quarta-feira, 21 de julho de 2010

Cinco livros que mudaram minha vida

Gosto muito de ler. Mais do que um hábito, é uma experiência que faço por prazer, como bem disse a Deh. Claro, livros existem aos montes, bons e ruins, felizes e tristes, animados e parados... mais do que a mídia, importa o conteúdo. E, mesmo não sendo muito bons, alguns livros nos marcam por alguma razão - um insight, uma ideia, o resumo de algum pensamento que vínhamos cozinhando há pouco ou muito tempo.

Pensei nisso durante alguns dias e cheguei a uma pequena lista - não dos melhores livros que já li, mas sim dos livros que, por uma razão ou outra, mudaram minha perspectiva sobre o mundo ou sobre minhas próprias ideias. Aí está.

Cem anos de solidão - Gabriel Garcia Márquez
'Cem anos de solidão' é o livro que eu escolheria, se precisasse escolher um só, para levar a uma ilha deserta. Quase com certeza não é o meu livro preferido (apesar de entrar na lista dos cinco preferidos), mas é memorável por conter várias boas histórias que se unem em uma única grande história. Ação, romance, intrigas, suspense policial, fantasia, realismo... não tem como enjoar.

Encontrei G.G. Márquez em uma época em que estava meio desgostoso da literatura, cansado de ler livros bons, mas pesados. 'Cem anos' pode ser pesado, dependendo de como você olha pra ele... mas também pode ser leve, dependendo da perspectiva, do humor de quem está lendo.

E, é claro, não há como me esquecer de Melquíades, Úrsula, e de todos os Aurelianos e Josés Arcádios que povoam a história. Só de lembrar dá vontade de reler. 'Cem anos' me fez voltar a gostar de ler. 'Cem anos' me mostrou como, cem anos atrás, as coisas eram tão diferentes que às vezes Macondo parece ser outro planeta - e, ao mesmo tempo, tão próxima, tão estranhamente familiar.

O mundo assombrado pelos demônios - Carl Sagan
Eu acreditava no poder mágico dos cristais. Em Ashtar Sheran (mas não muito). Gostava de Paulo Coelho. Achava que Arquivo X continha um 'quê' de verdade por trás da ficção. Sério. E eu era religioso, muito religioso.

Obviamente, não posso responsabilizar um único livro por uma série de transformações que começaram bem antes e não terminaram até hoje, mas ele com certeza foi um ponto de inflexão no meu jeito de raciocinar. O método, o rigor, o ceticismo cauteloso, a desconfiança podando o deslumbramento... por tudo isso devo muito ao Carl Sagan, particularmente por esse seu manual de ceticismo diante das credulidades modernas.

Recentemente, dei uma cópia do livro a um grande amigo, companheiro na época dos cristais (e do esquerdismo, que vai ser visto mais adiante); ele disse ter gostado, mas continua dissertando sobre a Atlântida e outras coloridas teorias conspiratórias. Talvez cada livro, afinal, precise de um leitor com quem se encaixe no momento certo.

Ficções - Jorge Luís Borges
Fiquei sabendo sobre o Borges bem tarde na vida; no segundo ano de faculdade, durante uma peculiar aula de Cálculo II, um professor recomendou o conto 'A Biblioteca de Babel' ao tentar, de maneira bem infrutífera, nos assombrar com o conceito do que é o infinito. Digo infrutífera porque ele, o professor, não conseguiu nos surpreender, mas Borges sim - talvez não particularmente nessa história (afinal, a Biblioteca não é necessariamente infinita, apenas inimaginavelmente grande), mas sua obra, por inteiro, tem cheiro de infinito.

O que mais gosto em Ficções é o jeito com que Borges brinca com os sonhos, as divagações, e de repente puxa a história por um cabo trazendo tudo, aos trancos e barrancos, de volta à realidade. Borges mudou minha perspectiva sobre a Ciência ao mostrar como o Universo tem uma profunda intimidade com a Matemática, e como somos tolos ao pensar que dominamos conceitos como 'vida', 'infinito', 'imortalidade'. Ficções também me faz pensar em como era fácil, para alguém genial como ele, construir mundos profundamente diferentes do nosso, brincando apenas com uma ideia.

