Infelizmente, não conseguimos que nenhum personagem conhecido nos concedesse seu tempo. Mesmo assim, a entrevista não deixa de ser interessante; poderemos conversar com um personagem com uma visão diferenciada e singular dos eventos conhecidos pelos fãs das histórias da Terra-Média.




Gazeta: - Por favor, nos diga o seu nome e o que faz aí na Terra-Média.
Blenyc: - Meu nome é Blenyc, e sou presidente da Associação Humanista Secular de Gondor.

G: Associação Humanista? Existe lugar para o humanismo em Arda?
B: Eu diria que o humanismo chegou para ficar. O povo da Terra-Média está cansado de crenças dogmáticas que relegam a vida ao segundo plano. Estamos cansados de crendices, de fadas, de anjos e demônios. Estamos cansados de explicações miraculosas. Queremos a Terra-Média para as pessoas que realmente existem nela.

G: E quanto a elfos, hobbits e anões?
B: Eles também se enquadram em nossa definição de Humano. Mas eu nunca conheci um elfo, e não conheço ninguém que tenha visto um. Segundo a história, eles foram extintos durante a Grande Guerra. Se foi assim, eles conseguiram sair sem deixar nenhum rastro.

G: Blenyc, vou deixar algo claro: todo o nosso conhecimento sobre o mundo de vocês envolve o que chamamos de...'pensamento mágico'. A história mais conhecida é a saga do Um Anel...
B: Sim, a Grande Guerra, a maior de nossa história.

G: ...que está cheia de relatos sobre feitos cheios de magia e fantasia, tanto de protagonistas quanto de personagens menores.
B: É o que a história conta. Não quer dizer que seja verdade. Por exemplo, que situações 'mágicas' você citaria?

G: Por exemplo, a história do exército fantasma lutando ao lado de Aragorn durante a Batalha do Pelennor.
B: Veja... pra começar, tudo isso já se passou há muito tempo, então é muito difícil saber o que de fato aconteceu. Em vários relatos independentes da Batalha, Aragorn ataca à frente de um exército cujos guerreiros se movem como fantasmas, o que dá uma perspectiva totalmente diferente ao ocorrido. Com o tempo, a história contada oralmente pode ter sido alterada de forma que hoje muita gente acredita que eram realmente fantasmas que atacaram ao lado de Aragorn. Agora, entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural, eu prefiro a natural: era um exército muito bem treinado com técnicas que hoje desconhecemos.

Há pesquisas que indicam que os 'fantasmas' eram habitantes da região que Aragorn atravessou, e que depois da guerra se moveram para o norte, sem nunca saber da fama que ganharam.

G: E o Olho Que Tudo Vê?
B: Um enorme farol desenhado para se parecer com um olho.

G: E quanto aos orcs e outros monstros demoníacos?
B: Orcs não são monstros, não são demônios. São uma raça - brutal a nossos olhos por se alimentarem de carne de outros seres conscientes - que surgiu devido ao mecanismo da Evolução que vocês também já devem conhecer.

G: Sim... conhecemos. E quanto a Gandalf, o Branco? Nas histórias a que tivemos acesso ele volta da morte, entre outras proezas.
B: Gandalf com certeza foi um pesonagem importantíssimo para nossa história, e muitas de suas decisões tiveram impacto marcante no que veio a ser a vitória da Aliança. Mas tudo indica que ele era, além de extremamente inteligente, um grande ilusionista. Gandalf sabia o que precisava fazer para motivar as pessoas na direção do que ele considerava um Bem maior.

G: Não consigo deixar de perguntar: E Frodo? E o Um Anel?
B: Nada que possa ser considerado uma evidência se encaixa com os relatos sobre o Anel. A teoria mais aceita por pesquisadores históricos é que Frodo e os Grandes Anéis nunca existiram e que a mitologia em torno deles foi inventada posteriormente, provavelmente para justificar a permanência da monarquia teocrática retrógrada que temos até hoje aqui na Terra Média. Aliás, eu só posso falar nesses termos porque a entrevista vai ser publicada em outro Universo, segundo o que você está me dizendo.

Algumas pessoas ainda se agarram na literalidade das histórias da saga do Anel, mas toda vez que se descobre alguma evidência contrária ao que é descrito, cresce o número de pessoas que acredita que as histórias são metafóricas ou que foram deliberadamente inventadas.

G: E você não acredita ser estranho haver tantos relatos sobre aventuras e acontecimentos sobrenaturais, todos falsos?
B: Sim. Mas acredito que seria ainda mais estranho se os relatos fossem verdadeiros apesar de todas as evidências em contrário. E ainda mais se levarmos em conta o fato de que em nossos dias não há absolutamente nenhum evento que se aproxime da magia contida nas histórias contadas por nossos antepassados. Nada disso foi reproduzido em nenhuma ocasião que se possa chamar de confiável.

G: Você não acha a sua visão um pouco decepcionante?
B: Talvez. Eu também gostaria de viver em um mundo onde a fé move montanhas, onde anjos e demônios interferem e lutam por nossas almas. Mas quanto mais eu tento compreender o mundo, mais essa realidade fantasiosa se afasta.

Talvez você esteja mesmo certo, mas é assim, decepcionante, que a Natureza se apresentou à nossa Razão, e é assim que devemos entendê-la.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Blogger's game

- Hoje fiquei pensando no objetivo do meu blog.

- Hm... mas um blog precisa de um objetivo, de um sentido?

- É, na verdade não. É como perguntar a temperatura do número sete, né? Bom, mesmo assim, fiquei pensando nisso e acabei lembrando de 'O jogo do exterminador'.

- Mas o que tem a ver 'O jogo do exterminador' com o seu blog?

- No livro duas crianças muito inteligentes que começam a participar de comunidades sociais online, usando pseudônimos (Locke e Demóstenes). E os argumentos deles são tão sólidos que todas as pessoas começam a ler avidamente o que publicam e a seguir suas opiniões em todos os assuntos.

- É uma presunção muito grande pra um blog, não acha? Na vida real, mesmo se você fundamentar muito bem todos os seus pensamentos, há muitos outros fatores envolvidos. Muita gente fecha a janela quando o texto é longo, pra começar.

- Tem razão. Mas não te irrita que tantas pessoas francamente pouco inteligentes sejam seguidas por tantos, enquanto outras pessoas claramente mais inteligentes sejam sumariamente desprezadas?

- Você gosta dessas palavras 'absolutamente', 'sumariamente', 'claramente', 'francamente', não? Bom, e você se coloca entre essas pessoas, as inteligentes?

- É, eu gosto mesmo dessas palavras, transmitem solidez. Mas respondendo a sua pergunta, não me coloco não, existem muitos outros blogs geniais e até menos visitados que o meu. Eu só fico triste por, sei lá, não ter o meu próprio séquito de seguidores idiotas.

- E o objetivo do seu blog é ter esse séquito de seguidores idiotas?

- Na verdade, não. Mas um bom objetivo seria zombar subliminarmente dos meus seguidores idiotas de forma que só algumas poucas pessoas inteligentes entendessem.

- E você já pensou que algumas das pessoas a quem você admira também podem estar fazendo isso?

- Sim. E isso me apavora.


Disclaimer: Esse diálogo é puramente ficcional. Considero todas as pessoas que lêem o meu blog geniais até prova em contrário. Mesmo as que entram procurando por 'como ganhar na Mega sena'.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Nota rápida

Eu disse isso por coisas como essas.

Vergonha, muita vergonha.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Above us only sky


Religião é sem dúvida um troço bem interessante. Gosto de ler sobre as crenças, os protagonistas, as histórias, os eventos, as explicações - dos mitos de criação à escatologia. Estudar os expoentes, etc e tal. De todas, até de religiões fictícias.

E eu me achava meio anormal até ver esse cara, que está passando 52 semanas visitando uma religião por semana. Cientologistas, budistas, humanistas, testemunhas de Jeová, adventistas, taoístas, xintoístas, wiccas, tudo. Ah, e o cara é ateu, claro. Mas as entrevistas e comentários são bem amigáveis, na ampla maioria dos casos.

Outra página interessante sobre o assunto é um desafio para 2010: World Religion Challenge 2010. A ideia é ler alucinadamente tudo o que for possível sobre religiões durante esse ano. Quanto mais, melhor. Os autores sugerem alguns 'caminhos', por exemplo o caminho das cinco grandes (ler pelo menos um livro sobre cada uma das cinco grandes: Hinduísmo, Cristianismo, Judaísmo, Budismo e Islamismo). Ou o caminho universalista (ler pelo menos um livro sobre cada uma das cinco grandes e diversos livros sobre as pequenas. Mais é melhor).

Ainda estou pensando se vale a pena dedicar tanto tempo a isso. Mas que a ideia é boa, é.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Um rompante cinematográfico

Tenho franca intolerância com alguns tipos de história. Stephen King, por exemplo, me irrita profundamente. Todo aquele dualismo do bem contra o mal, toda aquela repetição épica. Argh. O problema não é que os personagens sejam rasos; o problema é o tom de grandiosidade em uma história que essencialmente não diz nada.

Eu aceito histórias que não me digam nada, com a condição de que não sejam pomposas.

Um exemplo que cito volta e meia é aquele 'À espera de um milagre', que aparentemente veio de um livro dele. A história é, no mínimo, uma coletânea de clichês. Um homenzarrão que é super bonzinho; check. Um crime que não foi cometido pelo homenzarrão bonzinho; check. Pessoas boas que gostam do homenzarrão bonzinho; check. Pessoas ruins que não gostam do homenzarrão bonzinho; check. Isso sem contar a ridícula associação do homenzarrão com Jesus. A diferença é que o Jesus de Stephen King tem um upgrade que permite matar pessoas ruins quando assim lhe convém.

'Coisas ruins acontecem a pessoas boas.', é o que Stephen King nos diz. Jura? Eu não sabia!!!

