quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

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terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

"A Quinta Estação"


Alguns livros que mais marcam não são os melhores que lemos. De vez em quando aparece algum que pega de jeito, deixando a gente preso mentalmente no texto, dançando entre suas ideias, fascinado com sua forma. Foi assim comigo com "O pintassilgo", com certeza não o melhor livro que li, mas um dos que mais me gerou lembranças. Também estão na lista "A Assustadora História da Maldade" (que me rende anedotas até hoje) e uma biografia de Ivã, O terrível.

Comecei a ler há algumas semanas "A Quinta Estação", de N. K. Jemisin, escritora americana ganhadora do prêmio Hugo de ficção com este livro. Como é de praxe, a trata-se do primeiro volume de uma trilogia já concluída. Mesmo não sendo perfeito, a história me fascinou totalmente.

"A Quinta Estação" conta a história de Quietude, um mundo onde abalos sísmicos acontecem todos os dias e algumas pessoas (brutalmente odiadas) têm poder de realizar e anular esses terremotos, fissuras e até vulcões. Chamam a atenção fortes protagonistas femininas e as ideias estranhíssimas, compondo um mundo realmente diferente do nosso.

Apesar da dificuldade de passar pelos primeiros capítulos, recomendo muito.

"Winter, Spring, Summer, Fall; Death is the fifth, and master of all"
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Estou também encantado com "Altered Carbon", série de ficção científica da Netflix. Fantasia cyberpunk e faroestes são meus gêneros preferidos atualmente, e não sei dizer o quanto da minha paixão pela série vem desse amor. Mas ver a morte retratada como o definitivo nivelador social me encantou (se não há morte, como Hamlet faria o monólogo com a caveira de Yorick? - "Ser, ser para sempre.", e as questões humanas desaparecem sob o tapete.)

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Fluxo de consciência

Chegando ao trabalho pela manhã

Durante essa semana pensei nas virtudes sem nome, coisas que algumas pessoas conseguem naturalmente e que trazem boas coisas para elas e para os outros. Pensei, por exemplo, na qualidade de ver beleza em meio à rotina. Não é a beleza da rotina, é valorizar as pequenas coisas que acontecem todos os dias e que têm beleza em si. O sol nascendo e se pondo, a lua alta no céu. O cheiro de uma xícara de café, o sorriso de alguém amado.

Pensei que uma vida plena passa necessariamente por aprender a observar tais momentos e se sentir grato por eles.

Pensei em quanto isso é brega. Pensei no personagem que filma sacolas dançando ao vento em Beleza Americana. Pensei no quanto mudei em menos de um ano. É um clichê e todo mundo sabe. Pensei que é brega, realmente, mas eu não ligo mais pra isso. É a minha hora de falar.

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Hoje li alguém dizendo que não se escreve para ser lembrado, nem para transmitir ou comunicar. Escreve-se em areia, pelo fim mesmo de escrever.

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Vou tentar escrever aqui semanalmente.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

2017


Ciclos começam e se encerram, mas dar um nome a eles e trancá-los em um lapso determinado de tempo é quase sempre uma arbitrariedade sem sentido. Isso posto, na minha vida, 2017 foi um coice.

Em 2017 meu mundo ruiu. Entrei em um buraco de onde achei que não iria sair, mas saí. Aos trancos, quase empurrado, mas saí. Aprendi que sou mortal, falível, quebrado. Aprendi que a vida acaba. (Claro que todo mundo sabe disso intelectualmente, mas viver isso nos ossos é outra coisa totalmente diferente).

Claro que um coice não é nada agradável, mas te projeta em direção a outros rumos. Aprendi também que estou vivo e que gosto de estar vivo. E que pra amar, é preciso me amar. Reaprendi a paternidade ao ver o Alexandre não mais como um pupilo, muito mais como um companheiro. Em um nerd, o efeito de perder no videogame para um filho é algo marcante.

Obrigado a todos que de alguma forma participaram da aventura, com amor, amizade e compaixão. Devo muito a muitas pessoas por esse ano, por uma infinidade de motivos. Não desistam, e aguardem cenas dos próximos capítulos.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Barkley Marathons


Eu não gosto de corrida, nunca gostei de correr. Mas eu gosto muito de documentários, e gosto muito de histórias de pessoas tentando e às vezes conseguindo o impossível. Por isso recomendo a todos o excelente "The Barkley Marathons", talvez o melhor filme que vi esse ano - não tanto pelo que ele é, mas mais pela forma que me acertou. Tem na Netflix.

