A treta, meus amigos, ela nos persegue. Ou melhor: eu dou quirera pra ela, ela cresce e se alimenta da minha disposição.
Durante essa semana, vi na página de um amigo no facebook um comentário sobre uma pesquisa online feita com mulheres sobre cantadas de rua. A pesquisa teve um resultado avassalador demonstrando a repulsa generalizada das mulheres por cantadas. Pensei um pouco e fiz um comentário nessas exatas palavras, no post no facebook:
"Sou super simpático com a causa e tb acho que as coisas têm que mudar, mas a pesquisa não tem valor estatístico nenhum. Quando você faz uma pesquisa num site feminista você tem a resposta do público daquele site feminista, não dá pra levar isso como se fosse a verdade absoluta pra todas as mulheres.
Eu acredito (não tenho certeza) de que se a pesquisa fosse feita na rua os resultados seriam bem diferentes. O que não quer dizer que cantada de rua seja algo a ser incentivado."
Não vou colar a briga toda aqui, mas foi razoavelmente longa. Eu repetia que concordo com o repúdio às cantadas mas que não acho que dê pra dizer que a opinião representa a totalidade das mulheres do Brasil. Disseram (com base nessa frase citada) que eu acho que a opinião das feministas vale menos que a das mulheres "normais". Disseram também que eu não tinha empatia, e era umbiguista e
self-entitled. Depois fizeram um post de blog com prints do que eu escrevi, me chamando de mascu, de pseudo feminista, de ignorante, arrogante, de cético de conveniência etc etc etc.
Não me considero nenhuma dessas coisas, mas se perguntassem pra Hitler, ele também diria que é um cara legal, certo? Mas o que eu sou ou deixo de ser não cabe aqui. Como disse ontem um amigo, não se explique - pros amigos você não precisa, e os inimigos não vão acreditar.
Voltando à pesquisa, um texto muito mais bem escrito do que meus comentários foi publicado pelo Carlos Orsi (coloquei os links lá no final). No texto dele, a meu ver, só faltou uma discussão sobre classe, cultura e renda. O que é aceitável em um ambiente deixa de ser aceitável em outro, o que é considerado normal em baile funk é absurdo se for feito em um café da vila magdalena. De qualquer forma, reitero que concordo com o espírito todo da campanha, apesar de ainda achar que o viés estatístico é óbvio e que não pode ser divulgada como se fosse a opinião de "todas as mulheres". Vale muito, apesar disso, como método de chamar a atenção.
Agora, independentemente do que eu sou ou deixe de ser, cético de conveniência, ignorante ou arrogante, os movimentos sociais precisam de auto-crítica. Não dá pra aceitar que não se possa fazer um aparte qualquer sem ser chamado de masculista. Não dá pra aceitar que uma garota pegue meu nome e minha foto, sem autorização, e coloque como exemplo de masculismo por algo tão menor. Eu conheço minhas próprias atitudes, sei o que penso e o que valorizo na minha vida e na educação do meu filho, mas ela não sabe. Ela não sabe e resume, por causa de um comentário técnico sobre o viés estatístico da pesquisa, todo o meu pensamento em meia dúzia de adjetivos enlatados. Ela disse no post no blog que tem um "olhar treinado" por movimentos sociais. Bom, eu estou relativamente próximo de duas ou três classes de movimentos sociais e, a cada dia que passa, me sinto menos apto a tecer julgamentos rápidos por causa de meia dúzia de frases. Que Odin me livre disso.
(Na época do semdeusnocoração eu também fazia prints e também fazia patrulha, mas tinha o cuidado de apagar TODOS os nomes e borrar todas as fotos.)
Mais: como pode ser que alguém educada, consciente, inteligente e escritora possa distorcer as minhas palavras a ponto de afirmar que estou dizendo que feministas valem menos do que mulheres? E pior, como é que um comentário desses ganhe DEZOITO curtir logo de cara. Não é um caso isolado, é a regra. Deixa de ser um joão qualquer com má interpretação de texto e/ou desonestidade: é o caso de alguém inteligente, educada, considerada uma das líderes do feminismo na internet deliberadamente distorcendo as palavras da dissidência e jogando pra turba enraivecida, que clica no curtir sem pensar duas vezes.
Como disse lindamente a Flavia Durante no
twitter,
"Se você quer ser anti comportamento de manada mas aceita tudo que um grupo fala sem questionar você também faz parte de uma manada."
Me recuso a ter qualquer opinião só porque as pessoas a quem admiro e respeito julgam que é o correto. Prefiro pensar por mim mesmo.
A garota do post do blog disse que não vai publicar meus comentários porque não tem tempo para respondê-los - o que chega a ser surpreendente, já que ela arrumou tempo para dar print no que eu tinha dito no facebook. Mas não vou linkar mais aquela joça, o que ela merece é o meu silêncio.
Aliás, da próxima vez já prometi a mim mesmo não dizer nada, desde o começo. Deixa eles falando, deixa a pesquisa enviesada rolar como verdade pronta. Melhor assim, poupo meu tempo.
Textos relevantes sobre o assunto:
Carlos Orsi, sobre a pesquisa e uma reflexão posterior
Cynthia Semiramis sobre as cantadas, o fluxograma, e contexto
Aline Tdbem, uma reflexão mais profunda e crítica sobre a campanha toda. Muito inteligente e muito polêmico
8 comentários:
Texto bom DEMAIS, André. Eu me espanto ao ver gente que quer tratar de temas de interesse público recorrer a esse artifício de desqualificação do interlocutor. É algo tão primário e, ao mesmo tempo, interrompe qualquer possibilidade de diálogo.