'O caçador de pipas' também irrita, mas por um motivo diferente. Pelo visto, todos os autores de histórias sobre o Oriente sentem uma compulsão terrível de 'ligar as pontas' (bom, pelo menos nas histórias pra inglês ver). A história é até boa, os personagens até fazem sentido, até dá pra aguentar o dramalhão: mas nããão, tem que ter a cena final em que o bandidão do início da história aparece para enfrentar o mocinho. Não pode ser outro conflito, outro desenvolvimento, não! Tem que ter a marca do estava escrito, senão não é Oriente.

'Coloca mais insinuação de destino senão a dona Cotinha que gosta de assistir a Ana Maria Braga não vai entender', diz o editor para o escritor de 'Sua resposta vale um bilhão'. E a dona Cotinha, o seu Jaime, a stephanny (te amo guuuu) e sua melhor amiga mahhhhzinha todos adoram e choram e dizem que é o filme da vida deles. Até surgir a continuação de 'Dois filhos de Francisco', claro. Saco.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A cabana



Peguei o livro já imaginando que não ia gostar.

Consegui passar pelo prefácio relevando a quase santificada apresentação da história. Ignorei a descrição do personagem principal, com toda aquela aura de sapiência não demonstrada. 'Ele é quieto, mas quando fala abala o mundo' é a impressão que fica. Impressão que nunca se confirma.

Fiz de conta que o tom de 'isso pode ter acontecido de verdade' não me remeteu imediatamente ao Bruxa de Blair.

Deixei de lado a consideração de que o protagonista ou é arrogante o suficiente para acreditar que pode falar no nome de Deus (e até colocar palavras na boca dele) ou é louco e arrogante o suficiente para acreditar que Deus crie avatares para explicar as mazelas da existência humana a ele, só a ele e a mais ninguém.

Ri do fato de que as perguntas que são feitas a Deus são sempre sobre problemas morais e teológicos e podem ser respondidas (de maneira muito melhor, por sinal) por qualquer teólogo que se preze.

Como foi a origem do universo? Existe vida em outros planetas? Como podemos contactá-la? A realidade é realmente indeterminística em sua base? Como posso fornecer a outras pessoas uma prova de que o senhor é real?

Tristemente, nada disso é perguntado. A realidade que vivenciamos é, talvez, desprezível? Minto; Deus fala no livro pelo menos em um momento sobre a realidade sensível. E, pasmem... Deus é criacionista!

Quando isso apareceu, fiquei esperando explicações sobre os falsos ossos de dinossauros. Sobre a engenharia da arca de Noé. Sobre os complexos subterfúgios divinos para sistematicamente enganar os cientistas sobre métodos de datação de forma que a sua falsa descrição do mundo seja coerente e incorreta ao mesmo tempo. Mas, como eu esperava, não veio nada.

Tudo isso passou, e eu continuei. E aí veio todo um capítulo sobre sujeição, sobre desligar o cérebro, uma frase estranha sobre a necessidade de aceitar testemunhos sem comprovação (?), já que 'nada que possa ser chamado de verdade' (?) pode ser alcançado de alguma outra forma.

Pensei, então, que o Deus de 'A Cabana' não quer que eu pense. Não quer que eu use minha razão, que eu aplique as coisas que aprendo no mundo que ele presumivelmente criou para nos servir como escola, como teste. Ele me deu a razão, mas não posso usá-la; Ele não quer que eu pense, só que me funda em algo que nem consigo imaginar.

E vieram na minha mente as imagens do onze de setembro, da certeza cega que guiou os fanáticos. Eles deviam mesmo estar se fundindo em algo que não entendiam. Uma mentira assutadoramente real.

E aí eu fiz algo que quase nunca faço: desisti da leitura. De vez. Porque, assim como o autor escreve no prefácio, se eu não gostei do livro ele não foi escrito pra mim. A diferença é que eu não acho que isso o salve de ser medíocre.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Top 7 filmes que valeriam só pelo final

De um tempo pra cá, desgostei de listas. Acho elas limitadas, simplistas e, inevitavelmente, deixam participantes dignos de fora (mesmo que sejam participantes dignos de serem execrados). Mas o caso é que assisti Vidas em jogo novamente essa semana e veio uma vontade irresistível de fazer uma listinha de filmes com finais foderosos.

7 - Clube da luta - Porque, afinal, quem é Tyler Durden? E quem se importa com companhias de cartão de crédito levando prejuízo?

6 - Vidas em Jogo - Filme divertido e despretensioso. Tenso, divertido e despretensioso.

5 - O sexto sentido - Meio que obrigação de entrar nessa lista, não?

4 - Se7en - O último dos pecados é memorável (assim como todos os outros).

3 - Planeta dos macacos  (o original, claro) - Nãããão!!! Eu não acredito!!!

2 - Os suspeitos - Keyzer Söze. Medo de Keyzer Söze.

1 - Doutor Fantástico - Yahooooo!

Nova cara

Hoje estava passeando pela net e me deparei com outro blog com o mesmíssimo layout que o digitando exibia. Fiquei com uma sensação estranha, talvez a mesma que a Nicole Kidman teria caso encontrasse outra mulher na cerimônia do Oscar com um vestido parecidíssimo.

Enfim, isso que vocês vêem é o resultado parcial. Faltam alguns links e alguns ajustes... mas a cara vai ser mais ou menos essa. No entanto, sugestões são bem-vindas (e talvez nem sejam desprezadas).

(Já vi que a barra de título não é link pro home. Isso me irrita deveras, mas vai ficar pra amanhã.)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Da Europa, um exemplo



Como sempre, a igreja é muito mais esperta do que a direita conservadora. Resmungou com a notícia para ficar bem na foto, mas não rosnou, nem mordeu. Isso porque ela sabe que o que agora parece uma derrota para o cristianismo é uma vitória a longo prazo, já que a decisão abre precedentes para outras regulamentações que inevitavelmente atingirão o Islã. E, na Europa, o Islã é um adversário muito mais importante do que o laicismo.

Dawkins, Dennet, esse povo faz muito barulho, mas na prática não manda nada. Muito mais complicado do que a retirada dos crucifixos é conviver com burcas e a lei sharia, que avança perigosamente sobre tribunais ingleses.

(Talvez eu esteja errado sobre a opinião da ICAR. Não tenho nenhum embasamento para escrever nada disso fora uma opinião mais ou menos fundamentada em notícias colhidas ao léu mas, com o pouco que sei, me parece fazer sentido.

Estou brincando de ter certeza.)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Incantation

Human reason is beautiful and invincible.
No bars, no barbed wire, no pulping of books,
No sentence of banishment can prevail against it.
It establishes the universal ideas in language,
And guides our hand so we write Truth and Justice
With capital letters, lie and oppression with small.
It puts what should be above things as they are,
Is an enemy of despair and a friend of hope.
It does not know Jew from Greek or slave from master,
Giving us the estate of the world to manage.
It saves austere and transparent phrases
From the filthy discord of tortured words.
It says that everything is new under the sun,
Opens the congealed fist of the past.
Beautiful and very young are Philo-Sophia
And poetry, her ally in the service of the good.
As late as yesterday Nature celebrated their birth,
The news was brought to the mountains by a unicorn and an echo.
Their friendship will be glorious, their time has no limit.
Their enemies have delivered themselves to destruction.


Minha tradução, porquíssima como sempre:

A razão humana é bela e invencível.
Nem barras, nem arame farpado, nem destruição de livros,
Nem sentença de banimento pode prevalecer sobre ela.
Ela estabelece as ideias universais da linguagem,
E guia nossa mão para que possamos escrever Verdade e Justiça
Com letras maiúsculas, mentira e opressão com minúsculas.
Ela coloca as coisas acima das outras como são,
É inimiga do desespero e amiga da esperança.
Ela não diferencia Judeu de Grego ou escravo de mestre,
Dando a nós o estado do mundo para controlarmos.
Ela preserva frases transparentes e austeras
Da corrompida desarmonia das palavras torturadas.
Ela diz que tudo é novo debaixo do sol,
Abre o punho sólido do passado.
Belas e muito jovens são a Filo-Sofia
E a poesia; sua aliada a serviço do bem.
Foi como ontem que a Natureza celebrou seu nascimento,
As novidades que foram trazidas às montanhas por um unicórnio e um eco.
Sua amizade será gloriosa, seu tempo não tem limite.
Seus inimigos se entregaram à destruição.


Czeslaw Milosz, no prólogo do The Secular Conscience.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Gattaca e síndrome de Down



Primeiro, pegue uma questão cabeludíssima sobre aborto de fetos com síndrome de Down (sendo o aborto legalizado, é ético abortar um feto que irá nascer com sérios problemas cognitivos? Que não seria abortado caso não tivesse esses problemas?).

Adicione uma notícia sobre fabricação de espermatozóides e óvulos em laboratório - dizem que em cinco anos vai ser possível um processo totalmente artificial. Considere a possibilidade de escolher as características da criança que vai nascer, como quando você vai jogar algum RPG no computador e tem oportunidade de desenhar o rosto, o corpo e traços de personalidade do protagonista.

Misture bem e leve ao fogo. Devagar, vá adicionando paulatinamente informações diversas sobre órgãos artificiais - mãos, braços, pernas, corações, pulmões, pâncreas, you name it. Polvilhe com fragmentos de câmeras conectadas ao cérebro  que funcionam como substitutas para olhos.

Depois de solidificar, coloque a massa na forma de conceitos transumanistas (abraçar a tecnologia genética, pular fundo dentro da piscina dos genes). Cubra com singularidade tecnológica (o ponto em que o avanço tecnológico tende a um valor infinito). Deixe assando por alguns séculos, ou décadas, ou anos, ou nunca. Isso não sabemos.

O bolo que sai do forno de muito difícil digestão, concordo. E é real; dentro de um futuro próximo, poderemos, se quisermos, ser mais do que humanos. Mais fortes, mais inteligentes, mais rápidos. É um assunto pra lá de polêmico, e ninguém quer uma multidão de loiros de olhos azuis. Mas não tem que ser necessariamente assim; temos que aprender a ser melhores humanos para só então sermos mais do que humanos. Afinal, se a evolução espiritual é tão prezada, porque não pensar também na evolução da espécie?

