segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Cotas

Há algum tempo atrás, quando começou a se falar seriamente sobre cotas no ensino público brasileiro, eu fiquei com um pé atrás com a ideia. Não conseguia ligar os pontos, não fazia muito sentido; mas eu aceitava, levando em conta que muitas pessoas a quem eu admirava/admiro apoiavam o sistema.

Hoje já não acredito mais na ideia em nenhuma das formas em que ela se apresenta.

Cotas raciais, pra mim, são um completo absurdo. Basta imaginar que existem negros ricos que podem se beneficiar do sistema. Que sentido faz um sistema de cotas que beneficia alguém que já é 'beneficiado' pelo estado atual das coisas? Alguém que já conseguiu transpor os séculos de escravidão e preconceito? Existem outros preconceitos fora o simples acesso aos benefícios de uma classe superior, mas claramente um dos problemas já teria sido resolvido, nesse caso o exato problema que está se tentando resolver.

As chamadas cotas sociais tem uma profundidade um pouco maior. Pessoas de baixa renda com poucas oportunidades de estudo e preparação para o vestibular teriam acesso mais fácil ao ensino superior gratuito; faz sentido. Na prática, são definidas cotas para estudantes oriundos de escolas públicas, e algumas universidades já estão trabalhando com cotas de até 50%.

Aí é que surge o problema.

Imaginem a família A, cujo chefe é o pai, sr. Marquinho. O sr Marquinho não ganha mal. Ele tem dois carros, gosta de passear e torrar a grana com roupas de marca, viagens e tudo mais que possa conseguir. Mas não é rico, e por isso alguma coisa fica faltando: no caso, falta o dinheiro pra colocar o Marquinhos Jr na escola particular. Então o Marquinhos Jr estuda na escola pública, mesmo. O sr Marquinho não está muito preocupado com isso.

Agora imaginem a família B, cujo chefe é o pai, sr Valdevino. O sr Valdevino ganha, pra fins de exemplo, exatamente a mesma coisa que o sr Marquinho. A diferença é que ele gasta o seu dinheiro com livros, programas culturais e com a melhor educação que conseguir prover para o filho, o Valdevino Jr. O pequeno pimpolho do sr Valdevino então estuda em escola particular, apesar do pequeno aperto que as mensalidades causam nas finanças da família. *

Diante dessa situação, se a cota social observar apenas a escola de origem do aluno (como é feito hoje), a família que dá menos atenção e valor à educação é beneficiada, sendo iguais as situações de renda. É um contra-senso enorme: o aluno cuja família valoriza mais o estudo é punido por causa dessa mesma valorização.

Pode ser ainda pior, se o sr Marquinho for esperto e contratar uns professores particulares por fora para o Marquinho Jr. Ele continua sendo oriundo de escola pública e ainda pode contar com o sistema de cotas mas, ainda assim, pode ter teoricamente o mesmo benefício que teria um estudante de escola particular.

Claro que a situação pode ser melhorada caso levem-se em conta as declarações de renda das famílias. Mas a verificação tende a ser muito mais complexa, e declarações também podem ser burladas, fraudadas, subfaturadas. Como sempre foram, como sempre vão ser.

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* - Foram citados os homens chefes de família apenas por razões de simplificação. Podiam ser muito bem a senhora Dolores e a senhora Creuza.