Acho normal se exaltar na discussão, eu mesma faço isso várias vezes. Mas jogar uma etiqueta agressiva no outro e a partir daí achar que não é mais necessário ouvi-lo é bem diferente de exaltação. É simplesmente não querer discutir. Como, então, fazer política, tratar de temas como esses, que merecem e precisam de debate social? Não dá.
Você resumiu tudo muito bem.
Você sabe o quanto eu fiquei indignada com tudo isso.
Mais que isso: fiquei espantada em ver como é fácil criar um vilão na internet quando não se tem muito apreço pela honestidade em uma discussão.
Você não precisa repetir que aqueles adjetivos não se encaixam em você. Qualquer pessoa que te conheça ou que tenha tido o cuidado de procurar saber um pouco sobre você, sabe que não é verdade.
Lamento muito que defensores de posições que eu também defendo em geral, descam tão baixo num debate. Essa desonestidade nós devíamos deixar para o outro lado, não que só existam dois, enfim...
É uma pena que os movimentos sociais, com essas atitudes, afastem pessoas como você. É uma perda e tanto.
Deixa pra lá. Você não é menos feminista porque essa gente que adora rotular os outros diz que você não é, como se coubesse só a eles esse julgamento.
Eu espero de verdade que mesmo depois disso tudo, você continue falando. E que as pessoas saibam ouvir porque sempre vale a pena :).
Renata, o pior foi ler outra "eminência" feminista mandar tomar no cu quando leu o texto da Aline. (Cantada de rua é invasiva machista isso e aquilo, e mandar tomar no cu pode - apesar de ser homofóbico, né). E a escritora citada aqui no texto reclamou de "desonestidade intelectual" - por ter sido criticada, eu acho, não sei onde ela viu.
Bom, o mundo gira!
Mariana, quanto a ser feminista, tou pensando até se faz sentido um homem se dizer feminista. O Felipe, do twitter, falou ontem sobre isso e me fez pensar. É uma questão de ser impossível se colocar no lugar das mulheres, se imaginar na situação delas. De certa forma, meu olhar sempre vai ser enviesado, mesmo que eu me esforce na direção contrária. De qualquer forma nenhuma das minhas opiniões muda por causa de um rótulo. Acho que elas importam mais do que qualquer clube.
Obrigado pelos comentários de vocês, significa muito pra mim.
André,
Qualquer pessoa com um mínimo de percepção apontaria o mesmo que você apontou sobre a pesquisa, que na minha opinião deveria ser chamada de enquete.
Qualquer pessoa de bom-senso e que apregoa que só quer levantar o debate, tem que aceitar ouvir outras argumentações, o que não foi o caso das pessoas que pegaram você para crítico. Uma coisa que me pergunto e que talvez possa embasar o que eu penso. A Semíramis fez o mesmo comentário que você, questionou a validade da pesquisa e a metodologia. Ela não foi execrada nas redes sociais e nem "printaram" o comentário dela e jogaram na cova dos leões. Pergunto-me o porquê disso. Talvez, ela se salve por ser mulher e você se estrupie por ser homem, afinal, homens são maus de natureza.
Só sei que você ganhou mais o meu apreço depois desse triste episódio.
Abraço
Outro ponto que me chamou a atenção na "pesquisa", os exemplos citados como cantadas, na verdade são atentados violentos ao pudor e outras contravenções passíveis de B.O.; recuso-me a pensar que alguém seja tão traumatizado e perturbado a ponto de achar que alguém o agride pelo simples fato de chamá-lo de lindo, bonito etc. Mas né, como comentei com você, tem pessoas que não podem ouvir um elogio, que já pensam em agressão.
Verô,
Sobre isso:
"A Semíramis fez o mesmo comentário que você, questionou a validade da pesquisa e a metodologia."
É, eu vi o pessoal que normalmente é grosso com todo mundo sendo pianinho com ela, hahaha. Outro exemplo foi o texto da Aline Tdbem. Vi gente xingando (xingando mesmo, mandando tomar no cu) antes de saber que era dela, alguém com "lastro". Quando descobriram que era dela, ficaram mansinhos também.
Essas coisas justificam o comportamento da carteirada. Se você muda a opinião sobre um texto qualquer dependendo de quem veio o texto, acaba justificando o "você sabe com quem está falando?".
De qualquer forma acho natural que você ouça com mais atenção a quem você já respeita. Mas isso não quer dizer que você possa jogar pros leões qualquer comentário crítico que venha de fora desse círculo.
Quanto a considerar o "linda" uma agressão, eu prefiro nem falar nada porque pra mim é uma situação totalmente alheia. Prefiro nem comentar, mas eu acho tá havendo muito exagero.
Semana passada e ontem de novo teve uma discussão sobre olhar. Olhar pra decote, olhar pras pernas. Claro, de novo, tem o olhar ostensivo, chega a ser meio ameaçador, já vi isso acontecendo até, é horrível. Mas falam que na Noruega é assim, ninguém olha nem de canto de olho. Eu só consigo pensar que a Noruega deve ser um lugar muito dos chatos.
Ser feminista e oprimir outros não tem problema
Ser machista é ser um filho do demônio.
O problema não esta no feminismo e nem no machismo esta na índole, no caráter de cada um.
Às feminazis tudo aos outros nada
E viva o Gramscismo cultural e sua visão rasteira e imbecilizante sobre as coisas, a imposição do pensamento único e criminação dos discordantes.
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