Pensei nisso ontem e hoje e tendo a acreditar que (mesmo tendo lido 1984 e tendo assistido Gattaca) os potenciais benefícios seriam muitos para descartá-los sem julgamento. Mas também tenho meus medos, e ainda não tenho opinião formada sobre a situação como um todo.

É realmente um caso a ser pensado. Para quem se interessar, vale a pena ler sobre transumanismo e pós-humanismo, links ali em cima.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

O talentoso Tom Castro

Ontem conversei com alguns amigos sobre pessoas que tomam para si a vida de outras pessoas - visando dinheiro, status, as coisas de sempre. Talentosos Ripleys da vida real, por assim dizer.

Com muitas tentativas e um pouco de paciência consegui encontrar a história de Tania Head, que mentiu por vários anos a muitas pessoas sobre ter sobrevivido aos ataques de 11 de setembro. Tania dizia estar alguns andares acima do ponto de impacto, tendo escapado com queimaduras e lembranças terríveis. Sua história comoveu e cativou os corações de norte-americanos famintos por tragédias, e ela se tornou líder do grupo de sobreviventes. Tania chegou a guiar Rudolph Giuliani pelos escombros das torres.

Depois de algumas informações desencontradas, os jornalistas começaram a juntar A com B e descobriram que, na verdade, o nome dela é Alicia e ela estava em Barcelona no dia dos ataques.

Outra boa história é a do brasileiro que se fazia passar por dono da Gol e que, segundo boatos, chegou a emprestar helicópteros de famosos 'reais' e até a conhecer modelos biblicamente. Sobre isso não consegui encontrar praticamente nada consistente, mas eu me lembro que ele até foi entrevistado pelo Otávio Mesquita.

Mas a história que mais me impressiona é a do falso Sir Roger Tichborne, que aconteceu por volta de 1865. Herdeiro da fortuna de seu pai, Sir Roger morreu em um naufrágio quando voltava do Brasil para reclamar seus direitos. A mãe, desesperada, se recusou a aceitar a morte do filho e mandou recados aos quatro cantos do mundo procurando por ele.

Aí que a coisa fica estranha: aparece um australiano (que na verdade se chama Tom Castro) se dizendo Sir Roger e a mãe do defunto, desesperada, o aceita como filho. Detalhe: Sir Roger só conversava com a mãe em francês, enquanto o impostor não fala uma palavra da língua. Tom era só mais ou menos parecido com Sir Roger. Muitas pessoas o denunciam logo que ele aparece, mas a mãe continua acreditando no impostor. A farsa só se desfaz três anos depois, com a morte de Lady Tichborne.

O que eu fico pensando é... caramba, como é que as pessoas acreditam? Como é que aceitam as inconsistências, não perguntam, aceitam? É medo de encarar a realidade?

E pior, será que eu faria o mesmo?

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Bastarda insanidade

- Assisti Bastardos Inglórios.

- Ah, eu também já vi. Gostou?

- Então, gostei pra caramba. Mas sei lá, o filme é um liquidificador moral, né?

- Bom, eu tento deixar o cérebro do lado de fora da sessão.

- Eu também, mas o Tarantino apelou. Já ficaria implícito que rir da morte e do sofrimento é algo digno de pessoas como Hitler. Ele foi mais longe e deixou isso explícito... parece que estava rindo com a nossa cara.

- Você tem razão, mas ele riu da própria cara também. Lembra da cena em que o Hitler elogia o filme e o Goebbels fica todo emocionado, chega até a chorar?

- É. De alguma forma estranha, nós, como audiência, somos Hitler e o Tarantino, como diretor, é o Goebbels, feliz por provocar o nosso riso diante do sofrimento alheio. É terrível. Ele joga o público na lama e se joga na lama junto com ele.

- Ah, não. Mas aí você desconsidera que os acontecimentos finais estão circunscritos convenientemente dentro de um cinema***. O que eu acho que ele esteja dizendo é que, dentro do cinema, tudo pode. Dentro do cinema, podemos torcer pro bandido, podemos gostar de ver o malvadão sofrendo, podemos não ligar a mínima pra uma cena de violência extrema. Não há nada de errado com isso.

- Acho que faz parte da nossa natureza, essa coisa de gostar de ver o inimigo sofrendo. É muito algo difícil de negar.

- Ainda mais quando os nazistas estão do outro lado. Quanto mais identificamos os inimigos como malvados, mais fácil é aceitar que maldades sejam praticadas com com eles.

- Mas e no caso do filme do Batman, aquele truque do desaparecimento da caneta do Coringa? O cara era um bandidinho qualquer, nada importante, irrelevante pra história. Não se sabe se ele era de fato malvado.

- Talvez a gente não precise de uma vítima malvada para justificar a violência, mas ajuda muito.

- Ou talvez a insanidade também faça parte da nossa natureza.

- Hm. Cara, quer assistir o Batman de novo?


- Só se for agora!

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*** - Esse é o tipo de frase que faz o pessoal do trabalho olhar pra mim com uma cara de 'WTF???'. Muito bom.

Créditos à Deh, que não é nenhum dos dois 'personagens' mas que contribuiu com ideias.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

The Asimov Chronicles - Parte 3


- Cara, você viu o vídeo sobre o cara simulando um cérebro humano usando computadores?

- Não... tava com preguiça.

- Então... ele simula um neurônio em cada processador, diz que entendeu como funcionam os diversos tipos de neurônio e as ligações entre eles. E acredita que criando um modelo disso usando um supercomputador, vai conseguir simular um cérebro, com consciência e tudo, em menos de dez anos!

- Caramba. Legal. Você viu a Maitê cuspindo na fonte?

- Vi sim. Foi uma ótima desculpa pros portugueses soltarem os preconceitos deles. Ah, mas então, imagina, como seria quando esse cérebro artificial acordasse?

- Será que ele ia falar algo como... 'bom dia?' ou... 'leve-me ao seu líder?'.

- Hahaha, não. Provavelmente ele não diria nada, já que não saberia falar. Levaria muito tempo até poder aprender a entender uma linguagem.

- Tem razão. É como uma criança, né? Uma criança na máquina. A não ser que dessem a ele um conhecimento prévio de uma linguagem. Mas aí estariam roubando, não?

- É, também acho que estariam. E sabe uma coisa que me faz pensar? Se esse cérebro artificial for modelado a partir de um cérebro humano, então, mesmo que seja feito de forma a ter mais neurônios, mais sinapses, ele ainda assim vai estar propenso a erro. Aí... imagina que o tal computador acerte um montão de previsões e consiga responder a qualquer tipo de pergunta baseado em premissas e lógica. Aí você dá uns pressupostos pra ele de coisas que conhecemos e faz uma pergunta muito importante... tipo...

- ...tipo 'Deus existe?'.

- Eu estava pensando em algo como 'É possível criar um modelo socio-econômico em que a felicidade humana seja maximizada e qual seria esse modelo?', mas a sua serve. Aí, bom, imagina se o fato do tal cérebro artificial estar sujeito a erro se manifeste bem na hora de responder essa questão, a mais importante de todas! Imagina se ele dá uma resposta mais ou menos coerente, mas que tenha um componente de absurdo... algo como: 'Partam do Estado do bem-estar social como desejado pelo economista X da Silva, e obriguem todo mundo a usar chapéus de pirata amarelo nas quintas feiras.'. Ia ser uma grande confusão.

- Nossa. Mas e aí, o que fazemos? Não perguntamos?

- Não... perguntamos e ficamos na dúvida sobre ele ter respondido certo.

- Exatamente como estamos agora.

- É. Mas pelo menos vamos rir da resposta.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Homeopatia e outras dúvidas



Saiu na semana passada a condenação dos pais que perderam a filha ao tratá-la somente com Homeopatia. O assunto voltou à blogosfera e se espalhou rapidamente. Dez anos de cadeia.

Gostei particularmente da coluna do Contardo Calligaris, que saiu na Folha de SP, mas que acabei lendo em um comentário no blog do Henrique:

Se me coloco no lugar dos pais de Gloria, não consigo imaginar uma crença, por mais que ela possa ser crucial para mim, que resista à visão do corpinho de minha filha transformado numa ferida aberta e purulenta.

(...)

Se fosse testemunha de Jeová, e minha filha precisasse de uma transfusão (que a religião proíbe), abriria imediatamente uma exceção. Mesma coisa se fosse cientologista, e minha filha precisasse de ajuda psiquiátrica. Sou volúvel e irracional? O fato é que tenho poucas crenças (provavelmente, nenhuma absoluta), e acontece que, para mim, a razão é uma prática concreta, específica: um jeito de pesar e decidir em cada momento da vida.

Uma coisa a se notar é que pessoas como o Contardo (e eu, e muitas outras) nunca se associariam a grupos que exigem comportamentos irracionais como esses. Mas o problema, afinal, é que as pessoas se prendem fielmente a crenças indiscutíveis. Não estou falando sobre não ter certezas; estou falando de estar sempre reavaliando as certezas usando a razão e a realidade.

De que te vale a convicção de que Homeopatia funciona, diante da filha morta?

De que te vale a convicção de que Homeopatia não funciona, diante de um quadro que talvez pudesse ser melhorado pelo uso dela?

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Não acredito, assim como o Schwartsman, que Homeopatia funcione mais do que bolinhas de açúcar. Mas, diante do que está sendo discutido, a minha opinião não importa.

Mesmo assim, um código de ética mais restrito deveria ser discutido entre os homeopatas. Deve haver recomendações explícitas sobre procurar um médico 'alopata' (esse termo é ridículo) caso o tratamento não esteja funcionando, como bem apontou o Kentaro Mori. Esse tipo de proposta passou longe da discussão sobre o caso, e a Homeopatia saiu ilesa.

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O Henrique vê uma 'ditadura do relativismo' no texto do Calligaris. Eu não vejo. Eu vejo uma pessoa racional fazendo qualquer coisa (sem, é claro, ferir outras pessoas) para salvar um filho. É o que eu faria.