Vou explicar bem brevemente pra não estragar nada. Um cara organiza uma ultramaratona que, nos primeiros dez anos, ninguém conseguiu completar. O documentário é sobre um ano da corrida e sobre esse cara. O organizador mistura umas frases de sabedoria estranha (que é mostrada sem ostentação, mais como se fosse algo natural, não forçado) com um sadismo cômico que nem tenta disfarçar. Pra entrar na corrida, você precisa ser avaliado, pagar 1,60 e um item que o organizador esteja precisando no momento (uma meia, uma camisa de flanela).

"Barkley Marathons" é interessante por ser um show do que é a alma interior dos esportes, algo que só vemos em pequenas fagulhas nos futebóis da vida: o desejo de tentar ser mais e melhor do que si mesmo e os outros. O desejo de tentar e fazer o que é considerado impossível e a admiração que isso desperta.

domingo, 9 de outubro de 2016

Marília


Tendo me mudado pra Marília ontem, achei que era uma boa hora pra ressuscitar esse espaço. Quem sabe não retomo alguma regularidade? Veremos.

- Marília me lembra muito de São Carlos, no tamanho e nos espaços em branco no meio da cidade. Marília tem vales difíceis de popular, além de uma linha de trem inconveniente que corta a cidade em duas. São Carlos tem (ou tinha) buracos não populados em áreas bem valorizadas da cidade, por conta de disputas judiciais e especulação imobiliária. Os cinemas das duas são ruins, mas acho que o de S. Carlos, back in the day, era pior.

- A primeira imagem que me vem à cabeça quando penso em S. Carlos é a Praça da XV, um dos centros culturais da cidade. Pra Marília a imagem é essa da foto, a cidade atrás da curva, sinal de que estava chegando (invariavelmente atrasado) para trabalhar. É uma imagem de movimento, de passagem, que espero mudar em breve. De qualquer forma, a sensação de avistar os prédios na colina sempre foi muito boa.

- As pessoas até agora foram muito educadas em todas as conversas, mas sinto que falta uma gentileza genérica para situações onde a generosidade não tem rosto, quando você não está vendo com quem está sendo educado. Um certo espírito vingativo no trânsito, do tipo "você me ultrapassou, então não vou te deixar entrar na minha faixa". As bandejas sujas nas mesas do shopping, poucas pessoas se dignando a levá-las até o lixo (deve ser um sacrifício extremo). E aqui em Marília também temos um fenômeno de senciência bizarro que nunca vi em cidades ligeiramente maiores: as mesas no horário de pico são ocupadas por molhos de chaves, óculos, blusas e bolsas, que aparentemente também precisam se alimentar.

- Eu diria que falta um pouco de capitalismo aos marilienses; cobrar estacionamento no shopping provavelmente resolveria o problema. Mas essas seria uma solução preguiçosa.

- Marilienses gostam muito de Amaroks (a caminhonete tão grande que mais parece um caminhão, ali na vaga do supermercado pra levar a esposa e o filhinho pra comprar pão). E cebolinha. Cebolinha no sushi, cebolinha na pizza de calabresa, cebolinha no temaki, cebolinha cebolinha cebolinha.

Apesar de toda a implicância, gostei da cidade. E me sinto quase obrigado a gostar, depois de ser recebido tão bem, saindo de uma fase tão ruim. Valeu Marília, tomara que nos entendamos por um bom tempo.

domingo, 20 de março de 2016

My Beautiful Broken Brain

My Beautiful Broken Brain (disponível na Netflix) é um documentário sobre o primeiro ano da recuperação de Lotje Sodderland, roteirista de 34 anos, depois de um derrame. Com problemas de leitura, fala e memória, Lotje começa a gravar toda a sua rotina no telefone como forma de fazer um registro e não ter sua vida apagada em seus lapsos de consciência.

O filme tenta mostrar o mundo pela visão da protagonista, uma profusão muito confusa de cores e sons. Um semi-sonho estranho, como um filme de David Lynch, onde alucinação e realidade se misturam, os instantes e a percepção de tempo se alongam e distorcem. Lynch acaba se tornando produtor do documentário depois de insistentes mensagens de Lotje.

