quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Liberdade de expressão, ou não

Sou quase sempre (ou sempre?) a favor de deixar as pessoas falarem besteira livremente quando tiverem vontade, mesmo que mintam, caluniem, ofendam. Mesmo que falem de mim.

No Brasil essa posição é praticamente inadvogável - não conheço ninguém que concorde comigo quanto a isso. Quando as pessoas começam a pensar nas implicações, imediatamente vêm à mente os exemplos tradicionais de racismo e apologia às drogas. Pois bem, eu acho que as pessoas devam ser presas por suas ações, não por suas palavras.

Nas palavras de Voltaire: 'Eu desaprovo o que você está dizendo, mas vou defender até a morte o seu direito de dizê-lo.'

Sei que isso é muito, muito controverso. Parece que estou defendendo a prática do racismo, por exemplo, quando na verdade me coloco totalmente oposto a ela. Não quero que as pessoas sejam racistas; só acredito que o melhor jeito de acabar com o racismo é discutindo ele publicamente, mostrando o quanto os racistas estão furados, errados, o quanto são totalmente ignorantes por manter uma posição absolutamente contrária à realidade.

É claro que quando as coisas partem para uma situação de violência corporal ou discriminação ativa as coisas mudam de figura. E é claro que o limite entre uma coisa e outra é bem complexo, mas essa questão é outra. O que queria dizer com tudo isso é que acho um absurdo que em uma democracia ocidental como o Brasil um juiz tenha o poder de derrubar um site usado por milhares de pessoas porque nele havia um vídeo de uma mulher que fez o que não devia em público. Eu acho um absurdo as repetidas ameaças de processo que os jornais sofrem quando noticiam um ou outro ato reprovável praticado por políticos. Eu acho uma vergonha o Roberto Carlos proibir uma biografia porque falava coisas que ele não queria ouvir.

O Austin Dacey, naquela entrevista citada no outro post, fez um comentário memorável: 'Se você vive em uma sociedade que se diz livre e não se sente ofendido pelo menos duas vezes por dia, então tem algo errado.' Liberdade de expressão só faz sentido quando as opiniões são divergentes.

Isso posto, hoje li sobre o dono de um bar que está processando um crítico por ter seu estabelecimento rotulado como o pior bar do sistema solar. Como o projeto SETI já está por aí procurando vida extraterrestre há tempos e até agora nada, é bem plausível inferir que não exista vida em outro lugar de nossa galáxia, o que faria do boteco o pior da Via Láctea. Como eu não conheço o bar, não vou afirmar nada disso. Me basta saber que seu dono é um cara bem mal versado nos assuntos de internet.

PS: Se eu for caluniado por esse post, me resguardo o direito de processar o caluniador. No Brasil incoerência não é crime.

PS2: Convenientemente, hoje, dia 30 de setembro, é o dia da internacional da blasfêmia. Como eu não gosto de ofender ninguém, vou só postar um linkzinho pra uma tirinha que considero deveras simpática: essa aqui.

domingo, 27 de setembro de 2009

Eta Carinae


O sistema de estrelas acima é Eta Carinae, uma das coisas mais bonitas de se olhar no céu noturno. A foto foi tirada pelo Hubble, em setembro de 1995, e está na lista de suas imagens mais impressionantes.

Mas Eta Carinae, além de ser bonita, tem outras particularidades interessantes. Sua massa total estimada é a de mais ou menos 100 de nossos sóis, e sua luminosidade é quatro milhões de vezes mais intensa.

É, isso mesmo. Imagine que o Sol seja uma lâmpada. Eta Carinae são 4 milhões dessas lâmpadas solares em uma só.

Essas propriedades fazem dela uma estrela supermassiva, uma vela que queima rápida e intensamente na escuridão do Universo. Depois de consumir boa parte de seu combustível, supermassivas explodem se transformando em supernovas e então colapsam se transformando em Buracos Negros ou Anãs Brancas, dependendo da massa da estrela inicial. Eta Carinae irá se transformar em um Buraco Negro.

Supernovas são belíssimas - mas infelizmente, muito destrutivas. Durante o pequeno período de algumas semanas que dura a explosão, elas liberam mais energia do que o nosso Sol durante toda a sua vida. Qualquer planeta em um raio de mais ou menos 1.000 anos-luz é totalmente destruído por massa estelar expelida e radiação.

Eta Carinae está a aproximadamente 7.500 anos-luz da Terra mas mesmo assim alguns efeitos serão sentidos.

Alguns cientistas afirmam que, quando a explosão ocorrer, Eta Carinae será visível durante o dia e durante a noite será tão brilhante que até que poderemos ler um livro sob sua luz. Também é factível que a camada de ozônio terrestre seja consumida pela radiação vinda da supernova. Isso significa, no mínimo, que nós (ou nossos descendentes) teríamos que usar protetor solar todos os dias, o dia todo. Muitas formas de vida como conhecemos pereceriam sem a proteção da luz ultravioleta oferecida pelo ozônio.