O que eu vejo, do meu lado, é uma 'ditadura da convicção'. Vejo a volta da velha conversa de que a falta de religião leva o mundo para o buraco, gente importante falando isso. Vejo muita gente comprando a historinha pra boi dormir do 'Eixo do Mal', como se os interesses de todas aquelas pessoas fossem mesmo 'fazer o mal'. Vejo empresas valorizando candidatos e funcionários que tem 'certeza' sobre o que vão estar fazendo daqui a cinco, dez anos (me perdoem, mas eu não sei, e me sinto completamente tranquilo com relação a isso. O fato de eu me adaptar e traçar objetivos viáveis de prazo curto não me faz um mau profissional, tenho certeza.). Ouço conversinhas sobre 'O Segredo', a 'certeza' materializando os desejos mais viajados. E tem gente que acredita. Gente instruída.

Mudar de ideia não é algo intrinsecamente errado. Mudar de ideia pode significar que você avaliou outro lado da questão e acreditou que havia mais realidade daquele lado. Acho isso bonito - você, de fato, aprendeu algo. Quem merece mais respeito: quem muda de ideia diante de argumentos plausíveis ou quem mantém sua opinião não importa o que aconteça em contrário? (Até comprei um livro sobre isso. Grandes nomes que mudaram de opinião sobre um ou outro assunto. Tem até o Dawkins.)

Convicções não ensinam nada. Convicções se auto-protegem, são fechadas em si mesmas, e não dão margem a diálogo. E como já disse Goethe:

Só sabemos com exatidão quando sabemos pouco; à medida que vamos adquirindo conhecimentos, instala-se a dúvida.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Mais um diálogo (des)pretensioso...

...agora sobre jornalismo.

(Estou cultivando algumas ideias, mas só vou parar pra escrever quando eu terminar de ler A Cabana. Até lá, se alguém tiver lido e quiser deixar algum comentário, fique à vontade - é sobre ele que vai ser o post.)

- Os jornais online estão uma droga. Você vai em um, lê uma notícia. Vai no outro, lê a notícia, é o mesmo texto! É só CTRL+C CTRL+V.

- É, o caminho é esse mesmo. Tem umas três grandes agências de notícias que cobrem o mundo inteiro e os jornais só dão uma regurgitada pra parecer conteúdo autêntico. Engraçado pensar que as notícias do mundo inteiro ficam na mão de meia dúzia de empresas.

- Tem hora que até dá pra notar que a notícia foi copiada: 'imagem divulgação' no meio do texto.

- Hahahaha. Acho que o futuro é as colunas de opinião. Sei lá, os Mainardis da vida. Eu não concordo com praticamente nada do que ele fala, mas pelo menos ele tem uma opinião.

- Mas de que adianta a opinião dele se você não concorda com nada?

- Bom, pelo menos eu tenho alguém a quem criticar. E ele é um cara que tem argumentos - tosquíssimos e tendenciosos, mas tem. E a partir das opiniões dele a gente pode tecer outros argumentos.

- Você então vê o Mainardi como uma espécie de referência contrária?

- Hm, mais ou menos isso. Ou um João-Bobo aristotélico em quem você bate por esporte.

domingo, 11 de outubro de 2009

Não se fazem mais nostálgicos como antigamente

Eu cancelei esse post algumas vezes porque ele tinha se tornado um pseudo-ensaio socioantropológico sobre moralidade e, claramente, além de eu não ter cacife pra isso, não cai bem algo assim aqui no blog. Aliás, não cai bem em nenhum blog. Aliás, não cai bem em lugar nenhum.

Mas o que eu quero dizer, afinal, é bem simples: essa conversa de 'a juventude está perdida', 'o mundo está indo pro buraco' e coisas do tipo já está na moda pelo menos há uns 3 mil anos. Um exemplo claro é o 'esse negócio deixa tudo muito fácil, na minha época era muito melhor' que se ouve toda vez que aparece uma nova parafernalha tecnológica (computadores, e-book readers, músicas em formato digital). Eu incluso, em alguns momentos.

Bom, Sócrates (o filósofo, não o jogador) acreditava que a escrita era uma invenção que iria deixar as pessoas menos inteligentes. Memorizar dava muito mais trabalho, fazia pensar, etc e tal. Hoje mesmo entre os mais nostálgicos a palavra escrita é uma unanimidade. Claro, isso não quer dizer que a tecnologia em si seja boa. A tecnologia é só uma ferramenta; o uso dela sempre depende e vai depender das pessoas, do que elas querem, do que elas desejam.

Além disso, é uma besteira sem tamanho acreditar que a moralidade está num declínio constante desde os áureos tempos. Qualquer livrinho meia boca sobre história de comportamento mostra que nossos padrões obedecem a uma montanha russa entre virtude e vício, uma geração permissiva seguindo uma geração coercitiva. Isso mesmo em sociedades que acreditam em 'padrões objetivos de comportamento'.

Lembro da minha avó contando histórias sobre amigas que se casaram com doze, quinze anos, com homens de vinte, trinta anos. Hoje em dia, isso tem um outro nome, bem feio por sinal. 'Isso é culpa da televisão, essas novelas cheias de sexo... na minha época não existia.' Ahhh, é mesmo? Na 'sua época' houve um golpe militar, atentados terroristas e assassinatos institucionalizados pelo Estado - tudo aqui no Brasil. Mas as coisas eram melhores porque as crianças rezavam nas escolas, né? E sabe o que é pior? Foi a sua geração que criou a minha. Devem ter feito um péssimo trabalho.

O mundo sempre foi uma bagunça e, provavelmente, sempre vai ser uma bagunça. A vantagem é que atualmente, em boa parte do mundo, você pelo menos não depende da sua própria força física para garantir a sua segurança. Ah, e escolhe você mesmo com quem vai casar. E você pode falar quase tudo o que quiser sem se preocupar em irritar algum poderoso e ser preso e/ou assassinado. Agora, se tem gente que não acha que essas coisas sejam avanços, então nem temos o que discutir.

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Se alguém se interessar pelo assunto, sugiro um livro de leitura bem tranquila (fora as ocasionais descrições de aparelhos de tortura medievais criadas pelos hoje auto-intitulados 'detentores do Bem') sobre a história da maldade e do comportamento em geral: A assustadora história da maldade. Recomendo.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Os livros e o Livro


Poucas vezes paro um livro na metade - principalmente quando a leitura é boa. Mas nesses dias não estou em um ritmo bom o suficiente para ler o 'Reparação', então vou deixar ele quietinho até estar com o estado mental certo para a leitura.

No lugar dele, peguei 'A invenção de Morel', do Bioy Casares - autor de quem sempre ouvi falar mas que ainda não havia conhecido. O prefácio do livro foi escrito pelo Borges, e termina com a seguinte frase:

Discuti com o autor os pormenores da trama e a reli; não me parece uma imprecisão ou uma hipérbole qualificá-la de perfeita.

A afirmação é forte. É difícil definir a perfeição e mais difícil ainda atribuir a uma história o status de perfeita. Mas entendo que Borges estava querendo dizer que, dentro da própria história, dentro do que ela se propõe, ela alcança o que se pode chamar de perfeição.

Isso me levou a lembrar de outra coisa. Na bienal de alguns anos atrás, compramos uma coletânea de contos com temática borgiana: 'Contos fantásticos no labirinto de Borges'. O livro se compõe de várias histórias que de alguma forma se relacionam com o ideário explorado por ele, Borges. De Kafka a Chesterton, de Poe a H.G. Wells. Deveras interessante.

É logo o primeiro conto da coletânea o que me passou pela cabeça: 'A livraria', escrito por Nelson Bond, um autor norte-americano relativamente pouco conhecido. A história fala de uma livraria que contém os livros que não foram escritos, com as histórias que foram imaginadas pelos autores levadas à perfeição. Milton, Austen, Shakespeare, estão todos lá, com histórias não publicadas, escritas de maneira irrepreensível. Mas os livros não podem nunca sair da livraria - o que, compreensivelmente, não é uma recomendação aceita pelo visitante.

Acredito que era à ideia desses livros que Borges se referia quando chamou o livro de Casares de perfeito: ele, Casares, explorou tudo o que poderia ser explorado dentro daquele mundo.

Um livro realmente Perfeito (e aqui levo a ideia ao extremo) substituiria qualquer outro e teria todos os outros livros dentro de si - uma espécie de "Biblioteca de Babel" de histórias que agradam a todos em qualquer circunstância. Com esse livro perfeito, não precisaria de nenhum outro. É algo impossível de ser imaginado... eu mal consigo conceber uma história que seja agradável a todos os meus 'eus' (o meu eu de dez anos atrás, o meu eu de 15 anos atrás, o meu eu de hoje) e isso seria não seria nem o começo do problema. Teria que ser versátil o suficiente para agradar a leitores de James Joyce e José Sarney (aarrrgh). Isso deve ser realmente difícil.


De qualquer forma, eu gosto das imperfeições. Se houvesse o tal Livro dos livros, o Livro Perfeito, o Livro que contém e substitui a todos os outros... eu relutaria em colocar as mãos nele, apesar de toda a curiosidade. Prefiro me surpreender com as histórias dos falíveis e imperfeitos, os pequenos instantes de perfeição me fazendo sentir o gosto do inimaginável nas letras do mundano.

A vida é uma coisa linda, não?


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Hoje saiu o nobel de literatura, para uma escritora alemã de quem eu nunca tinha ouvido falar. Não chega a ser uma novidade: dessa lista conheço só uns 10. Vergonha.

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Ontem me disseram que eu tenho sérios problemas com o infinito. Talvez eu tenha mesmo e, nesse caso, boa parte da culpa é dele, Borges. Mas pelo menos são problemas que me agradam, e muito. Ninguém que leia e entenda a Biblioteca de Babel (que, por sinal, possivelmente não é infinita) consegue pensar em 'infinito' sem se sentir pelo menos um pouco assombrado.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Meu top 5

Fiquei pensativo quando vi esse vídeo aqui. A pergunta é simples:

Se você pudesse escolher cinco pessoas (vivas ou mortas, reais ou imaginárias), pra conversar por três horas, quem seriam essas pessoas?