Além da já esperada história de superação e percalços, gostei de como Lodje se volta pra dentro de seu eu como forma de reaprender a viver, não levando em conta suas limitações, mas expandindo sua consciência. Como numa citação de Lynch que aparece duas vezes: "Within your own self is a treasury, an ocean of pure bliss, consciousness, intelligence, creativity and love". Lynch é adepto de meditação e acredita que através dela podemos encontrar níveis mais altos de consciência e paz. Em tempos tão cheios de revolta e agressividade, a ideia parece estranha como uma flor em meio a escombros.

Outra coisa interessante é que a memória auxiliar de Lotje - seu celular gravando constantemente - e o próprio documentário são um contraponto a visões negativas sobre as relações entre sociedade, cultura e tecnologia disseminada. O processo de gravar sua rotina e transformar os vídeos em um documentário se torna parte de seu processo de recuperação, além de ser uma experiência rica pra quem assiste. Não precisa ser como em Black Mirror. Não podemos ser otimistas demais, mas também não é preciso ser tão pessimista.

domingo, 13 de março de 2016

Sobre 13/03


Vamos brincar de onde está Wally?
Encontre a limousine; encontre a babá empurrando o carrinho; encontre o cartaz pedindo intervenção militar. Exponha; fale como se fosse a regra, ignore as proporções e você vai ter um argumento de culpa por associação prontinho.

Mas se vale a culpa por associação, também podemos acusar os defensores do governo de estarem aliados a grupos extremamente retrógrados da CUT e do MST, que apoiam ditaduras de esquerda abertamente. Ou podemos falar de Lula, que tirou fotos dando a mão a Ahmadinejad, anti semita notório, e também chamou o ditador Kadafi de amigo e irmão para o mundo inteiro ouvir. E claro, nenhum governista gosta de ser chamado de bandido, ainda que o partido do governo dificilmente passe uma semana sem ter algum de seus membros levado pra cadeia.

(Não acho que quem defenda o governo possa ser chamado de bandido, mas também não acho que quem esteja contra possa ser chamado de fascista. You can't have it both ways.)

A associação é um instrumento, uma ferramenta de retórica usada com um objetivo simples: deslegitimar o protesto. As pessoas não estão preocupadas de verdade com a dignidade da babá, ou não exporiam sua imagem. A babá vira um objeto duas vezes, primeiro pelo empregador utilizando seu trabalho estranhamente uniformizado em um domingo, em um evento onde a presença de uma babá é no mínimo estranha; e segundo por quem posta a foto e a chama de escrava, sem lhe dar voz, sem saber de sua história e expondo seu rosto, com óbvios objetivos políticos.

Li alguém no twitter falado de Churchill, que ilustra bem como é fraco o argumento da associação. Churchill era bom em antever os objetivos dos outros e descrevia o mal que via em Stálin enquanto os presidentes americanos ainda o adoravam. Mesmo assim, se uniu a ele para derrubar Hitler. Churchill não passaria por um argumento de culpa por associação, mas passou no teste da história; você pode não gostar dele, mas se ele não tivesse existido e tomado as decisões que tomou, é possível que hoje estivéssemos todos falando alemão.

Não me sinto culpado por ser abertamente contra o governo, mesmo que outras pessoas com ideias que não condizem com as minhas cheguem à mesma conclusão. Como disse Eduardo Jorge, a rua é larga.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O despertar da Força

(Spoilers levíssimos, leia sem medo)

Há algum tempo atrás me surpreendi, ofendido, com algumas pessoas (provavelmente publicitários) falando de Star Wars em uma sorveteria. "A Marca", eles diziam. "O Produto", e a conversa girava em torno desse aspecto. Seria inocente da minha parte crer que um fenômeno tão grande de cultura pop escapasse de uma visão puramente mercantilista. Mas Star Wars é muito mais que um produto vendável.

Não vi a trilogia original nos cinemas por não ter idade pra isso. Mas conforme cresci fui assistindo aos filmes, intercalados, na ordem em que a TV estivesse passando naquele momento. Com o tempo, Luke, Yoda, Vader, Solo e Leia entraram na minha lista mitológica pessoal, tão presentes como qualquer personagem religioso. Não é uma questão de gostar dos filmes. Você não gosta de Star Wars. Você participa de Star Wars ou não. Você escolhe, ou entra do fenômeno de cultura de massa ou não.

