Alexandre me pergunta por que chove. Eu penso e me surgem na mente duas respostas: 'porque a água evapora do chão e vai pras nuvens, e as nuvens ficam cheias de água e a água cai', ou 'porque as plantas e os animais precisam de água'.
E então me toco de que as respostas, tão simples, contém visões de mundo opostas. E de que mesmo nas frases mais simples, se esconde ideologia, metafísica, toda uma série de desdobramentos que não se sabe onde termina.
Se eu respondo 'chove porque precisamos de água', vou estar reafirmando que o Universo está aqui por nossa causa; que as nuvens e a chuva e a água e as moléculas de hidrogênio e oxigênio foram criadas especificamente para que chovesse e a nossa sede fosse aplacada. Vou estar corroborando com a ideia de 'universo-catálogo' tão cara aos fãs de
'O segredo'.Se eu respondo 'chove porque a nuvem fica muito cheia de água', vou estar dando uma explicação puramente física, citando o mecanismo que rege o fenômeno natural. Na verdade, não é essa a resposta que ele quer; ele quer uma
razão, não uma explicação. Humanos gostam de razões. Mas fenômenos naturais não têm razão. Eles são o que são, e estariam aqui se comportando exatamente da mesma forma mesmo se nós nunca tivéssemos existido. Responder 'chove porque a nuvem fica cheia de água' é pedir mais uma pergunta, mais um porquê, talvez um 'mas por que as nuvens ficam cheias de água?' e daí em diante, indefinidamente, até a origem última de todas as coisas, até uma pergunta derradeira que (muito provavelmente) nunca vai ter resposta.
Chove porque há bilhões de anos houve o big bang. Como já disse o Carl Sagan, se você quiser criar uma torta de maçã desde o início, primeiro tem que criar o universo.
...
(Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come, pequena suja, come! Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
8 comentários:
arrasaste, andré!
no comments, pq tudo é tão complexo que não há como explicar...
Humanos gostam de razões. Mas fenômenos naturais não têm razão. Eles são o que são, e estariam aqui se comportando exatamente da mesma forma mesmo se nós nunca tivéssemos existido.
E aquele experimento da física onde ora emissões de fótons comportam-se como partículas, ora como ondas, conforme a vontade espontânea do observador? :)
Henrique
Nossa, a sua pergunta é muito boa. Acho que sei como responder, mas vou elaborar mais um pouco antes de falar qualquer coisa :)
Henrique, muito obrigado pela pergunta, ela é realmente muito boa e faz pensar em um monte de outras coisas.
O que eu quis dizer no post original é que 'a árvore faz barulho mesmo quando não tem ninguém por perto ouvindo ela cair'. Você já deve ter ouvido isso, é um desses desafios zen (na verdade, o desafio é pensar se a árvore faz barulho quando não tem ninguém lá pra ouvir). No caso do experimento que você citou, o que acontece é que a simples observação interfere no experimento. É como se a árvore esperasse você olhar pra ela antes de cair e fazer o barulho (o que é diferente de ela fazer barulho só quando você estivesse perto pra ouvir!).
A luz, o que a luz faz (iluminar, por assim dizer), não muda por ela se comportar como partícula ou onda. Ela continua iluminando do mesmo jeito. E o gato lá do Schrodinger continua meio morto e meio vivo até alguém abrir a caixa, e continua assim pra sempre, meio morto meio vivo, se não houver nunca ninguém pra abrir a caixa.
Não sei se me fiz claro, mas realmente pensar nisso levanta umas questões muito interessantes. :)
André, que texto excelente! nunca me decepciono quando venho ler algo aqui! valeu!
Pessoal, obrigado pelos elogios e pelas contribuições :)
Essa semana vai ter uma novidadinha aqui, nada de mais, mas é uma coisa que me deixou feliz. Acho que até vou me animar a escrever mais, tomara :)
Questões inteligentes iluminam o mundo, meu amigo! :) Já a tirania traz a escuridão da ignorância.
Correria, correria... Desculpe-me por ter ficado tanto tempo sem visitar seu excelente blog. Meu texto recém-publicado explica as razões do sumiço.
Abraço, Henrique
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