A conversa ficaria gravada na sua memória, mas não na das pessoas com quem você conversou. Ou seja, você não pode conversar com o Hitler e convencê-lo a não matar nenhum judeu. Outro ponto: linguagem não é uma barreira... a pessoa vai entender o que você diz e você vai entender o que a pessoa diz.

Enfim... minha lista. Ordem de importância invertida.

5. Chaplin (faltou na lista da semana passada)
O cara era inteligentíssimo, super bem humorado (isso nem precisava dizer), e tinha ótimos insights sobre o mundo e a vida. Definitivamente valeria meu tempo.

4. Einstein
Pra ganhar uma aula pra quem não entende muito de física de quem entende tudo de física. Além disso, Einstein sabia muito bem diferenciar o que realmente importava de tudo o que lhe chegava... se eu pudesse aprender isso, nem que fosse só um pouco, valeria muito a pena.

3. Churchill (mais um que faltou na lista)
Um mestre dos discursos. Sabia o que queria, sabia o que precisava fazer pra conseguir o que queria. Eu poderia passar dias conversando com ele sobre a guerra, a vida e a morte. O cara era bom.

2. Tomás, apóstolo de Jesus
Nem vou tentar esconder: a ideia foi roubada do vídeo original, mas me pareceu tão perfeita que não pude deixar de copiar. Todos já sabemos o que esperar de Jesus... agora, conversar com um seguidor dele, uma testemunha ocular e ainda com fama de cético... não é todo dia.

1. Meu pai. Muita coisa mudou desde que ele se foi.

Ficam de fora por pouco: Epicuro e/ou Aristóteles, Wittgenstein, Bill Gates.

domingo, 4 de outubro de 2009

Cinquenta pessoas, uma pergunta



E a outra pergunta que fica é: quanto tempo até a minha fase brega passar?

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Por que me sinto um idiota

Não merecemos. Somos corruptos. Não só os políticos, somos mesmo corruptos, todos. Louvamos os malandros. Sonegamos impostos, subornamos guardas, damos um jeitinho. Nossa maior marca registrada é a improvisação. A gambiarra. A falta de planejamento. Votamos mal. Elegemos ladrões, elegemos inaptos. Aceitamos o absurdo sem protestar. Lemos pouco. Sabemos pouco. Ouvimos música vagabunda e sexista. Consumimos porcaria estrangeira sem pestanejar. Jogamos lixo na rua. Somos sujos.

Seremos roubados. O dinheiro será desviado e obras ficarão paradas depois da festa. Vai haver confusão, choro e ranger de dentes. Vai haver BOPE subindo o morro alguns meses antes das competições: 'Põe na conta do Phelps' (que, eu sei, nem vai estar mais nadando). Vai haver twittadas adolescentes, colunas do Diego Mainardi e manchetes de primeira página na Folha de São Paulo.

Somos uma vergonha. Uma vergonha.

Apesar disso tudo, estou extremamente feliz. Não porque somos nem a melhor nem a pior nação do planeta, mas sim por sermos reconhecidos como somos. Estou feliz por podermos olhar para o espelho e dizer 'Olha que legal, estão felizes por nós.'. Confiam em nós. Sabem que vamos conseguir fazer as coisas funcionarem, mesmo que não saibam o quanto será confuso e pouco otimizado. Confiam em nós mais do que nós mesmos. Vão vir, serão bem recebidos, e eu vou chorar na cerimônia de abertura.

Passamos bem pela crise. Teremos o pré-sal. Vai fazer muita, muita diferença. Temos um bom povo. Temos um país bonito. Temos um presidente que, apesar de não ser propriamente 'o cara', foi chamado de 'o cara' pelo líder da maior nação do planeta. Somos imperfeitos, mas com perspectivas. Temos perspectivas palpáveis. Quando realmente queremos, as coisas saem. Sabemos disso.

Vai funcionar. Tenho certeza. Vai haver problemas, não nego, mas vai dar certo. Nenhum político em sã consciência permitiria que a festa fosse estragada. Não fica bem pras próximas eleições, seria muito pior do que escândalo de corrupção.

Todos vão estar olhando pra gente. Vamos nos sentir um pouco mais parte do mundo. Vamos ter uma chance de aprender que antes de sermos brasileiros, somos humanos.

E, por me sentir assim, me sinto um idiota inocente. Mas não vou fingir uma revolta que não tenho. Hoje, dia dois de outubro de dois mil e nove, sou feliz por ser brasileiro.

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Editei e coloquei umas linhas mais piegas ainda. Devo estar tomado por algum pleiedeano.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Involução - Ufologia



Estava com um pouco de saudade da minha série sobre involução. Hoje estava vagando pela internet, procurando uma foto boa das Plêiades (as mocinhas ali em cima) citadas pela Suzana e achei esse site:

Via Luz.

O site é bem bonito. Tem umas cores bem claras, uma estrela de Davi (ou seria um pentagrama?) e é todo cheio de mensagens positivas. Por exemplo, eu encontrei aqui uma mensagem do pessoal que mora lááá nas Plêiades:

"Na qualidade de Mensageiros do Amanhecer, estamos contatando-os para estabelecer uma conexão com o sistema das Plêiades que, nesta etapa da história da Humanidade, tem uma colaboração importante a realizar, uma vez que, desde a antiga e remota existência terrena, temos uma conexão com os seres e a vida planetária da Terra."

Mensageiros do amanhecer? Um amanhecer perto do centro das Plêiades deve ser bem maluco, já que são mais de mil estrelas em um espaço astronomicamente pequeno. Dependendo de onde for o planeta deles, os pleiedeanos podem ter uns bons 20 amanheceres. Deve ser uma confusão todos aqueles sóis, cada um aparecendo de um lado a cada hora do dia.

Hmmm... mas vamos ver o que os pleiedeanos têm a nos dizer.

"Ainda neste milênio, as transformações previstas farão da Terra um modelo de fraternidade e plena convivência harmônica com muitos sistemas estelares, sendo um modelo ímpar no Universo. Será uma convivência tão rica e dinâmica com civilizações diversas, de diferentes formas físicas, organizacionais, de valores, de pensamentos. E todos os sistemas estelares serão beneficiados. Uma vez experienciados, todos os resultados terão reflexos em outros sistemas. E as ações e reações decorrentes dessa interação resultarão em mais e mais trocas, intercâmbios cada vez mais abertos, sem barreiras. A Terra se constituirá num núcleo responsável pela unificação, no sentido de intercâmbio e cooperação. Para tanto, é de suma importância o trabalho pela paz. Hoje, todo o alicerce está embasado na conquista do entendimento pela paz. Embora esse lema ainda seja uma bandeira de uma minoria, ela crescerá a frutificará a cada dia. É um caminho sem volta."

Pelo visto, os pleiedeanos nos tem em alta conta. Mas eu esperava que eles fossem nos dar alguma coisa que fosse útil. Nãão, eles só repetem as coisas que os nova-erianos terrestres já dizem há tempo, a história de paz, convivência. A gente já sabe disso, pleiedeanos. A gente quer sim viver em paz, mas até agora não tem dado muito certo, e precisamos aprender _como_ fazer isso. Vocês podem nos ajudar?

Mas só tem um problema, aqui tem muita mentira, muita ilusão, sabe? Muita gente acredita em coisa que não faz o menor sentido. Eu sei que vocês são vocês de verdade, mas agora eu tenho que convencer o resto do mundo. Vocês entendem, né? Seria bom se vocês pudessem mandar um sinal qualquer, nos contar algo que não sabemos, algo que nenhum humano nem imagine mas que seja uma verdade bem firme e fácil de verificar. De preferência, algo que não sirva pra fazer armas. Nós gostamos de armas. Gostamos de usar armas uns contra os outros. Vocês perderam essa parte, não foi? Pela mensagem, parece que estão falando de outros seres que não são humanos. Golfinhos, talvez?

Bom, eu sei um jeito bem fácil de vocês darem uma prova. Nós mandamos pra vocês o maior número primo que conhecemos (que tem uns 10 milhões de dígitos) e vocês nos devolvem os próximos, bem rápido (coisa que levaríamos anos e anos pra calcular). Ou, se vocês já conhecem o maior nosso, é só mandar os dois ou três próximos. Agora. É uma coisa super simples, pra seres tão evoluídos, e, além de não nos servir de muita coisa, vai provar sem sombra de dúvida que vocês são uma civilização beeem avançada. Nem precisam fazer as estrelas piscarem em sintonia.

Aí, depois disso, ouvimos o resto da conversa. Aí prestamos atenção nessas repetições vagas sobre paz, coexistência e valores comunitários. Aí desistimos de tentar resolver nossos próprios problemas do nosso jeito e perguntamos pra vocês, que já têm experiência, que já passaram por tudo isso. Muito mais fácil, muito mais simples.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Liberdade de expressão, ou não

Sou quase sempre (ou sempre?) a favor de deixar as pessoas falarem besteira livremente quando tiverem vontade, mesmo que mintam, caluniem, ofendam. Mesmo que falem de mim.

No Brasil essa posição é praticamente inadvogável - não conheço ninguém que concorde comigo quanto a isso. Quando as pessoas começam a pensar nas implicações, imediatamente vêm à mente os exemplos tradicionais de racismo e apologia às drogas. Pois bem, eu acho que as pessoas devam ser presas por suas ações, não por suas palavras.

Nas palavras de Voltaire: 'Eu desaprovo o que você está dizendo, mas vou defender até a morte o seu direito de dizê-lo.'

Sei que isso é muito, muito controverso. Parece que estou defendendo a prática do racismo, por exemplo, quando na verdade me coloco totalmente oposto a ela. Não quero que as pessoas sejam racistas; só acredito que o melhor jeito de acabar com o racismo é discutindo ele publicamente, mostrando o quanto os racistas estão furados, errados, o quanto são totalmente ignorantes por manter uma posição absolutamente contrária à realidade.

É claro que quando as coisas partem para uma situação de violência corporal ou discriminação ativa as coisas mudam de figura. E é claro que o limite entre uma coisa e outra é bem complexo, mas essa questão é outra. O que queria dizer com tudo isso é que acho um absurdo que em uma democracia ocidental como o Brasil um juiz tenha o poder de derrubar um site usado por milhares de pessoas porque nele havia um vídeo de uma mulher que fez o que não devia em público. Eu acho um absurdo as repetidas ameaças de processo que os jornais sofrem quando noticiam um ou outro ato reprovável praticado por políticos. Eu acho uma vergonha o Roberto Carlos proibir uma biografia porque falava coisas que ele não queria ouvir.

