quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

House, Holmes e o gato


Isso não é um cachimbo. Não mesmo.

As semelhanças entre Gregory House e Sherlock Holmes já me eram conhecidas há algum tempo. Em muitos sites sobre o médico listas de semelhanças podem ser encontradas, não chega a ser nenhuma novidade. Mesmo assim, fiquei pasmo ao assistir o Sherlock Holmes de Guy Ritchie e notar que, assustadoramente, definitivamente, Sherlock (pelo menos na visão dele, Ritchie) e House são praticamente a mesma pessoa, fazendo coisas parecidas em épocas diferentes.

Sherlock e House vivem em uma ilha de lógica, uma área em que todos os eventos intrigantes serão vasculhados e suas razões e explicações serão mais cedo ou mais tarde descobertas. Ambos são viciados em explicações; precisam disso, mais do que de vicodin (para House) e de cocaína (para Holmes). Qualquer evento que fuja ao esquema da causa-e-efeito os deixa obcecados - tanto isso é verdade que, na quinta temporada do seriado médico, é uma morte totalmente inexplicada (e talvez inexplicável) que acaba jogando House em um círculo de insanidade que só termina muitos episódios depois.

Mas também notei uma pequena diferença, sutil, quase imperceptível, na maneira com que os dois encaram o mundo. House é um cético fanático que descarta qualquer explicação sobrenatural como bobagem, já de antemão. Holmes, a princípio, não descarta nada... ele considera a possibilidade de explicações sobrenaturais para os acontecimentos que presencia, mas acaba sempre considerando o sobrenatural como inconsistente durante a investigação dos fatos.

Em um episódio, também da quinta temporada, House encontra Oscar, o gato que, segundo relatos, previu a morte de vários moradores de um asilo. Nem por um segundo ele considera que o felino possa ter qualquer conexão sobrenatural com os moribundos; o que quer é provar os acreditam na vidência do gato como idiotas. Ao invés de criar teorias para conectar os fatos, ele procura fatos para comprovar suas teorias.

Mas o vício metodológico de House não chega a ser um problema sério. Nunca nenhum cientista chegou perto de comprovar qualquer evento sobrenatural (até mesmo porque há um certo problema de linguagem... se o sobrenatural é comprovado, também passa a ser parte das leis que conhecemos, portanto natural) e acredito que isso não vá mudar tão cedo. O problema é a obsessão, a mania incontrolável de querer mostrar que as crenças dos demais estão errados. House me lembra de Houdini, James Randi, Faraday - pessoas geniais que passaram (ou passam) boa parte de suas vidas demonstrando charlatanices alheias. (E aqui eu paro e noto o quanto me identifico com isso em alguns momentos. Argh.)

House é um Sherlock Holmes com um pequeno preconceito, um preconceito que acaba não interferindo em nada nos resultados. House é um Sherlock que já sabe onde as coisas vão acabar.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Rocky Balboa e o espírito do capitalismo

Gosto do jeito com que Stallone construiu o personagem de Rocky: ele é praticamente um arquétipo do espírito individual que luta implacavelmente contra as circunstâncias adversas para alcançar seus objetivos. As brigas de Rocky não são apenas contra seus adversários: ele luta contra as circunstâncias, contra a torcida, contra as probabilidades, contra ele mesmo. Principalmente contra ele mesmo.

Lembro bem da inversão imensa de papéis que se passa em Rocky 4, na luta contra o monstro de músculos soviético Ivan Drago. Rocky treina com equipamentos simples, passa frio, corre na neve; Drago usa a mais moderna tecnologia em seus treinamentos, inclusive anabolizantes. Eu costumava achar que isso era uma espécie de hipocrisia, já que os norte-americanos sempre fizeram questão de usar tecnologia de ponta em todos os esportes; hoje vejo que Rocky não representa os EUA em si, e sim o espírito que se espera de seus habitantes (contra Drago, que é a imagem do que os americanos imaginam da frieza comunista).

No filme mais novo, Rocky Balboa é George Foreman participando de uma luta que todos consideravam perdida e, no final, ganhando o título de campeão mundial contra um oponente dezenove anos mais novo (se alguém resolver assistir, fica bom depois de 2:00).

Mas mesmo gostando muito dos filmes, Rocky não me diz muita coisa. Ele é previsível demais, bonzinho demais, chato demais pro meu gosto:



Imagino como seria um episódio de House em que ele tratasse um paciente com as ideias e o espírito de Rocky. Arrisco: perto do final, House daria um diagnóstico parecido com 'Você vai ficar bem, mas sua vida como saco de pancadas terminou. Se você tomar mais um soco na cabeça, vai morrer instantaneamente.'. Rocky fecharia a cara, engoliria as piadas calado, iria pra casa calado. Depois de alguns meses, se sentindo muito bem, ele se lembraria de que 'ninguém diz a ele o que pode ou não fazer', questionaria mentalmente o médico, e entraria em uma disputa amadora em um ringue qualquer. Primeiro soco, Rocky cai morto. (Porque, é claro, a capacidade humana de superar as circunstâncias adversas é limitada. Ninguém é Deus, nem House, muito menos Rocky.)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Esforço e mérito

A Deh tem um amigo que, devido a seus esforços e realizações, se tornou uma espécie de lenda caseira. Como o mundo é um lugar muito pequeno, vamos chamar esse nosso amigo de H.