Mas o mais interessante é que astronomicamente falando Eta Carinae já está no fim de sua vida - ou seja, isso tudo irá acontecer em breve (talvez até para parâmetros humanos). Estima-se que a explosão ocorra em um período que varia de 'hoje' a 'daqui a um milhão de anos' - alguns cientistas apontando uma margem de cem anos a partir de nossos dias como provável. Pode ser que a explosão já tenha ocorrido; como a luz demora 7.500 anos para chegar até onde estamos, temos um delay de 7.500 anos depois dela morrer até percebermos a mudança.

(Um parêntese: estranho pensar que olhando pro céu, estamos observando fotos antigas das estrelas. Dá até pra antropomorfizar uma estrela que, conversando com outra, fale: 'Você pode me achar velha, mas olhando lá da Terra eu sou novinha, novinha.')

Fiquei pensando nisso hoje e... olha, até agora essa foi a única previsão apocalíptica que me deixou um pouco receoso. E empolgado ao mesmo tempo.

Credibilidade é tudo.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Exemplos

[psicologia barata]É difícil a gente não se identificar com alguém. Em qualquer campo que nos interesse, acabamos encontrando um ícone com quem concordamos, alguém que diz exatamente as coisas que estávamos pensando e que não conseguíamos expressar - ou então alguém que tem ideias tão boas que ficamos com aquele pensamento de 'caramba, como é que não pensei nisso antes?'.[/psicologia barata]

E eu também tenho os meus exemplos (como fica óbvio pelo começo esquisito do post). Fora várias pessoas próximas, fui e sou admirador de (sem absolutamente nenhuma ordem) Newton, Demócrito, Borges, Buda, Turing, Kubrick, Einstein, Sagan, Jesus, Feynman, Machado de Assis, Popper, Russell, Lattes. Muitas dessas pessoas não são consideradas as 'maiores' em seu campo de atuação... mas, mesmo assim, me chamam a atenção por uma qualidade ou outra, um pensamento ou outro, uma determinação diferente. Entre outros, muitíssimos outros, de quem eu vou lembrar depois e pensar: 'caramba, como é que coloquei o Machado e não coloquei esse cara???'.

(Acabei de notar: nenhum político, nenhum esportista. Todos cientistas, ou religiosos, ou filósofos, ou artistas. Só dois brasileiros. Isso deve dizer alguma coisa sobre a nossa falta de heróis, ou então sobre os meus padrões distorcidos.)

Exemplos novos podem ser encontrados a todo momento, com um pouco de pesquisa. Eu tenho perdido muito tempo em um lado pseudamente culto do Youtube, e, nele, descobri mais dois bons representantes para a minha lista.

Primeiro, Neil deGrasse Tyson, um astrônomo muito engraçado, muito simpático e muito inteligente. É praticamente um Carl Sagan um pouco menos cientista e um pouco mais popstar. Nesse vídeo logo abaixo ele fala das profecias sobre o fim do mundo em 2012:


O meu outro novo herói é Austin Dacey, um filósofo que não tem nem página na Wikipedia, mas que escreveu um livro muito interessante sobre os problemas do excesso de relativismo entre os 'liberais seculares' (não sei bem como traduzir o 'liberais' como é entendido nos EUA para o português) que provavelmente agradaria até ao Henrique. Aqui tem uma entrevista dele, em áudio, para o Free Inquiry, que obviamente ninguém vai ter a paciência de ouvir:

'So, I say far too many secular liberals today are afraid to talk about religion, or to use the language of Virtue and Vice, Good and Evil, Sin and Redemption, and so we have abandoned the field of morality to the religious. The heart and soul of the very idea of the secular open society, I say, is conscience, and that is what we've lost.'

(Minha tradução: 'Eu digo que muitos liberais seculares de hoje em dia têm medo de falar de religião, ou de usar a linguagem da Virtude e Vício, Bem e Mal, Pecado e Redenção e, dessa forma, nós abandonamos o campo da moralidade para os religiosos. O coração e a alma da ideia de uma sociedade secular aberta, eu digo, é a consciência, e foi isso que perdemos.')

Prometo novos comentários assim que o livro chegar. Promete.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Spam


Sempre reclamei dos e-mails correntes que as pessoas me mandavam. Arrumei briga por responder alguns - em especial aquele do carro com a caixa de ovos no porta malas. (Não conhecem? É mais ou menos assim: a garota vai sair de carro com amigos, a mãe fala 'Vai com Deus'. Aí a garota ri e diz que 'só se ele for no porta-malas, que os bancos já estão lotados'. Segundo a história, o carro capota, e todo mundo morre. Sobra no porta-malas uma caixinha cheia de ovos, e todos eles estão intactos).

