No lugar dele, peguei 'A invenção de Morel', do Bioy Casares - autor de quem sempre ouvi falar mas que ainda não havia conhecido. O prefácio do livro foi escrito pelo Borges, e termina com a seguinte frase:
Discuti com o autor os pormenores da trama e a reli; não me parece uma imprecisão ou uma hipérbole qualificá-la de perfeita.
A afirmação é forte. É difícil definir a perfeição e mais difícil ainda atribuir a uma história o status de perfeita. Mas entendo que Borges estava querendo dizer que, dentro da própria história, dentro do que ela se propõe, ela alcança o que se pode chamar de perfeição.
Isso me levou a lembrar de outra coisa. Na bienal de alguns anos atrás, compramos uma coletânea de contos com temática borgiana: 'Contos fantásticos no labirinto de Borges'. O livro se compõe de várias histórias que de alguma forma se relacionam com o ideário explorado por ele, Borges. De Kafka a Chesterton, de Poe a H.G. Wells. Deveras interessante.
É logo o primeiro conto da coletânea o que me passou pela cabeça: 'A livraria', escrito por Nelson Bond, um autor norte-americano relativamente pouco conhecido. A história fala de uma livraria que contém os livros que não foram escritos, com as histórias que foram imaginadas pelos autores levadas à perfeição. Milton, Austen, Shakespeare, estão todos lá, com histórias não publicadas, escritas de maneira irrepreensível. Mas os livros não podem nunca sair da livraria - o que, compreensivelmente, não é uma recomendação aceita pelo visitante.
Acredito que era à ideia desses livros que Borges se referia quando chamou o livro de Casares de perfeito: ele, Casares, explorou tudo o que poderia ser explorado dentro daquele mundo.
Um livro realmente Perfeito (e aqui levo a ideia ao extremo) substituiria qualquer outro e teria todos os outros livros dentro de si - uma espécie de "Biblioteca de Babel" de histórias que agradam a todos em qualquer circunstância. Com esse livro perfeito, não precisaria de nenhum outro. É algo impossível de ser imaginado... eu mal consigo conceber uma história que seja agradável a todos os meus 'eus' (o meu eu de dez anos atrás, o meu eu de 15 anos atrás, o meu eu de hoje) e isso seria não seria nem o começo do problema. Teria que ser versátil o suficiente para agradar a leitores de James Joyce e José Sarney (aarrrgh). Isso deve ser realmente difícil.
De qualquer forma, eu gosto das imperfeições. Se houvesse o tal Livro dos livros, o Livro Perfeito, o Livro que contém e substitui a todos os outros... eu relutaria em colocar as mãos nele, apesar de toda a curiosidade. Prefiro me surpreender com as histórias dos falíveis e imperfeitos, os pequenos instantes de perfeição me fazendo sentir o gosto do inimaginável nas letras do mundano.
A vida é uma coisa linda, não?
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Hoje saiu o nobel de literatura, para uma escritora alemã de quem eu nunca tinha ouvido falar. Não chega a ser uma novidade: dessa lista conheço só uns 10. Vergonha.
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Ontem me disseram que eu tenho sérios problemas com o infinito. Talvez eu tenha mesmo e, nesse caso, boa parte da culpa é dele, Borges. Mas pelo menos são problemas que me agradam, e muito. Ninguém que leia e entenda a Biblioteca de Babel (que, por sinal, possivelmente não é infinita) consegue pensar em 'infinito' sem se sentir pelo menos um pouco assombrado.
6 comentários:
Nessa biblioteca com as pequenas ideias dos escritores levadas à perfeição encontrei um belíssimo volume de Dawkins: Deus, um colírio.
Hahahahahaha, muito bom.
Henrique e seus brinks!
Uma história de um livro perfeito: "Ser feliz", de Will Ferguson - acho que já falei desse livro aqui nos seus comentários, não falei?
Então. Porque você sabe, a verdade está lá fora, em algum lugar :o)
Suzana, falou sim! Está na minha listinha de 'tobuy'.
"Então. Porque você sabe, a verdade está lá fora, em algum lugar :o) "
Talvez em todos os lugares...
Mas que frase mais enigmática a sua!
Um tio da Deh (de quem eu gosto muito, por sinal) uma vez disse que não importa muito no quê, mas é preciso acreditar em alguma coisa. Eu acho que ele está certo.
E não sei bem por que, mas acho que o que ele disse e o que você disse agora são ideias assim meio irmãs.
"A verdade está lá fora" era o bordão na abertura de "Arquivo X"... :o)
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