O Austin Dacey, naquela entrevista citada no outro post, fez um comentário memorável: 'Se você vive em uma sociedade que se diz livre e não se sente ofendido pelo menos duas vezes por dia, então tem algo errado.' Liberdade de expressão só faz sentido quando as opiniões são divergentes.

Isso posto, hoje li sobre o dono de um bar que está processando um crítico por ter seu estabelecimento rotulado como o pior bar do sistema solar. Como o projeto SETI já está por aí procurando vida extraterrestre há tempos e até agora nada, é bem plausível inferir que não exista vida em outro lugar de nossa galáxia, o que faria do boteco o pior da Via Láctea. Como eu não conheço o bar, não vou afirmar nada disso. Me basta saber que seu dono é um cara bem mal versado nos assuntos de internet.

PS: Se eu for caluniado por esse post, me resguardo o direito de processar o caluniador. No Brasil incoerência não é crime.

PS2: Convenientemente, hoje, dia 30 de setembro, é o dia da internacional da blasfêmia. Como eu não gosto de ofender ninguém, vou só postar um linkzinho pra uma tirinha que considero deveras simpática: essa aqui.

domingo, 27 de setembro de 2009

Eta Carinae


O sistema de estrelas acima é Eta Carinae, uma das coisas mais bonitas de se olhar no céu noturno. A foto foi tirada pelo Hubble, em setembro de 1995, e está na lista de suas imagens mais impressionantes.

Mas Eta Carinae, além de ser bonita, tem outras particularidades interessantes. Sua massa total estimada é a de mais ou menos 100 de nossos sóis, e sua luminosidade é quatro milhões de vezes mais intensa.

É, isso mesmo. Imagine que o Sol seja uma lâmpada. Eta Carinae são 4 milhões dessas lâmpadas solares em uma só.

Essas propriedades fazem dela uma estrela supermassiva, uma vela que queima rápida e intensamente na escuridão do Universo. Depois de consumir boa parte de seu combustível, supermassivas explodem se transformando em supernovas e então colapsam se transformando em Buracos Negros ou Anãs Brancas, dependendo da massa da estrela inicial. Eta Carinae irá se transformar em um Buraco Negro.

Supernovas são belíssimas - mas infelizmente, muito destrutivas. Durante o pequeno período de algumas semanas que dura a explosão, elas liberam mais energia do que o nosso Sol durante toda a sua vida. Qualquer planeta em um raio de mais ou menos 1.000 anos-luz é totalmente destruído por massa estelar expelida e radiação.

Eta Carinae está a aproximadamente 7.500 anos-luz da Terra mas mesmo assim alguns efeitos serão sentidos.

Alguns cientistas afirmam que, quando a explosão ocorrer, Eta Carinae será visível durante o dia e durante a noite será tão brilhante que até que poderemos ler um livro sob sua luz. Também é factível que a camada de ozônio terrestre seja consumida pela radiação vinda da supernova. Isso significa, no mínimo, que nós (ou nossos descendentes) teríamos que usar protetor solar todos os dias, o dia todo. Muitas formas de vida como conhecemos pereceriam sem a proteção da luz ultravioleta oferecida pelo ozônio.

Mas o mais interessante é que astronomicamente falando Eta Carinae já está no fim de sua vida - ou seja, isso tudo irá acontecer em breve (talvez até para parâmetros humanos). Estima-se que a explosão ocorra em um período que varia de 'hoje' a 'daqui a um milhão de anos' - alguns cientistas apontando uma margem de cem anos a partir de nossos dias como provável. Pode ser que a explosão já tenha ocorrido; como a luz demora 7.500 anos para chegar até onde estamos, temos um delay de 7.500 anos depois dela morrer até percebermos a mudança.

(Um parêntese: estranho pensar que olhando pro céu, estamos observando fotos antigas das estrelas. Dá até pra antropomorfizar uma estrela que, conversando com outra, fale: 'Você pode me achar velha, mas olhando lá da Terra eu sou novinha, novinha.')

Fiquei pensando nisso hoje e... olha, até agora essa foi a única previsão apocalíptica que me deixou um pouco receoso. E empolgado ao mesmo tempo.

Credibilidade é tudo.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Exemplos

[psicologia barata]É difícil a gente não se identificar com alguém. Em qualquer campo que nos interesse, acabamos encontrando um ícone com quem concordamos, alguém que diz exatamente as coisas que estávamos pensando e que não conseguíamos expressar - ou então alguém que tem ideias tão boas que ficamos com aquele pensamento de 'caramba, como é que não pensei nisso antes?'.[/psicologia barata]

E eu também tenho os meus exemplos (como fica óbvio pelo começo esquisito do post). Fora várias pessoas próximas, fui e sou admirador de (sem absolutamente nenhuma ordem) Newton, Demócrito, Borges, Buda, Turing, Kubrick, Einstein, Sagan, Jesus, Feynman, Machado de Assis, Popper, Russell, Lattes. Muitas dessas pessoas não são consideradas as 'maiores' em seu campo de atuação... mas, mesmo assim, me chamam a atenção por uma qualidade ou outra, um pensamento ou outro, uma determinação diferente. Entre outros, muitíssimos outros, de quem eu vou lembrar depois e pensar: 'caramba, como é que coloquei o Machado e não coloquei esse cara???'.

(Acabei de notar: nenhum político, nenhum esportista. Todos cientistas, ou religiosos, ou filósofos, ou artistas. Só dois brasileiros. Isso deve dizer alguma coisa sobre a nossa falta de heróis, ou então sobre os meus padrões distorcidos.)

Exemplos novos podem ser encontrados a todo momento, com um pouco de pesquisa. Eu tenho perdido muito tempo em um lado pseudamente culto do Youtube, e, nele, descobri mais dois bons representantes para a minha lista.

Primeiro, Neil deGrasse Tyson, um astrônomo muito engraçado, muito simpático e muito inteligente. É praticamente um Carl Sagan um pouco menos cientista e um pouco mais popstar. Nesse vídeo logo abaixo ele fala das profecias sobre o fim do mundo em 2012:


O meu outro novo herói é Austin Dacey, um filósofo que não tem nem página na Wikipedia, mas que escreveu um livro muito interessante sobre os problemas do excesso de relativismo entre os 'liberais seculares' (não sei bem como traduzir o 'liberais' como é entendido nos EUA para o português) que provavelmente agradaria até ao Henrique. Aqui tem uma entrevista dele, em áudio, para o Free Inquiry, que obviamente ninguém vai ter a paciência de ouvir:

'So, I say far too many secular liberals today are afraid to talk about religion, or to use the language of Virtue and Vice, Good and Evil, Sin and Redemption, and so we have abandoned the field of morality to the religious. The heart and soul of the very idea of the secular open society, I say, is conscience, and that is what we've lost.'

(Minha tradução: 'Eu digo que muitos liberais seculares de hoje em dia têm medo de falar de religião, ou de usar a linguagem da Virtude e Vício, Bem e Mal, Pecado e Redenção e, dessa forma, nós abandonamos o campo da moralidade para os religiosos. O coração e a alma da ideia de uma sociedade secular aberta, eu digo, é a consciência, e foi isso que perdemos.')

Prometo novos comentários assim que o livro chegar. Promete.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Spam


Sempre reclamei dos e-mails correntes que as pessoas me mandavam. Arrumei briga por responder alguns - em especial aquele do carro com a caixa de ovos no porta malas. (Não conhecem? É mais ou menos assim: a garota vai sair de carro com amigos, a mãe fala 'Vai com Deus'. Aí a garota ri e diz que 'só se ele for no porta-malas, que os bancos já estão lotados'. Segundo a história, o carro capota, e todo mundo morre. Sobra no porta-malas uma caixinha cheia de ovos, e todos eles estão intactos).

Meu procedimento era simples e repetitivo: respondia o e-mail sem escrever nada, só apontando um link que explicava a inconsistência da corrente. Não, a Microsoft não vai te dar nada por repassar o e-mail. Não, Marte não vai aparecer no céu com o mesmo tamanho que a Lua. Não, Carl Sagan não virou ufólogo no fim da vida, nem morreu se convertendo. Não, a Amazônia não é considerada território internacional em textbooks americanos.

Os e-mails foram diminuindo, diminuindo, e hoje ninguém me manda mais nenhuma porcaria a não ser que eu peça. A Deh me enviou semana passada um ótimo sobre o Brasil precisar aprender lições da Suíça: acreditar em seu potencial, evoluir eticamente e economicamente e ler powerpoints. As mudanças teriam de ser feitas nos 'átomos da sociedade' - os clubes, bairros e etc. E a ética, a moralidade, a 'prevalência do espírito sobre a matéria', tudo isso são preceitos confirmados pela Física Quântica.

Sério. Estava lá no slide. Parece piada, mas eu não estou inventando nada, juro. Foi o powerpoint quem disse. Se alguém quiser se aventurar a ler, tem uma cópia aqui. Um colega de fórum disse algo pertinente sobre o assunto: 'Antes de podermos falar que está errado, precisam arrumar muita coisa.'

Isso ia me servir como pretexto para um post sobre dar verificabilidade ao que se afirma. 'Cite suas fontes', em outras palavras. Mas acho que essa ideia combina mais com umas reflexões sobre espírito crítico que estou cultivando já há algum tempo. Então a verificabilidade vai ter que esperar e, enquanto isso, eu vou passar meu tempo procurando informações sobre astrologia, fadas e duendes. Até mais.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A lógica e o manifesto Unabomber



Theodore Kaczynski era uma pessoa meio estranha. Ele acreditava em coisas estranhas. Muita gente já ouviu falar dele pelo apelido, Unabomber, mas pouca gente já parou pra ler o que ele escreveu, o que ele queria. Não que ninguém deva perder tempo com isso, mas é no mínimo um exercício interessante.