Meu procedimento era simples e repetitivo: respondia o e-mail sem escrever nada, só apontando um link que explicava a inconsistência da corrente. Não, a Microsoft não vai te dar nada por repassar o e-mail. Não, Marte não vai aparecer no céu com o mesmo tamanho que a Lua. Não, Carl Sagan não virou ufólogo no fim da vida, nem morreu se convertendo. Não, a Amazônia não é considerada território internacional em textbooks americanos.

Os e-mails foram diminuindo, diminuindo, e hoje ninguém me manda mais nenhuma porcaria a não ser que eu peça. A Deh me enviou semana passada um ótimo sobre o Brasil precisar aprender lições da Suíça: acreditar em seu potencial, evoluir eticamente e economicamente e ler powerpoints. As mudanças teriam de ser feitas nos 'átomos da sociedade' - os clubes, bairros e etc. E a ética, a moralidade, a 'prevalência do espírito sobre a matéria', tudo isso são preceitos confirmados pela Física Quântica.

Sério. Estava lá no slide. Parece piada, mas eu não estou inventando nada, juro. Foi o powerpoint quem disse. Se alguém quiser se aventurar a ler, tem uma cópia aqui. Um colega de fórum disse algo pertinente sobre o assunto: 'Antes de podermos falar que está errado, precisam arrumar muita coisa.'

Isso ia me servir como pretexto para um post sobre dar verificabilidade ao que se afirma. 'Cite suas fontes', em outras palavras. Mas acho que essa ideia combina mais com umas reflexões sobre espírito crítico que estou cultivando já há algum tempo. Então a verificabilidade vai ter que esperar e, enquanto isso, eu vou passar meu tempo procurando informações sobre astrologia, fadas e duendes. Até mais.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A lógica e o manifesto Unabomber



Theodore Kaczynski era uma pessoa meio estranha. Ele acreditava em coisas estranhas. Muita gente já ouviu falar dele pelo apelido, Unabomber, mas pouca gente já parou pra ler o que ele escreveu, o que ele queria. Não que ninguém deva perder tempo com isso, mas é no mínimo um exercício interessante.

Acabei caindo na página do manifesto algum tempo depois de ter assistido ao Clube da Luta. Tyler Durden, o alter ego machoso do Narrador da história do Clube, tem ideias e métodos parecidíssimos com os de Kaczynski. O manifesto é longo, bem elaborado, bem explicado, acessível. Se a minha memória e as minhas consultas por resumos no Google não me falham, ele se baseia no seguinte (vejam bem, estou só listando, não afirmando que concorde com qualquer coisa):

1. A sociedade pós industrial que conhecemos está em franca decadência. As pessoas, apesar de viverem mais tempo, estão muito menos felizes do que eram quando tinham vidas simples, trabalhavam na terra e dependiam menos de outras pessoas para conseguir o que precisavam.

2. A maior razão para a felicidade das pessoas diminuir é que sua liberdade diminui em decorrência da vida moderna. A revolução industrial trouxe mais regras, mais dependência externa e mais limitações. Até utensílios que aparentam aumentar a liberdade das pessoas, como carros, por exemplo, são na verdade limitadores e criam mais regras a serem obedecidas. Você perde a liberdade de andar à toa na rua sem se preocupar se vão te atropelar ou não, coisa que era absolutamente possível antes da revolução industrial.

3. A democracia é uma ilusão de participação. Mesmo que, por exemplo, Obama represente a maioria da população americana, ele toma decisões que afetam pessoas que não poderiam votar a favor ou contra ele - por exemplo, mexicanos e brasileiros.

4. A maior mostra da decadência moral moderna é o fenômeno conhecido como esquerdismo. Kaczynski passa vários e vários parágrafos definindo o que é de fato ser esquerdista, e chega à conclusão de que alguém de esquerda, na verdade, é um frustrado cheio de sentimentos de inferioridade.

And on, and on.

A conclusão a que ele chega é que a única forma de corrigir a situação é abrirmos mão totalmente da ciência e da tecnologia e voltarmos a viver como vivíamos antes da Revolução Industrial. Ele acredita que podemos chegar nesse ponto pela revolução, derrubando os governos, e, como não podia deixar de ser, matando pessoas no processo. Seria um mal necessário.

Desde o momento em que comecei a ler o manifesto já não concordava com o que Kaczynski afirmava. Mas o que de fato me impressionou, e me impressiona até hoje, é como lendo seu texto eu ficava apenas com a impressão de que ele estava, de alguma maneira, profundamente errado - e eu, perdido naquelas linhas agressivas e estranhamente bem construídas, não conseguia ver onde estavam todos aqueles erros. Pra mim era óbvio que o Unabomber tinha errado em algum ponto ou em vários pontos; mesmo que eu não conseguisse descobrir exatamente onde, as conclusões a que ele chegava eram flagrantes absurdos.

