domingo, 20 de março de 2016

My Beautiful Broken Brain

My Beautiful Broken Brain (disponível na Netflix) é um documentário sobre o primeiro ano da recuperação de Lotje Sodderland, roteirista de 34 anos, depois de um derrame. Com problemas de leitura, fala e memória, Lotje começa a gravar toda a sua rotina no telefone como forma de fazer um registro e não ter sua vida apagada em seus lapsos de consciência.

O filme tenta mostrar o mundo pela visão da protagonista, uma profusão muito confusa de cores e sons. Um semi-sonho estranho, como um filme de David Lynch, onde alucinação e realidade se misturam, os instantes e a percepção de tempo se alongam e distorcem. Lynch acaba se tornando produtor do documentário depois de insistentes mensagens de Lotje.

Além da já esperada história de superação e percalços, gostei de como Lodje se volta pra dentro de seu eu como forma de reaprender a viver, não levando em conta suas limitações, mas expandindo sua consciência. Como numa citação de Lynch que aparece duas vezes: "Within your own self is a treasury, an ocean of pure bliss, consciousness, intelligence, creativity and love". Lynch é adepto de meditação e acredita que através dela podemos encontrar níveis mais altos de consciência e paz. Em tempos tão cheios de revolta e agressividade, a ideia parece estranha como uma flor em meio a escombros.

Outra coisa interessante é que a memória auxiliar de Lotje - seu celular gravando constantemente - e o próprio documentário são um contraponto a visões negativas sobre as relações entre sociedade, cultura e tecnologia disseminada. O processo de gravar sua rotina e transformar os vídeos em um documentário se torna parte de seu processo de recuperação, além de ser uma experiência rica pra quem assiste. Não precisa ser como em Black Mirror. Não podemos ser otimistas demais, mas também não é preciso ser tão pessimista.

domingo, 13 de março de 2016

Sobre 13/03


Vamos brincar de onde está Wally?
Encontre a limousine; encontre a babá empurrando o carrinho; encontre o cartaz pedindo intervenção militar. Exponha; fale como se fosse a regra, ignore as proporções e você vai ter um argumento de culpa por associação prontinho.

Mas se vale a culpa por associação, também podemos acusar os defensores do governo de estarem aliados a grupos extremamente retrógrados da CUT e do MST, que apoiam ditaduras de esquerda abertamente. Ou podemos falar de Lula, que tirou fotos dando a mão a Ahmadinejad, anti semita notório, e também chamou o ditador Kadafi de amigo e irmão para o mundo inteiro ouvir. E claro, nenhum governista gosta de ser chamado de bandido, ainda que o partido do governo dificilmente passe uma semana sem ter algum de seus membros levado pra cadeia.

(Não acho que quem defenda o governo possa ser chamado de bandido, mas também não acho que quem esteja contra possa ser chamado de fascista. You can't have it both ways.)

A associação é um instrumento, uma ferramenta de retórica usada com um objetivo simples: deslegitimar o protesto. As pessoas não estão preocupadas de verdade com a dignidade da babá, ou não exporiam sua imagem. A babá vira um objeto duas vezes, primeiro pelo empregador utilizando seu trabalho estranhamente uniformizado em um domingo, em um evento onde a presença de uma babá é no mínimo estranha; e segundo por quem posta a foto e a chama de escrava, sem lhe dar voz, sem saber de sua história e expondo seu rosto, com óbvios objetivos políticos.

Li alguém no twitter falado de Churchill, que ilustra bem como é fraco o argumento da associação. Churchill era bom em antever os objetivos dos outros e descrevia o mal que via em Stálin enquanto os presidentes americanos ainda o adoravam. Mesmo assim, se uniu a ele para derrubar Hitler. Churchill não passaria por um argumento de culpa por associação, mas passou no teste da história; você pode não gostar dele, mas se ele não tivesse existido e tomado as decisões que tomou, é possível que hoje estivéssemos todos falando alemão.

Não me sinto culpado por ser abertamente contra o governo, mesmo que outras pessoas com ideias que não condizem com as minhas cheguem à mesma conclusão. Como disse Eduardo Jorge, a rua é larga.