domingo, 26 de julho de 2009

...e se o Paraíso for mesmo uma grande biblioteca?

Sexta-feira me deu na telha que seria legal ter um e-book reader. Desanimei um pouco da idéia ao perceber que existem pouquíssimos títulos lançados em português e seria chato ter que comprar livro em dólar com o cartão. Além disso, os e-book readers lançados no Brasil estão muito caros e não chegaram à qualidade dos que existem no exterior.

Resolvi comentar a minha decepção com meus colegas de trabalho. A reação praticamente universal foi: "Mas você vai gastar dinheiro com isso??? Pra quê??". Expliquei que já gasto bastante dinheiro comprando livros e que, de certa forma, estaria economizando a longo prazo - além da questão do espaço, já que a casa está ficando ainda menor pra tanta coisa. Minha resposta foi recebida com sorrisinhos e um "Viu, você tá ganhando bem hein?", ao que eu respondi que acho melhor gastar com isso do que ficar torrando $$ com o automóvel. Mas isso foi só o começo.

Seguiu-se uma argumentação acalorada por parte de alguns colegas de que o livro é uma ideia morta, que você não deve incentivar ninguém mais a ler um livro, já que tem tudo na internet. (Quem mexe com a internet fica rico sem sair de casa, quem tem computador não precisa de mais nada). Terminaram sem medir as palavras: "Quem, em pleno século XXI, ainda gosta de ler? Nenhum moleque lê mais nada no papel. É um processo em extinção. Tem tudo no Google.".

Fiquei meio embasbacado, sem saber o que dizer diante de afirmações assim, tão categóricas. Por alguns segundos, refleti nos motivos que me fazem ler bastante no papel, apesar de passar boa parte do meu dia na frente do computador.

Lembrei-me do meu professor de Cálculo II que citou "A Biblioteca de Babel" do Borges durante uma aula, o que me fez admirá-lo ainda mais. Lembrei da biblioteca de Babel. Lembrei de Funes, o Memorioso. Lembrei de Tlön. Se eu só lesse no computador, nunca conheceria essa história, nem teria a lembrança muito emotiva que eu tenho com "O Sul", do mesmo livro. Lembrei de 1984, e pensei que aquele colega que estava dizendo aquelas coisas provavelmente não saberia de onde vem o tal "Big Brother". Nem se souber, não vai ter a experiência estranha que é ler aquele livro, a experiência estranha de Blade Runner - ele poderia ver o filme, mas não é a mesma coisa. Nunca vai entender como a vida pode ser como dar voltas e voltas em torno de um castelo onde nunca conseguiremos entrar. Não vai saber nunca quem é Tom Bombadil nem vai entender por que o Christopher Tolkien disse que nunca viu nem nunca vai ver os filmes do Sr. dos Anéis. Nunca. Porque esse meu colega nunca vai entender a relação afetiva que o Christopher tem com a história, nem sabe que ele já tem uma imagem de Gandalf melhor e mais clara do que qualquer diretor de cinema consiga criar.

Pois bem, deixei isso tudo de lado, já que são argumentos puramente emotivos; limitei-me a dizer que esses mesmos jovens que fuçam o dia todo no Google mal conseguem juntar algumas palavras para fazer uma busca, quanto mais se fazer entender por outro ser humano. Dei exemplos de clientes que não conseguem explicar seus problemas, falei da necessidade obsessiva do texto enxuto, dos blogs, do Twitter. Eu nem defendia 'o livro' da forma como ele é hoje, o papel, a capa. Defendia as vantagens da leitura de longa duração.

O grupo se dividiu; metade concordava que o ato de se dedicar a uma leitura longa exercitava a capacidade de raciocínio e expressão. A outra metade argumentava dizendo que eu estava tentando defender uma ideia morta.

Fodam-se. Esses meus colegas nunca vão por os pés em Macondo.

2 comentários:

Deh disse...

É preciso dizer que eu tô consideravelmente bêbada, mas ó. Sensacional.

Anônimo disse...

bão, eu tou sóbria. sensacional!