Isso me serviu como um aviso: não é porque a pessoa parece falar de forma logicamente bem construída que seu raciocínio está correto. É preciso muito, muito cuidado, particularmente quando as conclusões levam à discriminação, a desentendimento, a preconceito (mais ainda quando envolvem bombas). Já vi pessoas inteligentes soltarem frases racistas porque lhes parecia naquele momento que o racismo era uma conclusão logicamente correta; é óbvio que não era, já que qualquer tipo de racismo implica em desprezar um sem-número de fatores e explicar todas as diferenças observadas usando apenas um - fator esse que, por sinal, não faz diferença alguma.

O tempo passou, e agora relendo o texto noto vários pontos em que Kaczynski assumiu premissas que eu não aceitaria, ou tirou conclusões precipitadas baseado em informações que lhe interessavam, desprezando as contrárias às suas afirmações. De qualquer forma a lição ficou e, toda vez que leio alguma coisa categórica demais, de Olavo de Carvalho a Oscar Niemeyer, fico com os dois pés atrás. E ficar com os dois pés atrás, pelo menos nesses casos, não é nem um pouco ruim.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Cabo Anselmo, Conrad e Jô Soares

Os acontecimentos do golpe militar, ditadura e guerrilha ficaram, do meu ponto de vista, em uma posição estranha no cenário histórico brasileiro. Enquanto a história acontecia, eu não tinha opinião nenhuma; minha maior atividade política foi querer dar nome de Gorbachev para meu sobrinho que ia nascer (e que acabou vindo sobrinha, e, felizmente, não se chama Gorbacheva). Antes que alguém aponte o dedo sobre minhas preferências políticas, posso me defender comentando também que eu achava que o careca simpático Gorbachev era o americano e o russo, aquele russo com cara de bravo, nem sabia quem era. E era o Bush-pai, eu acho.

Enfim, eu era um moleque. E agora assisto aos desenrolares dessa 'ferida aberta' me abstendo de opinar porque, caramba, as pessoas que viveram a história estão aí, governando o estado, governando o país, falando mal do governo do estado ou do país, querendo que seus mortos sejam procurados, puxando de um lado ou do outro. As pessoas estão aí, ou pelo menos muitas delas, e é entre elas que eu acho que as coisas tem que se resolver. Não há espaço para um moleque falar de Anistia, reclamar da 'Bolsa-ditadura', demandar que corpos sejam procurados. Mesmo que ele tenha opiniões sobre essas coisas, como eu de fato tenho, abro mão do meu direito de emitir qualquer julgamento.

Estou acostumado a ver a História como alguma coisa distante (por exemplo, Segunda Guerra) ou alguma coisa que está sendo escrita (Chávez e companhia). A ditadura ficou em um meio-termo em que não estou nem distante o suficiente para contar como observador externo, nem perto o suficiente para me identificar formalmente com um ou outro lado. Fico em cima do muro, sem medo de cair.

De fato, 1964 parece distante quando penso em Jango e próximo quando penso em Serra, FHC e Lula.

Pois bem, digo isso meio como desculpas pelo comentário que quero fazer, uma coisa boba que notei depois de assistir os trechos que publicaram na internet da entrevista do Cabo Anselmo ao Canal Livre.

Cabo Anselmo, sem dúvida, é uma pessoa extremamente polêmica. E ele parece gostar disso. Fiquei embasbacado com suas respostas claras e objetivas, mesmo quando se esquivava de acusações praticamente inesquiváveis. Ele sempre tinha uma resposta na ponta da língua. As coisas simplesmente aconteciam em torno dele, como se ele estivesse ali mas não tivesse a menor ideia do que estava acontecendo. 'Eu só li o discurso, nem sabia quem tinha escrito, pra mim era só uma luta por direitos dos marinheiros.'

Cabo Anselmo era eu querendo colocar nome de Gorbachev na minha sobrinha pouco antes da queda do muro de Berlim.

Fiquei com isso na cabeça, ruminei por alguns dias. Quando estava terminando a coletânea 'Um Anarquista', do Joseph Conrad, me toquei que o personagem principal do último conto tinha algumas semelhanças com o protagonista de 'O homem que matou Getúlio Vargas', do Jô Soares (claro, guardadas as devidas proporções). O personagem de Conrad não é de fato anarquista; o mundo simplesmente o leva a fazer as coisas (em seu próprio julgamento, erradas) que faz. O personagem de Jô Soares é um grande anarquista que tenta fazer as coisas e não consegue. E quando não quer, faz.

Nisso me lembrei novamente do Cabo Anselmo. Em suas palavras, ele nunca foi comunista. Em suas palavras, ele não queria a revolução. Em suas palavras, sua única traição foi para com a Pátria. Em suas palavras, ele atuou como agente duplo porque não havia alternativa, porque a alternativa era a morte. Em suas palavras, ele nunca participou diretamente na morte de um ou outro guerrilheiro. As coisas simplesmente o obrigaram a tomar os rumos que tomou.

Se formos levar Cabo Anselmo a sério, ele não foi responsável por nada de importante que aconteceu em sua vida política. Ele é o anarquista de Conrad.

