sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Eleições e esvaziamento de discurso

Eu fiz uma promessa mental de não falar diretamente sobre as eleições. Mas como não venho tendo assunto pra nada, resolvi escrever sobre apenas um aspecto dela, que tem sido muito notável do fim do primeiro turno pra cá: a generalização do discurso.

Nos EUA, como todos sabem, o sistema é bipartidário. Existem outros candidatos mas, basicamente, a opção do eleitor é entre o liberal e o conservador. E, apesar dos discursos mudarem ano a ano de acordo com as circunstâncias, os candidatos (pasmem!) defendem ideias diferentes durante a campanha. Os republicanos tendem a gostar mais de impostos mais baixos, menos benefícios sociais, mais gastos com segurança nacional, menos intervenções estatais na economia. Os liberais tendem a gostar mais de impostos mais altos, mais benefícios sociais, leis de imigração menos rígidas e mais intervenções do Estado na economia. Obviamente, os candidatos em si fazem diferença, mas olhando para seu partido você tem um framework das ideias daquela pessoa.

No Brasil, é uma festa. Todo mundo apoia a ideia mais popular, não importa se vai contra suas convicções pessoais sustentadas há décadas, pelo candidato e pelo partido. Há diferenças notórias entre os dois candidatos, mas, de certa forma, eles são muito parecidos. Como diria a minha mãe, 'tudo farinha do mesmo saco'.

Parece uma análise muito superficial, mas não é. Serra pretende ampliar o Bolsa Família, maior bandeira do PT no governo; Dilma 'voltou atrás' em suas convicções sobre o aborto e agora se diz contra a legalização. Serra, o economista, tenta se colocar como candidato dos pobres, o Zé. Dilma, a ex-comunista, agora escreve cartas ao 'povo de Deus'.

É claro que as coisas não mudam do dia para a noite; Serra provavelmente mudaria alguma coisa no Bolsa Família para que o programa ficasse mais a seu gosto; Dilma provavelmente será sempre favorável à legalização do aborto. Óbvio também que isso pode ficar apenas dentro de sua cabeça e nunca se manifestar.

O que acontece na prática é que os dois candidatos tentam se transformar em um terceiro, um candidato-nada que defende ideias contraditórias em um mesmo discurso vazio. Ele é a favor de diminuir os impostos e os juros, mas também quer aumentar os investimentos sociais e em infraestrutura. Ele é a favor da independência feminina e contra o aborto; ele é contra a censura mas a favor de leis que controlem o que as crianças vão ver na TV.

Não se pode ter tudo. O que Serra fez no primeiro turno (se colocando ao lado de Lula nos comerciais, por exemplo) e o que Dilma está fazendo no segundo é lamentável. O que surge diante de um eleitor mais consciente é uma absoluta falta de coerência, como se ideias, princípios e convicções pudessem se transformar em velas guiadas pelo vento da opinião pública daquele momento em particular.

Pouco importa o nome daquele que tiver maioria em 31 de outubro, o candidato eleito não vai ser Serra nem Dilma. Será um terceiro, totalmente imprevisível, já que é impossível atender a dois princípios conflitantes simultaneamente. Ao invés de dois candidatos, não temos nenhum.