O processo - Franz Kafka
'O processo' foi o primeiro livro de Kafka em que pus as mãos. Li feito um louco, até o fim, e então comecei a ler tudo o que conseguia dele, sem pausa. Só não me atrevi a ler o 'Carta ao pai' por não gostar de leituras muito pessoais e não consegui terminar o 'América' (por achar o estilo diferente e, me perdoem, chato).

Não vou me atrever a fazer nenhum comentário sobre o estilo, a técnica ou a beleza de nenhum dos livros da lista - e menos ainda sobre qualquer livro de Kafka. O que posso dizer é que, lendo sua obra, sinto uma conexão estranha com os mundos bizarros que ele criou, cheios de idas e vindas, tentativas mal-sucedidas, falhas pisadas e repisadas. Os finais não são novidade, nunca são novidade; alguém que já leu um dos livros conhece a estrutura de qualquer outra história e, com exceção de alguns detalhes, sabe muito bem como ela vai terminar. E, mesmo assim, reler 'O Processo' me prende mais do que qualquer lançamento do Dan Brown.

Li alguém comentando que Kafka, quando criava suas metáforas sobre objetivos inalcançáveis e rodeios em torno de um destino invisível, estava na verdade falando sobre Deus. Não consigo imaginar jeito melhor de abordar o assunto.


Admirável mundo novo - Aldous Huxley
Além de acreditar em cristais, Atlântida, Chakras, Horóscopos e outras bobagens, eu fui, por um curto período de minha vida, algo que se pode chamar de 'comunista de boutique' - um desses adolescentes que usam camiseta do Che e acham que o planeta seria um lugar bem melhor se o mundo todo ouvisse as ótimas ideias que eles têm sobre tudo. 'Admirável mundo novo' mudou isso - e, como se já não bastasse, ainda me deixou com um certo trauma (que conservo com orgulho) quanto a excessos de regulamentação estatal. Por ter lido Huxley (não só por isso, mas também por isso), sou contra ações afirmativas, câmeras de vigilância, intervenções do Estado em assuntos privados, e umas mil outras questões que parecem pequenas mas que são, juntando tudo, bem importantes.

Acabei lendo o '1984' muito tempo depois e, apesar de achar que Orwell era um melhor escritor, acredito que Huxley estava mais certo em seus insights. Por exemplo, em '1984' a população é mantida ignorante através da sonegação de informação; em 'Admirável mundo novo', pelo excesso de informação inútil. Nem preciso dizer qual está mais próximo de nossa realidade. Agora me dêem licença que vou voltar ali pro twitter.

-----------------------------------------------

Menção honrosa: Desobediência civil e outros escritos, de Thoreau, por me dar a noção de como o Estado pode ser repressor mesmo em uma sociedade dita democrática, quase entrou na lista.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Notas sobre a copa


* - A Copa me faz lembrar de uma passagem do Carl Sagan em que ele relaciona o Monday Night Football e as caçadas tribais. Os jogos, segundo ele, nos remetem a um passado primitivo em que dependíamos diretamente (e diariamente) de nossa força e do espírito de grupo para acordarmos vivos no dia seguinte. Por isso os esportes nos atraem tanto; os jogos psicológicos de força, domínio e controle estão enraizados profundamente em nossos genes. Muitos dos lances considerados plasticamente mais bonitos são os que mais humilham os adversários. Gostar de futebol deve ser genético. (Link digno de nota, não pela música mas sim pelo clipe: Marilyn Manson - The Fight Song)

* - Enquanto se desenrolavam os diversos conflitos entre o Dunga e o coletivo abstrato de pessoas conhecido vagamente como 'a imprensa', a leitura de Dom Quixote me ligou alguns pontos. Dunga adora moinhos de vento, inimigos imaginários. Pouco importa que os moinhos estejam lá ou não, se são de fato inimigos ou não; o que importa é criar um símbolo, um motivo, um inimigo. Normalmente a tática funciona, criando uma cortina de fumaça que esconde os problemas reais, mesmo quando usada inconscientemente. Mas não basta só isso, como se viu.

* - Eu voto no Marcelo D2 pra compor a música oficial da Copa de 2014. Iria ser bem divertido. E que houvesse música autenticamente nacional na abertura - de Demônios da Garoa a Almir Sater, de Ivete Sangalo a Nação Zumbi. Mas devem ficar só com a Ivete, mesmo.