Eu não tenho nada a ver com a história, mas, mesmo assim, não acredito.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Nocebo

Uma nota rápida.

Há bastante tempo eu havia ouvido falar das maravilhas causadas pelo efeito placebo.

Vivendo e aprendendo: acabei de descobrir hoje o efeito nocebo!

Aqui é citada uma pesquisa de 1992 que mostrou que mulheres informadas sobre seus problemas cardíacos tinham quatro vezes mais chance de realmente ter um infarto do que mulheres nas mesmas condições que não tinham conhecimento de seus problemas. Aparentemente é verdade aquela história que diz que, às vezes, é melhor nem saber.

A New Scientist cita um caso em que um homem diagnosticado com um tumor terminal no fígado morreu dentro da previsão dada pelos médicos e, depois de feita a autópsia, descobriu-se que o tumor era mínimo - insuficiente para causar a morte do paciente.

O efeito nocebo também é usado para explicar maldições que realmente levam pessoas à morte em culturas que acreditam em vodoos, por exemplo, mas o assunto é controverso, como não poderia deixar de ser.

domingo, 13 de setembro de 2009

Conversa rápida (e probabilisticamente verídica)

- Então, cara. Mas o que os caras acham é que esses eventos são imprevisíveis em sua essência, não é que está faltando alguma variável. Bom, isso de acordo com algumas interpretações.

- Entendi. Negócio esquisito, não, toda aquela história do gato vivo/morto ao mesmo tempo...

- Do que vocês estão falando? Que história de gato é essa?

- Então. Quântica. Um cara chamado Schrödinger imaginou uma experiência em que havia uma armadilha ligada a um pedaço de urânio dentro de uma caixa, com um gato. Se o urânio liberar uma partícula qualquer (um evento que seria indeterminístico por natureza) a armadilha é acionada e o gato morre. Esse Schrödinger disse que enquanto você não abrir a caixa, o gato vai estar vivo e morto ao mesmo tempo e, quando ela for aberta, a função de onda colapsa e o gato aparece ou vivo, ou morto.

- Eita. Antes a gente falava de mulher, depois de futebol, depois xingava a mãe dos outros. Agora eu chego aqui e vocês ficam falando dessas coisas. Que viagem. Eu quero tomar coco na praia.

*silêncio*

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Fernando, o simulador


(Conto longo e bobo inspirado em A última pergunta do Asimov.)

Fernando se aproximou de seu DX-100 com uma ideia nova. Lá por aqueles idos de 2740, não havia muito o que se fazer na rua. As pessoas passavam a maior parte de seu tempo conectadas, navegando na Rede, discutindo o sexo dos anjos.

Ele já havia desenvolvido várias simulações computacionais. Criar universos completos levavam muito tempo; gostava mais de simular apenas situações específicas, ecossistemas fechados, acelerar drasticamente a seleção natural entre alguns poucos competidores e apostar mentalmente em quem iria ganhar. Às vezes acertava, às vezes errava, às vezes as espécies deixavam de competir entre si e passavam a conviver. Ele já tinha criado um ou dois universos completos, mas baseados no Universo padrão, sem alterações.

As simulações o entediavam com o tempo. Era sempre a mesma coisa; os seres se desenvolviam, criavam consciência, procuravam por Deus, se tocavam que provavelmente estariam dentro de uma simulação e, quase invariavelmente, se exterminavam com suas próprias tecnologias.

Dessa vez ele queria algo diferente. Fernando selecionou da Rede a simulação de Universo padrão e deixou ela aberta. Procurou com cautela as leis que precisaria alterar e incrementou a regra que tinha imaginado. Foi um pouco difícil relacionar informação biológica com constantes físicas, mas ele conseguiu.

Fernando rodou a simulação e ficou olhando enquanto seu Universo se expandia, se formavam as estrelas gigantescas, que depois explodiam e formavam estrelas menores e planetas. As usual.

Se tudo corresse bem, a alteração de Fernando só faria diferença depois de vida consciente surgir em sua simulação de Universo. Enquanto esperava, ele navegou pela Rede, procurando sem sucesso por experimentos semelhantes. Logo surgiam na simulação primeiras moléculas orgânicas, o primeiro sinal de vida. Fernando tomava nota de cada desenvolvimento promissor em cada planeta potencialmente habitável.

Seu DX sofria. Já havia passado mais de uma semana e praticamente todo o poder de processamento da máquina era destinado à simulação. E Fernando esperava, paciente, quando a primeira consciência se formou em um planeta qualquer e suas alterações começaram (ufa) a dar resultados.

