Pensei nisso durante alguns dias e cheguei a uma pequena lista - não dos melhores livros que já li, mas sim dos livros que, por uma razão ou outra, mudaram minha perspectiva sobre o mundo ou sobre minhas próprias ideias. Aí está.
Cem anos de solidão - Gabriel Garcia Márquez

Encontrei G.G. Márquez em uma época em que estava meio desgostoso da literatura, cansado de ler livros bons, mas pesados. 'Cem anos' pode ser pesado, dependendo de como você olha pra ele... mas também pode ser leve, dependendo da perspectiva, do humor de quem está lendo.
E, é claro, não há como me esquecer de Melquíades, Úrsula, e de todos os Aurelianos e Josés Arcádios que povoam a história. Só de lembrar dá vontade de reler. 'Cem anos' me fez voltar a gostar de ler. 'Cem anos' me mostrou como, cem anos atrás, as coisas eram tão diferentes que às vezes Macondo parece ser outro planeta - e, ao mesmo tempo, tão próxima, tão estranhamente familiar.
O mundo assombrado pelos demônios - Carl Sagan

Obviamente, não posso responsabilizar um único livro por uma série de transformações que começaram bem antes e não terminaram até hoje, mas ele com certeza foi um ponto de inflexão no meu jeito de raciocinar. O método, o rigor, o ceticismo cauteloso, a desconfiança podando o deslumbramento... por tudo isso devo muito ao Carl Sagan, particularmente por esse seu manual de ceticismo diante das credulidades modernas.
Recentemente, dei uma cópia do livro a um grande amigo, companheiro na época dos cristais (e do esquerdismo, que vai ser visto mais adiante); ele disse ter gostado, mas continua dissertando sobre a Atlântida e outras coloridas teorias conspiratórias. Talvez cada livro, afinal, precise de um leitor com quem se encaixe no momento certo.
Ficções - Jorge Luís Borges

O que mais gosto em Ficções é o jeito com que Borges brinca com os sonhos, as divagações, e de repente puxa a história por um cabo trazendo tudo, aos trancos e barrancos, de volta à realidade. Borges mudou minha perspectiva sobre a Ciência ao mostrar como o Universo tem uma profunda intimidade com a Matemática, e como somos tolos ao pensar que dominamos conceitos como 'vida', 'infinito', 'imortalidade'. Ficções também me faz pensar em como era fácil, para alguém genial como ele, construir mundos profundamente diferentes do nosso, brincando apenas com uma ideia.
O processo - Franz Kafka
Não vou me atrever a fazer nenhum comentário sobre o estilo, a técnica ou a beleza de nenhum dos livros da lista - e menos ainda sobre qualquer livro de Kafka. O que posso dizer é que, lendo sua obra, sinto uma conexão estranha com os mundos bizarros que ele criou, cheios de idas e vindas, tentativas mal-sucedidas, falhas pisadas e repisadas. Os finais não são novidade, nunca são novidade; alguém que já leu um dos livros conhece a estrutura de qualquer outra história e, com exceção de alguns detalhes, sabe muito bem como ela vai terminar. E, mesmo assim, reler 'O Processo' me prende mais do que qualquer lançamento do Dan Brown.
Li alguém comentando que Kafka, quando criava suas metáforas sobre objetivos inalcançáveis e rodeios em torno de um destino invisível, estava na verdade falando sobre Deus. Não consigo imaginar jeito melhor de abordar o assunto.
Admirável mundo novo - Aldous Huxley

Acabei lendo o '1984' muito tempo depois e, apesar de achar que Orwell era um melhor escritor, acredito que Huxley estava mais certo em seus insights. Por exemplo, em '1984' a população é mantida ignorante através da sonegação de informação; em 'Admirável mundo novo', pelo excesso de informação inútil. Nem preciso dizer qual está mais próximo de nossa realidade. Agora me dêem licença que vou voltar ali pro twitter.
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Menção honrosa: Desobediência civil e outros escritos, de Thoreau, por me dar a noção de como o Estado pode ser repressor mesmo em uma sociedade dita democrática, quase entrou na lista.