Os acontecimentos do golpe militar, ditadura e guerrilha ficaram, do meu ponto de vista, em uma posição estranha no cenário histórico brasileiro. Enquanto a história acontecia, eu não tinha opinião nenhuma; minha maior atividade política foi querer dar nome de Gorbachev para meu sobrinho que ia nascer (e que acabou vindo sobrinha, e, felizmente, não se chama Gorbacheva). Antes que alguém aponte o dedo sobre minhas preferências políticas, posso me defender comentando também que eu achava que o careca simpático Gorbachev era o americano e o russo, aquele russo com cara de bravo, nem sabia quem era. E era o Bush-pai, eu acho.
Enfim, eu era um moleque. E agora assisto aos desenrolares dessa 'ferida aberta' me abstendo de opinar porque, caramba, as pessoas que viveram a história estão aí, governando o estado, governando o país, falando mal do governo do estado ou do país, querendo que seus mortos sejam procurados, puxando de um lado ou do outro. As pessoas estão aí, ou pelo menos muitas delas, e é entre elas que eu acho que as coisas tem que se resolver. Não há espaço para um moleque falar de Anistia, reclamar da 'Bolsa-ditadura', demandar que corpos sejam procurados. Mesmo que ele tenha opiniões sobre essas coisas, como eu de fato tenho, abro mão do meu direito de emitir qualquer julgamento.
Estou acostumado a ver a História como alguma coisa distante (por exemplo, Segunda Guerra) ou alguma coisa que está sendo escrita (Chávez e companhia). A ditadura ficou em um meio-termo em que não estou nem distante o suficiente para contar como observador externo, nem perto o suficiente para me identificar formalmente com um ou outro lado. Fico em cima do muro, sem medo de cair.
De fato, 1964 parece distante quando penso em Jango e próximo quando penso em Serra, FHC e Lula.
Pois bem, digo isso meio como desculpas pelo comentário que quero fazer, uma coisa boba que notei depois de assistir os trechos que publicaram na internet da entrevista do Cabo Anselmo ao Canal Livre.
Cabo Anselmo, sem dúvida, é uma pessoa extremamente polêmica. E ele parece gostar disso. Fiquei embasbacado com suas respostas claras e objetivas, mesmo quando se esquivava de acusações praticamente inesquiváveis. Ele sempre tinha uma resposta na ponta da língua. As coisas simplesmente aconteciam em torno dele, como se ele estivesse ali mas não tivesse a menor ideia do que estava acontecendo. 'Eu só li o discurso, nem sabia quem tinha escrito, pra mim era só uma luta por direitos dos marinheiros.'
Cabo Anselmo era eu querendo colocar nome de Gorbachev na minha sobrinha pouco antes da queda do muro de Berlim.
Fiquei com isso na cabeça, ruminei por alguns dias. Quando estava terminando a coletânea 'Um Anarquista', do Joseph Conrad, me toquei que o personagem principal do último conto tinha algumas semelhanças com o protagonista de 'O homem que matou Getúlio Vargas', do Jô Soares (claro, guardadas as devidas proporções). O personagem de Conrad não é de fato anarquista; o mundo simplesmente o leva a fazer as coisas (em seu próprio julgamento, erradas) que faz. O personagem de Jô Soares é um grande anarquista que tenta fazer as coisas e não consegue. E quando não quer, faz.
Nisso me lembrei novamente do Cabo Anselmo. Em suas palavras, ele nunca foi comunista. Em suas palavras, ele não queria a revolução. Em suas palavras, sua única traição foi para com a Pátria. Em suas palavras, ele atuou como agente duplo porque não havia alternativa, porque a alternativa era a morte. Em suas palavras, ele nunca participou diretamente na morte de um ou outro guerrilheiro. As coisas simplesmente o obrigaram a tomar os rumos que tomou.
Se formos levar Cabo Anselmo a sério, ele não foi responsável por nada de importante que aconteceu em sua vida política. Ele é o anarquista de Conrad.
Eu não tenho nada a ver com a história, mas, mesmo assim, não acredito.
Matinê
Há 7 anos
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