quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Vencer e vencer

- Estava pensando hoje sobre formas de jogar Starcraft. Tem vários jeitos. Você pode fazer sempre a mesma coisa e ir aperfeiçoando o estilo, ou pode fazer algo diferente a cada jogo e tentar sempre reagir de acordo com seu oponente.

- Hm. Sei.

- Isso me fez pensar no Kafka.

- Por que ele contava a mesma história de formas diferentes?

- Isso. Parecem histórias diferentes, mas no fundo é sempre a mesma história. Muitos grandes autores têm um tema central que se repete e eles vão trabalhando esse mesmo tema sob diversas variações, história a história. Pro Kafka, é o não-saber, o não-conseguir. Pro Borges, é o infinito, o gaúcho, a morte, a brincadeira com a imortalidade.

- Mas jogar Starcraft sempre da mesma forma não é enjoativo?

- Não se você sempre conseguir vencer.

- Mas na vida - e na literatura - não existe um 'vencer'. Você pode agradar mais pessoas, ser mais popular, mais conhecido, mais rico, mais bonito, mais saudável, escrever melhor... e nem por isso vai estar ganhando o 'jogo da vida' do miserável doente feioso analfabeto e sem amigos que mendiga na frente da minha casa. Não há como medir isso.

- Você com certeza vai ser mais feliz do que ele.

- E desde quando ser feliz é objetivo e não subjetivo? Fora a paranóia da 'busca pela felicidade' que vivemos hoje em dia. Em outras épocas, outras coisas importavam muito mais do que ser feliz; honra, dignidade, coragem. Não que essas coisas sejam 'boas' e ser feliz seja 'ruim', mas não dá pra dizer que ser feliz é um critério melhor pra medir o sucesso na vida.

- Acho que concordo. Mas isso é deprimente demais.

- Sim. Faz parte do vazio. Do não-saber. Não há um manual, por mais que os autores de auto-ajuda pessoal e esoterismo vagabundo digam que haja. Não há regras.

- Talvez haja e não saibamos delas.

- Sim, mas nesse caso, o efeito é o mesmo de simplesmente não haver. Se existem regras e não sabemos quais valem, que diferença faz elas existirem? É a Biblioteca de Babel do Borges; todos os livros estão ali, mas são todos inúteis porque não se consegue saber quais estão certos e quais estão errados.

- Não vale a pena tentar assumir um como verdadeiro? Vai te dar conforto, e possivelmente você esteja certo.

- Claro, é uma escolha válida, mas não se você a fizer pensando da forma que você colocou; nesse caso, fica hipócrita. Pra mim, não serve. Não se escolhe no que queremos acreditar ou não, simplesmente se acredita ou se deixa de acreditar.

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