Acabei caindo na página do manifesto algum tempo depois de ter assistido ao Clube da Luta. Tyler Durden, o alter ego machoso do Narrador da história do Clube, tem ideias e métodos parecidíssimos com os de Kaczynski. O manifesto é longo, bem elaborado, bem explicado, acessível. Se a minha memória e as minhas consultas por resumos no Google não me falham, ele se baseia no seguinte (vejam bem, estou só listando, não afirmando que concorde com qualquer coisa):

1. A sociedade pós industrial que conhecemos está em franca decadência. As pessoas, apesar de viverem mais tempo, estão muito menos felizes do que eram quando tinham vidas simples, trabalhavam na terra e dependiam menos de outras pessoas para conseguir o que precisavam.

2. A maior razão para a felicidade das pessoas diminuir é que sua liberdade diminui em decorrência da vida moderna. A revolução industrial trouxe mais regras, mais dependência externa e mais limitações. Até utensílios que aparentam aumentar a liberdade das pessoas, como carros, por exemplo, são na verdade limitadores e criam mais regras a serem obedecidas. Você perde a liberdade de andar à toa na rua sem se preocupar se vão te atropelar ou não, coisa que era absolutamente possível antes da revolução industrial.

3. A democracia é uma ilusão de participação. Mesmo que, por exemplo, Obama represente a maioria da população americana, ele toma decisões que afetam pessoas que não poderiam votar a favor ou contra ele - por exemplo, mexicanos e brasileiros.

4. A maior mostra da decadência moral moderna é o fenômeno conhecido como esquerdismo. Kaczynski passa vários e vários parágrafos definindo o que é de fato ser esquerdista, e chega à conclusão de que alguém de esquerda, na verdade, é um frustrado cheio de sentimentos de inferioridade.

And on, and on.

A conclusão a que ele chega é que a única forma de corrigir a situação é abrirmos mão totalmente da ciência e da tecnologia e voltarmos a viver como vivíamos antes da Revolução Industrial. Ele acredita que podemos chegar nesse ponto pela revolução, derrubando os governos, e, como não podia deixar de ser, matando pessoas no processo. Seria um mal necessário.

Desde o momento em que comecei a ler o manifesto já não concordava com o que Kaczynski afirmava. Mas o que de fato me impressionou, e me impressiona até hoje, é como lendo seu texto eu ficava apenas com a impressão de que ele estava, de alguma maneira, profundamente errado - e eu, perdido naquelas linhas agressivas e estranhamente bem construídas, não conseguia ver onde estavam todos aqueles erros. Pra mim era óbvio que o Unabomber tinha errado em algum ponto ou em vários pontos; mesmo que eu não conseguisse descobrir exatamente onde, as conclusões a que ele chegava eram flagrantes absurdos.

Isso me serviu como um aviso: não é porque a pessoa parece falar de forma logicamente bem construída que seu raciocínio está correto. É preciso muito, muito cuidado, particularmente quando as conclusões levam à discriminação, a desentendimento, a preconceito (mais ainda quando envolvem bombas). Já vi pessoas inteligentes soltarem frases racistas porque lhes parecia naquele momento que o racismo era uma conclusão logicamente correta; é óbvio que não era, já que qualquer tipo de racismo implica em desprezar um sem-número de fatores e explicar todas as diferenças observadas usando apenas um - fator esse que, por sinal, não faz diferença alguma.

O tempo passou, e agora relendo o texto noto vários pontos em que Kaczynski assumiu premissas que eu não aceitaria, ou tirou conclusões precipitadas baseado em informações que lhe interessavam, desprezando as contrárias às suas afirmações. De qualquer forma a lição ficou e, toda vez que leio alguma coisa categórica demais, de Olavo de Carvalho a Oscar Niemeyer, fico com os dois pés atrás. E ficar com os dois pés atrás, pelo menos nesses casos, não é nem um pouco ruim.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Cabo Anselmo, Conrad e Jô Soares

Os acontecimentos do golpe militar, ditadura e guerrilha ficaram, do meu ponto de vista, em uma posição estranha no cenário histórico brasileiro. Enquanto a história acontecia, eu não tinha opinião nenhuma; minha maior atividade política foi querer dar nome de Gorbachev para meu sobrinho que ia nascer (e que acabou vindo sobrinha, e, felizmente, não se chama Gorbacheva). Antes que alguém aponte o dedo sobre minhas preferências políticas, posso me defender comentando também que eu achava que o careca simpático Gorbachev era o americano e o russo, aquele russo com cara de bravo, nem sabia quem era. E era o Bush-pai, eu acho.

Enfim, eu era um moleque. E agora assisto aos desenrolares dessa 'ferida aberta' me abstendo de opinar porque, caramba, as pessoas que viveram a história estão aí, governando o estado, governando o país, falando mal do governo do estado ou do país, querendo que seus mortos sejam procurados, puxando de um lado ou do outro. As pessoas estão aí, ou pelo menos muitas delas, e é entre elas que eu acho que as coisas tem que se resolver. Não há espaço para um moleque falar de Anistia, reclamar da 'Bolsa-ditadura', demandar que corpos sejam procurados. Mesmo que ele tenha opiniões sobre essas coisas, como eu de fato tenho, abro mão do meu direito de emitir qualquer julgamento.

Estou acostumado a ver a História como alguma coisa distante (por exemplo, Segunda Guerra) ou alguma coisa que está sendo escrita (Chávez e companhia). A ditadura ficou em um meio-termo em que não estou nem distante o suficiente para contar como observador externo, nem perto o suficiente para me identificar formalmente com um ou outro lado. Fico em cima do muro, sem medo de cair.

De fato, 1964 parece distante quando penso em Jango e próximo quando penso em Serra, FHC e Lula.

Pois bem, digo isso meio como desculpas pelo comentário que quero fazer, uma coisa boba que notei depois de assistir os trechos que publicaram na internet da entrevista do Cabo Anselmo ao Canal Livre.

Cabo Anselmo, sem dúvida, é uma pessoa extremamente polêmica. E ele parece gostar disso. Fiquei embasbacado com suas respostas claras e objetivas, mesmo quando se esquivava de acusações praticamente inesquiváveis. Ele sempre tinha uma resposta na ponta da língua. As coisas simplesmente aconteciam em torno dele, como se ele estivesse ali mas não tivesse a menor ideia do que estava acontecendo. 'Eu só li o discurso, nem sabia quem tinha escrito, pra mim era só uma luta por direitos dos marinheiros.'

Cabo Anselmo era eu querendo colocar nome de Gorbachev na minha sobrinha pouco antes da queda do muro de Berlim.

Fiquei com isso na cabeça, ruminei por alguns dias. Quando estava terminando a coletânea 'Um Anarquista', do Joseph Conrad, me toquei que o personagem principal do último conto tinha algumas semelhanças com o protagonista de 'O homem que matou Getúlio Vargas', do Jô Soares (claro, guardadas as devidas proporções). O personagem de Conrad não é de fato anarquista; o mundo simplesmente o leva a fazer as coisas (em seu próprio julgamento, erradas) que faz. O personagem de Jô Soares é um grande anarquista que tenta fazer as coisas e não consegue. E quando não quer, faz.

Nisso me lembrei novamente do Cabo Anselmo. Em suas palavras, ele nunca foi comunista. Em suas palavras, ele não queria a revolução. Em suas palavras, sua única traição foi para com a Pátria. Em suas palavras, ele atuou como agente duplo porque não havia alternativa, porque a alternativa era a morte. Em suas palavras, ele nunca participou diretamente na morte de um ou outro guerrilheiro. As coisas simplesmente o obrigaram a tomar os rumos que tomou.

Se formos levar Cabo Anselmo a sério, ele não foi responsável por nada de importante que aconteceu em sua vida política. Ele é o anarquista de Conrad.

Eu não tenho nada a ver com a história, mas, mesmo assim, não acredito.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Nocebo

Uma nota rápida.

Há bastante tempo eu havia ouvido falar das maravilhas causadas pelo efeito placebo.

Vivendo e aprendendo: acabei de descobrir hoje o efeito nocebo!

Aqui é citada uma pesquisa de 1992 que mostrou que mulheres informadas sobre seus problemas cardíacos tinham quatro vezes mais chance de realmente ter um infarto do que mulheres nas mesmas condições que não tinham conhecimento de seus problemas. Aparentemente é verdade aquela história que diz que, às vezes, é melhor nem saber.

A New Scientist cita um caso em que um homem diagnosticado com um tumor terminal no fígado morreu dentro da previsão dada pelos médicos e, depois de feita a autópsia, descobriu-se que o tumor era mínimo - insuficiente para causar a morte do paciente.

O efeito nocebo também é usado para explicar maldições que realmente levam pessoas à morte em culturas que acreditam em vodoos, por exemplo, mas o assunto é controverso, como não poderia deixar de ser.

domingo, 13 de setembro de 2009

Conversa rápida (e probabilisticamente verídica)

- Então, cara. Mas o que os caras acham é que esses eventos são imprevisíveis em sua essência, não é que está faltando alguma variável. Bom, isso de acordo com algumas interpretações.

- Entendi. Negócio esquisito, não, toda aquela história do gato vivo/morto ao mesmo tempo...

- Do que vocês estão falando? Que história de gato é essa?

- Então. Quântica. Um cara chamado Schrödinger imaginou uma experiência em que havia uma armadilha ligada a um pedaço de urânio dentro de uma caixa, com um gato. Se o urânio liberar uma partícula qualquer (um evento que seria indeterminístico por natureza) a armadilha é acionada e o gato morre. Esse Schrödinger disse que enquanto você não abrir a caixa, o gato vai estar vivo e morto ao mesmo tempo e, quando ela for aberta, a função de onda colapsa e o gato aparece ou vivo, ou morto.

- Eita. Antes a gente falava de mulher, depois de futebol, depois xingava a mãe dos outros. Agora eu chego aqui e vocês ficam falando dessas coisas. Que viagem. Eu quero tomar coco na praia.

*silêncio*

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Fernando, o simulador


(Conto longo e bobo inspirado em A última pergunta do Asimov.)

