quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

A Privada Quântica


Teve a idéia como tantas outras em sua história de inventor: a imagem surgiu em sua mente e ele a perseguiu, com afinco terrível, até que sua vida se tornou uma sombra em torno do inconcebível equipamento. Se alterou sua idéia original, hoje não se sabe; mas parece improvável que o resultado final tenha sido muito diferente do que um dia sonhou.

Não era, de forma alguma, um cientista: seus inventos derivavam de um senso prático apurado e de um talento natural para a mecânica. E, sem saber bem o que estava fazendo e nem se apoiar em nenhuma teoria, criou um portal dimensional, uma anormalidade física que não poderia ser explicada por nenhum estudioso da atualidade. A idéia de utilização era simples: bastava jogar qualquer coisa pelo portal para nunca mais vê-la em nosso plano de existência, sem resíduos, sem gastos, sem poluição, sem sujeira.

Por absoluta falta de senso de marketing, ou por pura fidelidade ao projeto original, manteve a estética e o nome que arrasaram o projeto: o portal tinha a forma de um vaso sanitário e foi chamado de “Privada Quântica”. Não que houvesse nada de realmente quântico em todo o experimento... Se havia, era de total desconhecimento do criador. Ele só achava que a palavra, científica em sua essência, daria um pouco de nobreza à expressão (já manchada pela cotidianidade e grosseria do vaso).

Levou seu invento a todo industrial e a todo detentor de capital que conseguiu encontrar, mas não obteve nem uma sombra de sucesso. Por inumeráveis horas, ensaiava e discursava sobre os incontáveis benefícios de sua invenção: o eficientíssimo desaparecimento de qualquer resíduo ou excremento, a maravilhosa possibilidade de eliminar o problema do lixo tóxico e hospitalar – ou até mesmo o lixo comum, com a construção de um protótipo de grandes proporções.

Mas ninguém lhe dava ouvidos. A simples menção do nome do produto provocava risadas histéricas e tudo o que vinha depois, mesmo corroborado por demonstrações práticas e explicações precisas e indubitáveis, virava apenas motivo para piadas de mau gosto - ainda mais quando se referia ao protótipo de grandes proporções. "Hahahaha! E vai ter também um rolo gigantesco de papel higiênico atômico?", diziam os nefastos expectadores.

Depois de não muito tempo, desistiu de sua empreitada como inventor famoso mundialmente, e passou a ficar horas na frente de sua televisão e utilizando uma de suas Privadas Quânticas como um eliminador de papéis e copos plásticos. Até que, ao puxar a descarga como havia feito tantas vezes antes, percebeu que o portal havia se entupido e estava regurgitando o lixo que antes fora despejado em seu interior. E então se deu conta de que as coisas nunca vão para lugar nenhum e que, em algum universo paralelo, alguma raça de seres (estranhos ou não) estaria sofrendo com o lixo despejado por ele. E agora, enquanto ele se abismava com essas constatações, eles estavam vagarosamente preparando uma vingança.

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