Mas aí, na semana passada, a Deh me mandou um post da Lola sobre ateísmo e resolvi colocar aqui alguma coisa sobre o assunto, com um tom mais pessoal, à moda dos primeiros posts.
Bom, tudo começou quando eu nasci em uma família católica, bem católica. Meu pai era Ministro da Eucaristia e, segundo ouvi dizer, desejava ver seu mais jovem filho, eu, formado padre. Bem, não aconteceu. Eu fui batizado, fiz primeira comunhão, crisma, encontro de jovens, novenas, orações, fui comentarista, etc, etc, etc. Só não fui coroinha. Pensando nisso agora, lembro de um episódio muito engraçado em que uma tia me colocou, quando eu tinha uns 10 anos de idade, pra assistir um documentário sobre Evolução. Fiquei confuso, bem confuso.
Depois, devagar, bem devagar mesmo, fui me distanciando do Catolicismo para cair em uma espécie de Deísmo fajuto que eu mesmo definia. Aquela conversa de sempre: 'católico não-praticante'. Ou melhor, 'católico fajuto', porque pra ser católico é preciso ser praticante, certo? Nessa época me envolvi com uns amigos que se interessavam por Nova Era, cristais, Ashtar Sheran e tudo que fosse mais ou menos próximo disso. O assunto basicamente só girava em torno desses tópicos, conversas intermináveis sobre o lado oculto da Lua, combustão espontânea e tudo mais.
Nessa época, eu praticava artes marciais e na academia ouvia outras histórias, também diferentes, sobre 'energia' e respeito aos ancestrais - histórias diferentes do que era dito na igreja e das conversas sobre o Ashtar. Comecei a me sentir meio deslocado porque achava boa parte daquilo tudo bobagem - bonito, mas nem um pouco palpável.
Um dia me toquei que nem todo mundo poderia estar certo ao mesmo tempo. Entre a academia, os cristais e a igreja, pelo menos dois estariam necessariamente errados. Mas por motivos logísticos, deixei a academia e as conversas sobre cristais, assim como já tinha deixado a igreja. Segui com a vida, sem pensar muito no assunto.
Então veio um longo e mais ou menos aplicado período de aprendizado sobre ciência e filosofia, Carl Sagan, Descartes, Kant, Hume, Bertrand Russell, Evolução, Física, e as coisas foram se acumulando até chegar ao agora, em que escrevo isso.
Meu interesse por religiosidade aumentou novamente, apesar de ser uma preocupação essencialmente muito diferente da que eu tinha quando menino ('Eu acho que estava fazendo o sinal da cruz invertido. Será que se eu fizer o sinal da cruz tocando o lado direito antes do esquerdo Deus vai desconsiderar todas as minhas orações e me mandar pro inferno?'). Conheço as cinco vias, conheço o argumento Kalam, provavelmente sei defender o teísmo (pelo menos racionalmente) melhor do que oito entre dez teístas.
Mesmo assim, conforme o tempo passa, mais as ideias religiosas me parecem estranhas. Não só o Cristianismo (que tem um belíssimo paradigma moral, que não é seguido por religiosamente (ops, palavra ruim) ninguém fora algumas digníssimas exceções) mas também todas as religiões sobre as quais me informei com um pouco mais de profundidade. Cada vez mais me parecem com uma tentativa desesperada do ser humano de ganhar um confete transcendental, sentir uma importância que de fato não temos. Sentir que somos especiais. Sentir que podemos evitar o abismo niilista que está ali à frente, a um passo. Não quer dizer que nada disso esteja necessariamente errado. Só me parece fácil demais. Conveniente demais.
Enfim, não me envergonho de ser humano, mesmo com toda a pregação nesse sentido que é feita pelas mais diversas religiões. E é aqui que eu estou agora, (sempre) tentando me resolver, tentando pensar o passo seguinte. Vez em quando olhando pra baixo, vez em quando olhando pra cima. O que me aflige, de fato, é que tanta gente não consiga deixar os demais encontrarem seu caminho, seguirem sua vida. Digo isso pra todos, inclusive eu mesmo. Viva a diversidade.
E eu já postei isso antes, mas vale a pena repostar - de 'O nome da rosa':
"Mas então", ousei comentar, "estais ainda longe da solução..."
"Estou pertíssimo", disse Guilherme, "mas não sei de qual."
"Então não tendes uma única resposta para vossas perguntas?"
"Adso, se a tivesse ensinaria teologia em Paris."
"Em Paris eles têm sempre a resposta verdadeira?"
"Nunca", disse Guilherme, "mas são muito seguros de seus erros."
"E vós", disse eu com impertinência infantil, "nunca cometeis erros?"
"Frequentemente", respondeu. "Mas ao invés de conceber um único erro imagino muitos, assim não me torno escravo de nenhum."