quinta-feira, 7 de abril de 2011

Sem palavras

Mal esfriaram os corpos e o conservador estúpido (pleonasmo detected!) do Reinaldo Azevedo está rolando no sangue pra ver se consegue um pouco de popularidade. Assim como Charlton Heston foi a Columbine ostentar seu direito de portar fuzis poucos meses depois da tragédia de lá, Reinaldo acha que o dia da tragédia daqui é um ótimo momento para discutir a posse legal de armas de fogo no país. Você pode ter a infelicidade de ler seu post aqui

Como meu comentário muito provavelmente não vai ser publicado lá, vou republicá-lo aqui. Podem ignorar o rompante, mas estou me mordendo de raiva dele (e do Garotinho e de um outro pastor qualquer que disseram que a culpa do ocorrido foi falta de aula de religião nas escolas. Vai pra pqp.).

Eu acho que, ao contrário do que muito bem disse sobre Rodrigo Pimentel, você, Reinaldo, não é nem inteligente nem muito bem articulado. Ou se faz de bobo pra ganhar aplauso desse público (estranho pra não dizer outra coisa) que você tem.

O Rodrigo não disse nada sobre tirar as armas LEGAIS das ruas. Ele disse TIRAR AS ARMAS das ruas. Na hora, naquela mesmíssima hora, qualquer macaco com um mínimo de treinamento em interpretação de texto entenderia o que ele quis dizer. Mas você precisa criar a polêmica, rolar no sangue das crianças pra ganhar o seu aplauso conservador. Você é o cara da NRA mostrando os fuzis logo depois de Columbine - uma versão tupiniquim, depois da pneumonia, e muito mais espalhafatoso.

E o que ele quis dizer, Reinaldo, caso você não ultrapasse a interpretação de texto de um macaco bem treinado, é que armas ilegais TAMBÉM (ou principalmente!) tem que ser retiradas das ruas. Uma das armas do crime em questão tem procedência legal, a outra não se sabe. Armas com procedência legal são roubadas e viram ilegais, etc. O melhor, em uma sociedade que prestasse, seria ter o mínimo de armas possível em circulação - tanto as legais quanto as ilegais.

E como fazer isso? Policiamento, investigação, apreensão. O de sempre. E armar a população civil, instaurar aqui esse culto fálico pelo fuzil que existe nos EUA… pra mim é coisa de colonizado. Pra não dizer outra coisa.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Transcendência


Algumas palavras têm um peso tão grande que acabo preferindo não utilizá-las a ter que ficar me explicando exaustivamente quando são mal entendidas. 'Energia' é uma delas. 'Sustentabilidade', 'espiritualidade'. Algumas expressões também são muito pesadas e contém bastante ideologia: 'Exclusão social', por exemplo.

Muitos ateus e agnósticos abandonam também o conceito de 'transcendência', já que rejeitam a ideia de uma dimensão de existência externa para onde se possa transcender. Afinal, transcendente é aquilo que vai além, que atravessa, que ultrapassa. Normalmente a ideia é aplicada para falar da relação humana com Deus, e por isso há uma carga tão grande na palavra.

Mas o assunto não é assim tão simples. É possível transcender nossa existência de muitas formas sem recorrer a nenhum expediente sobrenatural. Nossas ideias, nossos genes, sobrevivem em nossos filhos e nossa família, em nossa raça. Somos ligados biologica e quimicamente a cada ser vivo no planeta. Somos ligados fisica e quimicamente a cada estrela e cada planeta do universo. Tenho um profundo sentimento de importância e de humildade simultâneos quando penso que os átomos que formam meu corpo foram forjados no interior de estrelas antigas, mortas há mais tempo que a nossa imaginação consegue conceber.

'Sem Deus, tudo é permitido', disse um dos irmãos Karamazov. A versão longa do argumento é que é necessário um agente externo para nos fornecer moralidade, para nos ensinar o certo e o errado. Mas o erro do raciocínio é que o agente externo não precisa ser necessariamente Deus; todos prestamos contas à sociedade, aos familiares, à nossa própria consciência. Para conviver em sociedade, é preciso transcender nossa consciência e aplicá-la a todos, procurando acordos onde haja conflitos. Afirmar que é impossível ser moral sem Deus é o mesmo que afirmar que não se pode usar placas de trânsito porque Deus não nos deu sua opinião sobre o sentido em que deve correr cada uma das ruas. (Na verdade existem muitos problemas com esse argumento, esse é só um deles. Mas o assunto é chato o suficiente para eu me manter afastado dele.)

Pensei em tudo isso por causa da tirinha de ontem do xkcd, onde ele mostra um gráfico de uma curta expectativa de vida - provavelmente causada por algum câncer - com o comentário de que 'minha visão habitual não se aplica nesse caso'. Nas entrelinhas, o que está escrito é que pouco importa entender perfeitamente a estatística do gráfico quando se tem a vida de algum familiar em jogo. Mas abraços e palavras de conforto - não necessariamente religiosas - funcionam com todo mundo.

terça-feira, 29 de março de 2011

A infame Hora do Planeta

Eu, bobo, achava que meu esforço em 'guardar' a Hora do Planeta ia ser algo bem recebido mas, em diversos círculos intelectuais - ou pretensamente intelectuais - percebi que o evento é muito mal avaliado, taxado de 'hipócrita', e coberto de argumentos como 'que diferença faz uma hora no ano? Você fica uma hora de luzes apagadas e depois liga seu ar condicionado.', etc.

