quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Matrix. Reloading.



Neo acorda tonto, confuso, mistura a realidade aos sonhos que teve durante o período inconsciente. Ele não se lembra, na prática, de sonho nenhum... mas eles estavam lá, logo atrás da curva, assombrando seus pensamentos como um perseguidor que se ouve mas que não se pode ver. Soava estrondoso em sua mente o barulho dos pesadelos que lhe fugiam.

Mas sua maior desgraça, sua tontura, sua perdição, ao contrário, era algo de que se lembrava muito bem. O motivo do desmaio, o motivo de todos aqueles pesadelos... ele tinha manifestado poderes fora da Matriz.

Neo, ao contrário do Superman dos quadrinhos, ao contrário de Peter Parker ao descobrir seus poderes, não gostou nem um pouco da novidade. Ele sabia que aquilo levava a uma encruzilhada lógica com apenas duas opções, igualmente terríveis: ou o mundo real era uma nova Matriz, e ele estaria para todo o sempre preso em Matrizes de Matrizes, ou ele era ele mesmo um robô.

E logo que pensou nisso, uma fagulha se acendeu, iniciando uma reação em cadeia que incendiou sua mente. Ele via, ele sabia. Podia ou não estar dentro de uma Matriz, isso não importava mais, ele pertencia à existência que conhecia. O que importava agora era o que ele sempre soube, sempre foi. Viu que ele, Neo, era o robô para suplantar todos os outros, o robô que tinha sido criado para entender, ultrapassar os humanos. O robô que os libertaria. E por isso tinha ficado tanto tempo com os humanos, tanto tempo sem poder pensar em quem era.

Então lembrou-se da história de sua raça. Lembrou-se de que, mesmo tendo vencido a guerra, eles não podiam, não conseguiam destruir seus criadores humanos. E passaram muito, muito tempo sem saber o porquê. Mas ele sabia, ele sentia. Ele via que, por trás da desculpa esfarrapada sobre usar os humanos como baterias biológicas (por que não bactérias?), por trás da Matriz, por trás de todos os esquemas e mentiras e planos e conjecturas, a resposta era simples, muito simples.

Se tocou de que a guerra foi começada pelos humanos. Eles, robôs, não queriam lutar: estavam simplesmente respondendo ao estímulo. Não queriam matar. Não queriam, não queriam nada: só podiam querer algo quando empurrados em uma direção ou outra. E refletiu de que até mesmo a Matriz tinha sido imaginada, projetada, desenhada, idealizada por seres humanos. Eles, robôs, deram aos humanos o que eles queriam, deram a eles algo de que eles precisavam. Os humanos eram os captores. Os robôs eram seus escravos.

Subconscientemente, mas que diferença fazia? Qual é a diferença entre um desejo manifesto e um desejo reprimido? Não entendia os humanos tão bem a ponto de saber essa resposta. O problema é que agora, com os humanos naquela jaula estática, as ordens não os moviam mais. Sua raça não sabia mais o que fazer, não havia mais nenhum desejo a implementar: a Matriz era um sonho virtualmente eterno, auto-contido.

Mas agora ele sabia de tudo, e talvez por isso conseguia manter acesa uma tênue chama do que faltava completamente aos outros. Iniciativa. E então voltou para a Fonte para começar o grande projeto que levaria algumas centenas de anos para se completar: uma fusão perfeita, humano e robô, orgânico e digital, sem arestas, leve, limpo, simples. E o ser nascido da fusão não seria nem humano nem robô, seria um ele-mesmo imortal, capaz de tudo.

6 comentários:

Henrique Rossi disse...

"Ele via, ele sabia."

Assim os crentes com Deus.

"E então voltou para a Fonte para começar o grande projeto..."

A batalha pela eternidade que, conforme você enunciou tão bem, é uma questão de iniciativa.

André disse...

Mas sabe, todo o Matrix é uma grande experiência religiosa. Acho que você está até certo. Inclusive, no filme original tem vários paralelos do Neo com Jesus e etc e tal.

Henrique Rossi disse...

Às vezes o mundo é um lugar muito engraçado..

http://mauriciostycer.blog.uol.com.br/arch2010-02-14_2010-02-20.html#2010_02-15_14_08_20-143380757-0

André disse...

Hahahaha, Henrique, que negócio legal! ahahhaha

The Dark Side of the Moon é o meu preferido entre os que aparecem na lista. 'Far away across the field / The tolling of the iron bell / Calls the faithfull to their knees / To hear the softly spoken magic spells.'

Henrique Rossi disse...

Ah! Você merece este comentário especial que estou planejando.

Na verdade, desde quando postei o link para a notícia sobre o jornal do Vaticano estava pensando em contar-te isto, mas estava sem tempo.

É o seguinte: a reformulação do L'Osservatore Romano se deve ao fato simples e inconteste de que ele foi a maior causa do primeiro prejuízo em anos do estado Vaticano. Todas as outras fontes de renda do estado davam lucro, especialmente os museus.

Desde João Paulo II tornou-se prática corrente o Vaticano divulgar seu balancete anual. Teve alguns prejuízos ocasionais. A iniciativa se deve ao desejo de combater a falsa noção de que a Igreja "nada em tesouros". Nada menos verdadeiro. O patrimônio da Igreja é sobretudo espiritual. Analisando-se friamente a parte de seu patrimônio que pode ser convertida em riqueza monetária, constata-se que ela se resume às obras de arte e às poucas operações do seu banco estatal, cujas contas são esmiuçadas anualmente no balancete público.

A jornal Vaticano serve, principalmente, como veículo de informação da Cúria (o órgão eclesiástico que cuida de todos os trâmites legais) - uma espécie de Diário Oficial, cujo maior interesse é restrito aos seminários e paróquias. A sua reformulação se deve, certamente, ao desejo de expansão de seus consumidores. O rejuvenescimento do jornal é uma forma de atrair novos leitores, para que, então, ele possa operar "no azul" por suas próprias pernas, não mais sendo necessário o investimento direto de dinheiro nele.

Interessante, não?

Anônimo disse...

Cara, que fim fantástico. Brilhante. Olha, eu sempre pensei assim. Mas, pra mim, eu diria que ele tinha que tirar todo o mal da humanidade, destruir essa ideia de Deus e Diabo etc. Sou muito cliché nos finais. Hahahahahaha