H é um poeta - e aqui chamo de 'poeta' qualquer pessoa que escreva alguma coisa (ou qualquer coisa) e chame de 'poesia'. Vejam, eu não sou nenhum crítico literário, mas podem acreditar: o cara é ruim, ruim mesmo. Pior que os Vogons. Pior do que os Azgoths de Kria, que, durante um recital por seu poeta mestre Grunthos, O Flatulento, contaram na audiência quatro mortos por hemorragia interna e um sobrevivente que escapou roendo completamente a perna esquerda.

Mas tudo bem, H nem precisa ser realmente um péssimo poeta. Basta o exemplo: imaginem que exista um poeta terrível sob todos os aspectos e a esse poeta terrível chamemos de H. H acredita sentir o subliminar, ouvir o inaudível, pensar o impensável - mas, na prática, seus poemas são só uma coleção intensa de chavões moralistas mais ou menos socialistas, mais ou menos rimados, mais ou menos organizados, mais ou menos. Mais menos do que mais.

Estranhamente, algumas pessoas parecem realmente gostar da poesia de H, e consideram-na, talvez, inteligente, perspicaz. H vive espalhando sua obra para Deus e o mundo, a quem ouvir possa. Ele se orgulha dela. H chegou a lançar um livro, se não me falha a memória. No mínimo foi um dos autores de uma coletânea de escritores locais.

A Deh e eu conversamos algumas vezes a respeito e tínhamos opiniões divergentes. Ela achava, apesar de concordar que a poesia de H era lamentável, que ele merecia reconhecimento pelo esforço e por acreditar no que faz. Eu argumentava que esforço por si só não vale nada e que, julgando pela resultado, então o esforço dele não tem mérito nenhum.

De alguns dias pra cá, fiquei pensando no assunto e fui mudando de opinião. Afinal, o esforço dele não me significa nada, já que a poesia dele não me significa nada. Mas para ele mesmo, ou para alguém que goste da poesia, o esforço significa muita coisa.

Imaginem, por exemplo, que o J quer entrar no Livro dos Recordes fazendo embaixadas mas que sua contagem máxima de embaixadas consecutivas é três. Imaginem que nosso amigo J passe várias horas do dia preocupado com isso, treinando, e que depois de alguns anos consegue, em um momento ímpar de destreza, fazer quatro embaixadas seguidas. Imaginem que ele fique sinceramente feliz com isso. Imaginem que a mãe, o pai e os irmãos de J fiquem também sinceramente felizes com o progresso dele ('Agora só faltam quatro milhões seiscentas mil e dezenove pra bater o recorde!!!') e que alardeiem isso para todos os conhecidos. Quem tem o direito de falar contra isso? Eu? Eu não. Eu sorriria e diria: 'Que bom!'.

O mundo precisa de muitas pessoas que tentem e falhem para sobrarem algumas que tentam e conseguem. Durante essa semana estava lendo algo a respeito de Schulz, o criador dos Peanuts, que dizia uma coisa mais ou menos assim: Diga o nome de três ganhadores do prêmio nobel de medicina. Difícil. Agora diga o nome de três professores do primário que marcaram sua vida. Muito mais fácil.

É claro que resultados valem alguma coisa. Valem muita coisa. Mas o que vale muita coisa para a sociedade pode valer pouca coisa para os indivíduos, e vice-versa. E praticamente nada pode ser reduzido somente a um resultado.

Eu tento manter um blog, não é o pior que poderia ser, e também está longe de ser o melhor que eu consigo imaginar. De um jeito ou de outro, me divirto com ele. E gosto de pensar que um dia meu filho vai poder ler o que escrevi e saber que, nesse dia, nessa hora, eu estava pensando exatamente nisso.

Por isso a fala de Boris Casoy, e a posterior defesa da Barbara Gancia, me soaram tão ridículas. Não existe uma 'escala do trabalho', uma escada imaginária onde podemos subir, degrau a degrau e sair do substituto de gari para chegar ao presidente da república. O cara que retira o meu lixo tem impacto na minha vida muito maior do que o âncora de um telejornal a que eu nunca assisto. Essa pirâmide que imaginamos para entender o mundo é só uma abstração. Para o filho do gari, para a esposa do gari, o 'Feliz ano novo' dele vale mais do que o de qualquer outra pessoa.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Retorno das férias

Semana que vem provavelmente estarei de volta. Até lá, fiquem olhando as webcams do LHC.