A primeira sessão em que assisti a "O Despertar da Força" foi na estreia e catarse define bem. Gritos, aplausos, cavaleiros Jedi e Siths a caráter, pencas de sabres de luz. Um filme maravilhoso, inclusivo sem ser chato, respeitoso com a tradição original. Não se pode esperar menos de um ritual religioso.

Mas na segunda vez em que assisti ao filme, dublado, com meu filho de oito anos do meu lado, é que me senti arrebatado. É estranhamente emocionante ver Leia e Han Solo juntos. É lindo poder acompanhar esses mitos encarnados, trinta anos depois, acompanhados de novos deuses que se juntam ao panteão, com seu filho fazendo comentários sobre a personalidade do BB-8.

Pensei que há trinta e tantos anos atrás algum pai pode ter levado seu filho ao cinema, e agora este filho agora é o pai que leva o filho ao cinema. Pensei, com lágrimas nos olhos, que daqui a dez, vinte, trinta anos, meu filho pode dizer que esteve lá, no cinema, com um sabre de luz e camiseta do R2D2.

Star Wars, Senhor dos Anéis.... não são só histórias. São histórias que, acompanhadas por tanta gente, geram outras histórias em ramificações infinitas.

"Papai, por que sua mão está molhada?"

Eu estou suando, filho, é isso.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

The Leftovers

Ontem coloquei um livro inusitado em meu e-reader: A Bíblia. Queria reler algumas passagens, motivado pelo episódio final da primeira temporada de The Leftovers. A segunda temporada está sendo exibida atualmente pela HBO.

Na Bíblia, Deus e o Diabo fazem uma espécie de aposta sobre a fidelidade de Jó, o mais devotado dos humanos da Terra. Com o objetivo de testar a lealdade de seu servo, Deus permite que o Diabo tire de Jó tudo o que ele preza - sua família, seus amigos, sua riqueza, sua saúde. Mesmo assim, coberto de escaras, sozinho, mendigando, Jó não abandona sua crença e, no final, Deus restitui tudo o que ele havia perdido.

Em The Leftovers, o policial Garvey é uma especie de Jó às avessas. Assim como na história bíblica, ele perde tudo - sua família e sua sanidade - mas, dessa vez, por intervenção direta de um Deus atuante. Ao contrário de Jó, Garvey é um descrente - tanto do divino quanto de sua própria vida. Antes do arrebatamento, ele não acreditava que a vida "era só isso": sua família, seu trabalho, a rotina, o cachorro que sua mulher tanto quer. Depois do arrebatamento ele continua cético, tentando retomar a rotina, fingindo que nada havia acontecido enquanto caminha para a loucura a passos largos. Garvey é como um Paulo que, tendo a revelação divina, continua a perseguição aos cristãos. Somente no final da temporada ele aceita seu destino e de certa forma tem sua vida reabilitada.

A ideia de sentido para a vida (purpouse) aparece várias vezes e fica clara a metáfora para a busca de significado em nossas próprias vidas. No mundo real, é comum um descrente ouvir a pergunta: "Se não há Deus, qual é o sentido de existir?", como se isso fosse um argumento ou dúvida legítima e não uma ameaça. O arrebatamento reverbera e amplifica a pergunta: "Há Deus, mas ele não gosta de você. Qual é o sentido de existir?". Todo o esforço secular de construir uma existência pacífica e um significado próprio para a vida é roubado, reduzido a pó, quando Deus faz sua seleção e deixa você de fora. A existência tem um significado fundamentado por Deus, mas você não está nos planos. Algumas vidas têm sentido, a sua não.


A revelação da existência do divino em um evento tão inegável funciona como uma verdade desastrosa. Deus não surge para curar ou salvar; para os deixados, ele surge como uma condenação, uma sentença de morte e sofrimento. Não há esperança, não há tempo para se arrepender. O silêncio e o fumo dos Guilty Remnant são a aceitação do desastre. Não há perdão, então não há o que ser dito. O fim definitivo está chegando, e a morte que virá dele será mais terrível e rápida que qualquer câncer de pulmão.

The Leftovers é uma série excelente, mesmo parecendo não saber que história está sendo contada. O perambular aparente também se relaciona com o tema e o alvo da narrativa: The Leftovers é uma história com inspiração bíblica voltada a um público materialista.