sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A caminhada da _nossa_ vergonha


Gosto muito de livros que falam da Segunda Guerra Mundial, a ponto de ter juntado uma pequena coleção sobre o tema. O mais recente é "O dia D - A Batalha pela Normandia", de Antony Beevor, que fala da invasão aliada nas praias do norte da França até a retomada de Paris.

O livro é muito bom pra quem gosta do estilo. Como sempre, Beevor consegue intercalar relatos do dia a dia dos soldados nas trincheiras com as decisões dos grandes generais. Neste, algumas histórias sobre as chamadas colaboradoras horizontais dos nazistas me chamaram a atenção.

Muitas mulheres francesas se envolveram com nazistas e foram chamadas de colaboradoras. Algumas eram jovens e não sabiam bem o que estava acontecendo. Outras não tinham outro meio de subsistência fora o soldado alemão com quem passaram a dormir. Outras eram simplesmente prostitutas e não podiam se dar ao luxo de não aceitar nazistas entre os demais clientes.

Mas os motivos específicos não importaram quando os americanos e ingleses chegaram. As colaboradoras tiveram seus cabelos raspados e apanharam de membros da resistência francesa ou de civis que não se envolveram com os nazistas. Na maioria dos casos, os soldados americanos e ingleses assistiam a tudo sem interferência, considerando a situação como um "assunto privado" entre franceses que não dizia respeito a eles. Beevor escreve:

Depois da humilhação de ter a cabeça raspada em público, as tondues ("raspadas") costumavam ser exibidas pelas ruas, às vezes ao som de tambores (...). Algumas foram cobertas de piche, outras semidespidas, outras pintadas com suásticas. Em Baeyux, Jock Colville, secretário de Churchill, recordou sua reação a uma cena dessas. "Vi um caminhão aberto passar, acompanhado de gritos e vaias do povo francês, com uma dúzia de pobres mulheres na carroceria, o cabelo todo raspado. Estavam em lágrimas, a cabeça baixa de vergonha. Embora enojado com essa crueldade, refleti que nós, britânicos, não conhecíamos invasão nem ocupação há novecentos anos. Logo, não éramos os melhores juízes."

Quando li o trecho, lembrei-me imediatamente da caminhada da vergonha de Cersei Lannister, muito parecida com o relato acima. Cersei, como as francesas colaboradoras, não desperta nenhuma simpatia mas, independentemente disso, a cena é nauseante tanto no livro quanto na série. Em certo momento, você só quer que tudo acabe. É interessante que seja uma personagem tão detestada a sofrer uma punição tão severa, talvez pior que a própria morte.

Do alto de sua caneta, George RR Martin nos observa e pensa, rindo, "Não era isso que vocês queriam?". E quando a cena acontece nos sentimos culpados - mesmo sendo uma personagem totalmente inventada - por de alguma forma ser conivente (como os americanos e ingleses) enquanto Cersei chora, ouvindo "shame, shame, shame!"

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