Na simulação de Fernando, todas as leis do Universo conhecido eram mantidas e apenas uma nova regra foi adicionada. Era uma adição simples de ser definida, apesar de ser difícil de se conceber: toda vez que algum ser imaginasse algo com sinceridade, com fé de que aquilo aconteceria, havia uma chance em cem de que o evento realmente acontecesse. Fernando chamou essa possibilidade simplesmente de 'milagre'. Qualquer coisa era permitida, de curar uma doença a criar asas, de se teletransportar a materializar nuvens no céu e fazer chover. Porém, não poderia ser algo que não tivesse materialização física (por exemplo, felicidade, imortalidade ou paz na Terra) nem contraditório com as leis fundamentais da natureza (voltar no tempo). No entanto, era possível materializar e desmaterializar praticamente qualquer coisa.

Fernando também tomou o cuidado de não permitir a passagem de eventuais alterações corporais aos descendentes, já que isso minaria todos os princípios da seleção natural. Além disso, depois do uso de um Milagre, o animal que o desejou não conseguiria realizar nenhum outro por pelo menos uma semana.

No começo as diferenças eram mínimas. Animais desapareciam das garras dos predadores e reapareciam distantes, em segurança. Predadores surgiam em cima de presas aparentemente vindos do nada.

Apesar de reduzir drasticamente a velocidade da simulação, Fernando percebeu que havia um problema fundamental em sua ideia. Ele havia medido a 'fé' dos animais através de padrões de ondas cerebrais. O problema é que mutações em determinados genes faziam os padrões de onda cerebrais serem facilmente atingidos, e a seleção natural acabava por 'preferir' os animais que tinham essas mutações. Afinal, é muito mais adaptável um animal que desaparece quando está a centímetros da boca do predador do que outro que simplesmente empenha todas as suas energias em fugir com suas patas.

O 'problema' se agravou rapidamente e logo todos os animais pensantes do pequeno planeta apresentavam o padrão de onda que Fernando tinha selecionado, praticamente durante o tempo todo.

Nesse ponto aconteceram eventos rápidos e interessantes. O padrão de onda começou a se desvalorizar entre os herbívoros, enquanto que entre grandes predadores ele foi fortemente estabelecido. A explicação para a desvalorização entre os herbívoros é simples; se muito cheios de fé, eles acreditavam que podiam enfrentar e vencer os predadores (uma possibilidade que somente uma vez em cada cem seria verdadeira e, mesmo nesses casos, uma vez por semana).

Únicos portadores da possibilidade do Milagre, os carnívoros se desenvolveram rapidamente e a cadeia alimentar entrou em colapso. Fernando teve que intervir, alterando a simulação enquanto ela estava sendo executada; alterou o padrão de onda buscado para um estado de consciência que conhecemos como Zen, que só poderia ser alcançado por animais que tivessem consciência de sua consciência.

As coisas se restabeleceram e continuaram um curso relativamente normal depois disso. Milhares e milhares de animais surgiram e desapareceram até que um pequeno bípede finalmente alcançou uma situação razoavelmente parecida à humana de desenvolvimento cerebral. Consciência de consciência, de consciência de consciência, etc

Os animais, chamados por Fernando de Obakus, se organizavam em grupos sociais e caçavam. A linguagem dos Obakus se desenvolveu devagar, mas logo transmitiam uns aos outros peripécias que haviam conseguido enquanto estavam em zen.

O tempo passou. Os Obakus se tornaram sedentários; animais foram domesticados. Corpos passaram a ser enterrados. E, é claro, a prática zen começou a ser entendida e praticada.

Em alguns momentos algum Obaku maluco desejava um martelo gigantesco pra esmagar o mundo mas, antes que algo grave pudesse acontecer, algum outro Obaku 'anulava' seu péssimo desejo com outro desejo. Foi por pouco em algumas situações, mas seu pequeno mundo sobreviveu.

E assim as coisas foram caminhando, e uma religião se formou, baseada em três verdades fundamentais:
- a adoração pelo Provedor do Milagre;
- o respeito por outros Obakus;
- o uso do Milagre apenas depois da aprovação dos mestres religiosos.

Por essa época, Fernando teve que intervir pela segunda vez. Os Obakus começaram a ficar folgados e, organizados socialmente, não faziam mais nada. Havia uma rotação entre 'desejadores de comida', 'desejadores de casas', 'desejadores de transportes', 'desejadores de construções'. Era muito mais fácil fazer as coisas pelo Milagre do que efetivamente produzindo. Toda a organização social dos Obakus se baseava nos desejos. Fernando não gostou disso. As coisas simplesmente não progrediam.

Fez uma alteração simples: deixou o Milagre muito mais raro: uma chance em dez mil. Além disso, criou limites físicos mais rígidos para os pedidos. Só se podia alterar o que se observava com os olhos; não era mais possível criar matéria/energia do nada (ela tinha que vir de algum lugar próximo, ser transformada). Não era mais possível alterar a realidade como antigamente.