Qualquer um que tenha lido pelo menos um pouco sobre a tal Hora do Planeta vai notar que o objetivo dela não é 'economizar' os sessenta minutos e torrar energia em todos os outros. É um gesto simbólico, algo pra fazer pensar no assunto, lembrar a todos de que o problema existe e de que é grave. Vi também pessoas no twitter comparando a Hora com as (inúteis) passeatas de branco pela paz, mas vejo como coisas diferentes porque os agentes estão, na Hora do Planeta, participando do evento. Passeatas de branco pela paz não seriam tão inúteis se os bandidos participassem delas, certo?

Aqui em casa, ficamos eu e o Alexandre (que agora está com três anos, quase quatro) por um bom tempo sozinhos à luz de velas. A hora marcada era 20:30, mas começamos mais cedo porque ele estava realmente ansioso. Aproveitei o tempo pra contar histórias pra ele de como era o mundo quando não havia energia elétrica disponível, de como as pessoas viviam sem ela, e de como toda forma de energia tem que ser usada com critério. Quando a Deborah chegou, contamos pra ela o que tinha sido falado e trocamos mais histórias sobre homens em cavernas, pinturas rupestres e velas.

Com certeza a Hora do Planeta não resolve o problema que tenta atingir, e atitudes conscientes no dia-a-dia são absolutamente indispensáveis (inclusive exigir das empresas atitudes ambientais coerentes). Mas ter uma hora pra pensar o assunto não é necessariamente hipócrita e pode, quem sabe, até ajudar.

terça-feira, 22 de março de 2011

Conservar é humano


Há alguns dias um amigo me fez pensar em como é ridícula a mania de dar nome em ruas - na verdade, também em viadutos, pontes, obras públicas em geral. O mais simples seria numerar as ruas de acordo com um sistema que mapeasse de forma razoável os inícios em coordenadas x;y... facilitaria muito encontrar qualquer endereço. Ao contrário, preferimos usar nomes de defuntos, largamente desconhecidos da população (e talvez sabiamente ignorados), prestando homenagem a pessoas que já foram comidas por vermes há muitos e muitos anos e cujos feitos normalmente são mais de dar vergonha do que orgulho. Imagino o Duque de Caxias e o Dom Pedro I, em um limbo de existência qualquer, brigando pra ver quem tem mais obras públicas em honra a seus nomes.

Não entendo essa cultura da morte. O mundo é dos vivos; no entanto, em casa pequeno detalhe da vida, estamos sempre prestando contas aos mortos. Nos sobrenomes, nas famílias. Na 'tradição'. No patriotismo, nos bairrismos em geral. Na 'herança cultural'. Nas religiões.

É óbvio que nem tudo o que é velho é ruim, e nem tudo o que é novo é bom. É óbvio também que é impossível reinventar tudo do zero o tempo todo. O que discuto é valorizar algo só por ser velho, por ser ancestral, por ter sido sempre assim. Por alguém dizer que é bom, sem mais argumentos, sem mais discussão.

Vivemos tanto tempo 'honrando' o que já passou que esquecemos de olhar pra frente e planejar o que está por vir. Estamos todos mortos, vivendo uma vida que não é nossa. Só a ignorância nos salva da loucura.

Alguns se orgulham do rótulo de 'conservador'. Um conservador de verdade tem que morar em cavernas e ser nômade. Ou viver como um primata, pegando frutos do alto das árvores.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Bule Voador

Hoje um texto meu foi publicado no Bule Voador, o blog da Liga Humanista Secular do Brasil. Leiam :)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Chove, chuva


Alexandre me pergunta por que chove. Eu penso e me surgem na mente duas respostas: 'porque a água evapora do chão e vai pras nuvens, e as nuvens ficam cheias de água e a água cai', ou 'porque as plantas e os animais precisam de água'.

E então me toco de que as respostas, tão simples, contém visões de mundo opostas. E de que mesmo nas frases mais simples, se esconde ideologia, metafísica, toda uma série de desdobramentos que não se sabe onde termina.

Se eu respondo 'chove porque precisamos de água', vou estar reafirmando que o Universo está aqui por nossa causa; que as nuvens e a chuva e a água e as moléculas de hidrogênio e oxigênio foram criadas especificamente para que chovesse e a nossa sede fosse aplacada. Vou estar corroborando com a ideia de 'universo-catálogo' tão cara aos fãs de 'O segredo'.

Se eu respondo 'chove porque a nuvem fica muito cheia de água', vou estar dando uma explicação puramente física, citando o mecanismo que rege o fenômeno natural. Na verdade, não é essa a resposta que ele quer; ele quer uma razão, não uma explicação. Humanos gostam de razões. Mas fenômenos naturais não têm razão. Eles são o que são, e estariam aqui se comportando exatamente da mesma forma mesmo se nós nunca tivéssemos existido. Responder 'chove porque a nuvem fica cheia de água' é pedir mais uma pergunta, mais um porquê, talvez um 'mas por que as nuvens ficam cheias de água?' e daí em diante, indefinidamente, até a origem última de todas as coisas, até uma pergunta derradeira que (muito provavelmente) nunca vai ter resposta.

Chove porque há bilhões de anos houve o big bang. Como já disse o Carl Sagan, se você quiser criar uma torta de maçã desde o início, primeiro tem que criar o universo.

...
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)