Fernando se aproximou de seu DX-100 com uma ideia nova. Lá por aqueles idos de 2740, não havia muito o que se fazer na rua. As pessoas passavam a maior parte de seu tempo conectadas, navegando na Rede, discutindo o sexo dos anjos.

Ele já havia desenvolvido várias simulações computacionais. Criar universos completos levavam muito tempo; gostava mais de simular apenas situações específicas, ecossistemas fechados, acelerar drasticamente a seleção natural entre alguns poucos competidores e apostar mentalmente em quem iria ganhar. Às vezes acertava, às vezes errava, às vezes as espécies deixavam de competir entre si e passavam a conviver. Ele já tinha criado um ou dois universos completos, mas baseados no Universo padrão, sem alterações.

As simulações o entediavam com o tempo. Era sempre a mesma coisa; os seres se desenvolviam, criavam consciência, procuravam por Deus, se tocavam que provavelmente estariam dentro de uma simulação e, quase invariavelmente, se exterminavam com suas próprias tecnologias.

Dessa vez ele queria algo diferente. Fernando selecionou da Rede a simulação de Universo padrão e deixou ela aberta. Procurou com cautela as leis que precisaria alterar e incrementou a regra que tinha imaginado. Foi um pouco difícil relacionar informação biológica com constantes físicas, mas ele conseguiu.

Fernando rodou a simulação e ficou olhando enquanto seu Universo se expandia, se formavam as estrelas gigantescas, que depois explodiam e formavam estrelas menores e planetas. As usual.

Se tudo corresse bem, a alteração de Fernando só faria diferença depois de vida consciente surgir em sua simulação de Universo. Enquanto esperava, ele navegou pela Rede, procurando sem sucesso por experimentos semelhantes. Logo surgiam na simulação primeiras moléculas orgânicas, o primeiro sinal de vida. Fernando tomava nota de cada desenvolvimento promissor em cada planeta potencialmente habitável.

Seu DX sofria. Já havia passado mais de uma semana e praticamente todo o poder de processamento da máquina era destinado à simulação. E Fernando esperava, paciente, quando a primeira consciência se formou em um planeta qualquer e suas alterações começaram (ufa) a dar resultados.

Na simulação de Fernando, todas as leis do Universo conhecido eram mantidas e apenas uma nova regra foi adicionada. Era uma adição simples de ser definida, apesar de ser difícil de se conceber: toda vez que algum ser imaginasse algo com sinceridade, com fé de que aquilo aconteceria, havia uma chance em cem de que o evento realmente acontecesse. Fernando chamou essa possibilidade simplesmente de 'milagre'. Qualquer coisa era permitida, de curar uma doença a criar asas, de se teletransportar a materializar nuvens no céu e fazer chover. Porém, não poderia ser algo que não tivesse materialização física (por exemplo, felicidade, imortalidade ou paz na Terra) nem contraditório com as leis fundamentais da natureza (voltar no tempo). No entanto, era possível materializar e desmaterializar praticamente qualquer coisa.

Fernando também tomou o cuidado de não permitir a passagem de eventuais alterações corporais aos descendentes, já que isso minaria todos os princípios da seleção natural. Além disso, depois do uso de um Milagre, o animal que o desejou não conseguiria realizar nenhum outro por pelo menos uma semana.

No começo as diferenças eram mínimas. Animais desapareciam das garras dos predadores e reapareciam distantes, em segurança. Predadores surgiam em cima de presas aparentemente vindos do nada.

Apesar de reduzir drasticamente a velocidade da simulação, Fernando percebeu que havia um problema fundamental em sua ideia. Ele havia medido a 'fé' dos animais através de padrões de ondas cerebrais. O problema é que mutações em determinados genes faziam os padrões de onda cerebrais serem facilmente atingidos, e a seleção natural acabava por 'preferir' os animais que tinham essas mutações. Afinal, é muito mais adaptável um animal que desaparece quando está a centímetros da boca do predador do que outro que simplesmente empenha todas as suas energias em fugir com suas patas.

O 'problema' se agravou rapidamente e logo todos os animais pensantes do pequeno planeta apresentavam o padrão de onda que Fernando tinha selecionado, praticamente durante o tempo todo.

Nesse ponto aconteceram eventos rápidos e interessantes. O padrão de onda começou a se desvalorizar entre os herbívoros, enquanto que entre grandes predadores ele foi fortemente estabelecido. A explicação para a desvalorização entre os herbívoros é simples; se muito cheios de fé, eles acreditavam que podiam enfrentar e vencer os predadores (uma possibilidade que somente uma vez em cada cem seria verdadeira e, mesmo nesses casos, uma vez por semana).

Únicos portadores da possibilidade do Milagre, os carnívoros se desenvolveram rapidamente e a cadeia alimentar entrou em colapso. Fernando teve que intervir, alterando a simulação enquanto ela estava sendo executada; alterou o padrão de onda buscado para um estado de consciência que conhecemos como Zen, que só poderia ser alcançado por animais que tivessem consciência de sua consciência.

As coisas se restabeleceram e continuaram um curso relativamente normal depois disso. Milhares e milhares de animais surgiram e desapareceram até que um pequeno bípede finalmente alcançou uma situação razoavelmente parecida à humana de desenvolvimento cerebral. Consciência de consciência, de consciência de consciência, etc

Os animais, chamados por Fernando de Obakus, se organizavam em grupos sociais e caçavam. A linguagem dos Obakus se desenvolveu devagar, mas logo transmitiam uns aos outros peripécias que haviam conseguido enquanto estavam em zen.

O tempo passou. Os Obakus se tornaram sedentários; animais foram domesticados. Corpos passaram a ser enterrados. E, é claro, a prática zen começou a ser entendida e praticada.

Em alguns momentos algum Obaku maluco desejava um martelo gigantesco pra esmagar o mundo mas, antes que algo grave pudesse acontecer, algum outro Obaku 'anulava' seu péssimo desejo com outro desejo. Foi por pouco em algumas situações, mas seu pequeno mundo sobreviveu.

E assim as coisas foram caminhando, e uma religião se formou, baseada em três verdades fundamentais:
- a adoração pelo Provedor do Milagre;
- o respeito por outros Obakus;
- o uso do Milagre apenas depois da aprovação dos mestres religiosos.

Por essa época, Fernando teve que intervir pela segunda vez. Os Obakus começaram a ficar folgados e, organizados socialmente, não faziam mais nada. Havia uma rotação entre 'desejadores de comida', 'desejadores de casas', 'desejadores de transportes', 'desejadores de construções'. Era muito mais fácil fazer as coisas pelo Milagre do que efetivamente produzindo. Toda a organização social dos Obakus se baseava nos desejos. Fernando não gostou disso. As coisas simplesmente não progrediam.

Fez uma alteração simples: deixou o Milagre muito mais raro: uma chance em dez mil. Além disso, criou limites físicos mais rígidos para os pedidos. Só se podia alterar o que se observava com os olhos; não era mais possível criar matéria/energia do nada (ela tinha que vir de algum lugar próximo, ser transformada). Não era mais possível alterar a realidade como antigamente.

No mundo dos Obakus, havia duas grandes massas de terra separadas por oceanos de água bem esverdeada. No continente leste, viviam os Obakus que se vestiam de azul e, no continente oeste, os Obakus que se vestiam de verde. A diferença fundamental entre eles é que os Obakus azuis dormiam com os pés voltados pro Norte, de acordo com os ensinamentos de um sábio antigo, e os Obakus verdes dormiam com os pés voltados pro Sul, de acordo com os ensinamentos de um outro sábio antigo, ou o mesmo, dependendo da interpretação.

A alteração de Fernando teve efeitos catastróficos sobre a economia e o mundo conhecido dos Obakus ruiu em poucas semanas.

Imediatamente, líderes políticos e religiosos dos dois continentes culparam o continente contrário pelos problemas em conseguir os Milagres. Alguns fundamentalistas afirmavam, nos dois continentes, que a simples existência do grupo concorrente era uma ofensa ao Provedor do Milagre e que, por isso, a desgraça se abatia sobre eles. Chegava o Fim, afirmavam.

E a guerra se abateu sobre o planeta. Os resultados de um confronto entre portadores do Milagre, mesmo com sua potencialidade reduzida, foram catastróficos; quase veio a extinção. Fernando observou de longe, rindo da situação, guerreiros explodindo as tropas inimigas usando paus, pedras e meditação zen. A capacidade de hipocrisia dos Obakus era enorme.

Mas finalmente a grande guerra, como ficou conhecida posteriormente, acabou. Nenhum continente conseguiu se manter organizado o suficiente para transmitir a seus seguidores uma informação sobre vitória ou derrota. Vieram tempos de paz; diversas religiões pacifistas surgiram. Os Obakus ainda usavam frequentemente o Milagre, mas aprenderam a dominar a Natureza de outras formas.

Devagar, engatinhando, surgiu a Ciência. E um grande cientista Obaku descobriu o padrão de onda que tornava possível o Milagre. E o tempo passou, e os cientistas chafurdavam mais e mais nas fundações da simulação, e vieram a Relativística, a Quântica. E um dia, nos cantos de um laboratório no meio da madrugada, um Obaku tentava resolver um problema clássico quando descobriu nas menores partículas da Natureza a inscrição do Milagre. Estava ali, sempre havia estado. Tudo se revelava a ele, o Universo fazia sentido, e ele entendia que estava olhando a Verdade por uma janela ampla, quase sem limites. Agora, eles poderiam manipular o Milagre, usá-lo para expandir os limites de sua raça, expandir a energia, o conhecimento. Antes eles tinham o Milagre; depois tinham o Conhecimento; agora tinham a infinitude do Milagre e do Conhecimento.

Fernando sorriu ao notar o que o cientista havia conseguido. Teve a impressão de que, por um segundo, ou por um milésimo de centésimo de segundo, o pequeno Obaku tinha visto a ele, Fernando, por trás de todas as camadas de software e hardware, por trás de toda a Simulação.

Fernando ainda sorria quando desligou o DX-100 e foi para a rua, procurar por alguém desconectado.