No mundo dos Obakus, havia duas grandes massas de terra separadas por oceanos de água bem esverdeada. No continente leste, viviam os Obakus que se vestiam de azul e, no continente oeste, os Obakus que se vestiam de verde. A diferença fundamental entre eles é que os Obakus azuis dormiam com os pés voltados pro Norte, de acordo com os ensinamentos de um sábio antigo, e os Obakus verdes dormiam com os pés voltados pro Sul, de acordo com os ensinamentos de um outro sábio antigo, ou o mesmo, dependendo da interpretação.

A alteração de Fernando teve efeitos catastróficos sobre a economia e o mundo conhecido dos Obakus ruiu em poucas semanas.

Imediatamente, líderes políticos e religiosos dos dois continentes culparam o continente contrário pelos problemas em conseguir os Milagres. Alguns fundamentalistas afirmavam, nos dois continentes, que a simples existência do grupo concorrente era uma ofensa ao Provedor do Milagre e que, por isso, a desgraça se abatia sobre eles. Chegava o Fim, afirmavam.

E a guerra se abateu sobre o planeta. Os resultados de um confronto entre portadores do Milagre, mesmo com sua potencialidade reduzida, foram catastróficos; quase veio a extinção. Fernando observou de longe, rindo da situação, guerreiros explodindo as tropas inimigas usando paus, pedras e meditação zen. A capacidade de hipocrisia dos Obakus era enorme.

Mas finalmente a grande guerra, como ficou conhecida posteriormente, acabou. Nenhum continente conseguiu se manter organizado o suficiente para transmitir a seus seguidores uma informação sobre vitória ou derrota. Vieram tempos de paz; diversas religiões pacifistas surgiram. Os Obakus ainda usavam frequentemente o Milagre, mas aprenderam a dominar a Natureza de outras formas.

Devagar, engatinhando, surgiu a Ciência. E um grande cientista Obaku descobriu o padrão de onda que tornava possível o Milagre. E o tempo passou, e os cientistas chafurdavam mais e mais nas fundações da simulação, e vieram a Relativística, a Quântica. E um dia, nos cantos de um laboratório no meio da madrugada, um Obaku tentava resolver um problema clássico quando descobriu nas menores partículas da Natureza a inscrição do Milagre. Estava ali, sempre havia estado. Tudo se revelava a ele, o Universo fazia sentido, e ele entendia que estava olhando a Verdade por uma janela ampla, quase sem limites. Agora, eles poderiam manipular o Milagre, usá-lo para expandir os limites de sua raça, expandir a energia, o conhecimento. Antes eles tinham o Milagre; depois tinham o Conhecimento; agora tinham a infinitude do Milagre e do Conhecimento.

Fernando sorriu ao notar o que o cientista havia conseguido. Teve a impressão de que, por um segundo, ou por um milésimo de centésimo de segundo, o pequeno Obaku tinha visto a ele, Fernando, por trás de todas as camadas de software e hardware, por trás de toda a Simulação.

Fernando ainda sorria quando desligou o DX-100 e foi para a rua, procurar por alguém desconectado.

sábado, 5 de setembro de 2009

De Bombadil, Manhattan e Lamborghinis

(Post com spoilers de 'O Senhor dos Anéis' e de 'Watchmen'. E nerd ao extremo.)

Desde que li 'O Senhor dos Anéis' pela primeira vez, considerei Tom Bombadil um dos personagens mais intrigantes da história. Para quem não leu ou não se lembra, ele é um cara esquisito que está sempre cantando sobre a felicidade, a natureza e sua companheira Fruta d'Ouro. Depois de salvar Frodo do Salgueiro-Homem, Bombadil dá várias pistas sobre poderes que possui sobre o lugar onde vive. Ele se auto-intitula the eldest (o mais antigo) e diz se lembrar da primeira gota de chuva e da primeira bolota.


Estranhamente, o Um Anel não tem poder algum sobre Bombadil. Ele o segura, o coloca em seus dedos por alguns instantes sem ficar invisível, brinca com ele e o devolve a Frodo como se fosse um anel qualquer. Nem mesmo os personagens reconhecidamente poderosos da saga (como Gandalf, Elrond e Galadriel) são imunes ao poder do Anel - muito pelo contrário, ficam terrivelmente tentados por ele.

Em O Senhor dos Anéis, durante o conselho de Valfenda, os participantes cogitam a possibilidade de deixar o Um Anel nas mãos de Bombadil, mas Gandalf acredita que ele não daria ao Anel a importância merecida e acabaria perdendo-o.

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O Doutor Manhattan é, em Watchmen, um humano que passou por um acidente envolvendo radiação e ganhou grandes poderes sobre o universo. Ele aparentemente vive em uma realidade quântica, demonstrando capacidades de alterar o tempo e a matéria que o deixam muito além de qualquer humano. Manhattan consegue se teletransportar, teletransportar seus amigos, ver o futuro, controlar a matéria próxima a ele (desintegrando tanques de guerra, por exemplo), estar em vários lugares ao mesmo tempo e se reconstruir do nada.


Uma das partes mais importantes de Watchmen retrata Laurie tentando convencer o Doutor Manhattan a salvar o planeta de uma guerra nuclear inevitável. Na história, ele vence praticamente sozinho guerra do Vietnã, mas desde então tem se afastado dos afazeres humanos cada vez mais.

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Obviamente o Doutor Manhattan é muito mais poderoso do que Bombadil, mas os dois guardam relações análogas com suas respectivas histórias. Ambos estão tão distantes, tão 'avançados', que eventos cruciais para os humanos são para eles apenas detalhes. Aparentemente, Bombadil representa a Terra Média em si, um avatar da natureza. Com ou sem Sauron, a Terra Média iria continuar. Para o Doutor Manhattan, a Terra e a humanidade são apenas detalhes de uma história que está sendo contada em todo o universo. "Na minha opinião, a existência de vida é um fenômeno altamente supervalorizado." - palavras dele.

As soluções de nossos problemas são viáveis a personagens como esses, mas eles não se importam com elas. É como se fôssemos formigas pedindo a um humano para que ele trouxesse um cubo de açúcar para nossa rainha.

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Talvez Bombadil e Manhattan só apareçam em suas histórias para nos lembrar que, apesar de sermos relativamente poderosos, ainda temos muitos problemas difíceis a resolver. E o pior: só podemos contar com nossa própria capacidade. Os problemas que causamos não desaparecem como mágica. O mundo não vai ser um lugar melhor se todas as famílias resolverem ter 19 filhos. O mundo não vai ser um lugar melhor se todos comprarmos Lamborghinis Murcielagos de 12 cilindros (o pior carro do mundo na relação km/l).



O mundo não vai melhorar se ignorarmos que os problemas existem; também não vai melhorar se esperarmos a solução cair dos céus, ou se acreditarmos que nada do que fizermos irá fazer qualquer diferença.


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Uma pequena nota: ouvi de um colega (muito inteligente por sinal, e digo isso sem nenhuma ironia) que mudanças no clima sempre aconteceram e que adiar o aquecimento global é só adiar o inevitável. Disse que é melhor não fazer nada, deixar acontecer. Na hora não consegui pensar em nada para responder, mas agora me veio à mente que 'vamos morrer, é inevitável. Então tomar antibiótico é adiar o inevitável. É melhor não fazer nada, deixar acontecer.'. Tenho certeza de que ele não concordaria com isso.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Dawkins e o delírio

Terminei de ler 'Deus, um delírio'. Não vou fazer nenhuma resenha porque essas já existem aos montes espalhadas pela net, mas vou listar algumas notas em que pensei enquanto estava lendo.

Em primeiro lugar, acredito que Dawkins fez uma ótima escolha mercadológica para o título do livro, mas uma péssima escolha como advogado de sua causa. O título dá a impressão de que o texto vai ser muito mais agressivo do que de fato é.

Os argumentos pró e contra a existência de Deus são os mesmos de sempre, batidos e rebatidos. Qualquer pessoa que tenha se interessado pelo assunto conhece os dois lados da briga, suas forças e falhas. A única real contribuição de Dawkins ao debate é a inclusão do conceito de probabilidade; mas, pessoalmente, eu acredito que seja um assunto que não há de se resolver nunca e que Deus vai ser sempre uma questão mais de fé do que de razão. E não vejo qualquer problema nisso.

A parte mais interessante do livro foi a rápida incursão de Dawkins na motivação evolutiva para a religião. Uma abordagem evolutiva coerente daria boas respostas sobre o porque de acreditarmos em gnomos, duendes, porque temos medo do número 13, porque jogamos na mega sena. Não sei se por falta de bagagem em Biologia, achei os argumentos de Dawkins nessa área um pouco deficientes. Talvez no futuro haja explicações e experimentos melhores. Além disso, seria útil uma abordagem que fornecesse previsões testáveis - o que até agora aparentemente não aconteceu.

Uma coisa que há de se notar, mesmo entre os descrentes, é que Sagan e Russell são muito, mas muito melhores do que Dawkins no que diz respeito ao uso do racionalismo. Sagan conseguia minar mais a religião falando de relatos de extraterrestres* do que Dawkins falando diretamente de religião.

Em alguns momentos do livro, aparecem lacunas que são preenchidas com pressa, como se Dawkins tivesse medo de ser citado fora de contexto - como de fato foi e vai ser por muito tempo. Com isso, o rigor racional se perde e ele aparentemente aceita proposições não testáveis só porque se encaixam com suas ideias, exatamente como os crentes o fazem. No entanto, Dawkins mostra uma ampla desenvoltura quando está falando especificamente de Biologia. Talvez ele devesse se ater mais ao seu campo, onde é definitivamente brilhante, e deixar as pessoas tirarem suas conclusões sozinhas.

* - Entenda-se como análise crítica de relatos de UFOs e argumentos indicando o porque dele, Sagan, não acreditar nesses relatos.