Semana passada assisti a um filme chamado 'A caçada' (The Hunting Party), do qual nunca tinha ouvido falar e que me causou uma boa surpresa. O filme conta a história de um trio de jornalistas procurando um criminoso de guerra sérvio diante do descaso absoluto da ONU e da comunidade internacional. A história é inspirada em eventos reais; de fato, Radovan Karadžić, acusado pela morte de mais de 7500 muçulmanos, só acabou sendo preso em 2008 - bem depois da guerra, que acabou em 1995.
O filme me fez pensar naquela história sobre a distância que os jornalistas (teoricamente) têm que manter sobre os eventos que descrevem. E me lembrei do 'jornalismo' porco e tendencioso da revista Veja - não as colunas de opinião, o texto das notícias, mesmo. E aí me pensei também no advogado dos Nardoni, e no fotógrafo que tirou aquela foto famosa do urubu esperando a criança sudanesa morrer.
Então me veio à mente um episódio de House MD em que Chase, um dos médicos assistentes, leva intencionalmente um paciente à morte por saber que ele, um ditador africano, vai promover o genocídio de uma minoria étnica em seu país.
De um jeito mais ou menos claro, em todas essas situações os 'deveres profissionais' se contrapoem aos 'deveres de consciência'. Imaginem a cabeça do fotógrafo no caso da criança morrendo de fome: 'O que devo fazer? Bater a foto ou tentar salvar a criança? Mas se eu salvar essa, quantas outras milhares poderiam ser salvas com a sensibilização que a foto pode causar?' - etc, etc, etc. Ele poderia também, claro, bater a foto e depois salvar a criança.*
Eu tenho duas opiniões sobre o assunto: 1) que a consciência é a juíza suprema de todas as situações e 2) que alguns trabalhos são extremamente sujos mas têm que ser feitos por alguém. Alguém precisa defender os Nardoni, e precisa fazer isso da melhor forma que julga possível. Alguém precisa tirar a foto da criança morrendo de fome. Alguém precisa fazer a cirurgia do bandido que matou a criança e depois foi atingido por um policial. Não julgo essas pessoas (o advogado, o fotógrafo, o médico) e não acredito que o que elas façam seja intrinsecamente errado (a não ser, por exemplo, que o advogado minta deliberadamente, o que não deve ser nem um pouco raro).
Por outro lado, eu prefiro acreditar que no calor da decisão eu tomaria a decisão correta - ou melhor, correta de acordo com a minha consciência, já que é ela que me informa o que eu deveria fazer, mesmo contrariando outros interesses.
* O fotógrafo, Kevin Carter, sul-africano, se suicidou em 1994 deixando um bilhete em que fala de sua falta de dinheiro e da perseguição dos horrores da fome e da guerra que presenciou. Triste. Não coloquei ela aqui porque... ah, não. Não. O mundo também é um lugar bonito, apesar de tudo isso.
Matinê
Há 7 anos
5 comentários:
"O clube do bangue bangue".
Somente para estômagos fortes. Eu mesma não consegui terminar de ler.
Saudade do trio, moço. Cuida bem da Deh, viu?
Bjs
Obrigado, Suzana, vai pra listinha de leitura. E pode ficar tranquila :)
Interessante...
a consciência é a juíza suprema de todas as situações.
Dada esta frase eu também teria uma leitura para recomendar: em livro tem somente umas 4 páginas.
Felizmente acabo de localizá-lo na internet, há a incoveniência de estar em inglês, mas acho que isso não será um problema pra vc, rs..
http://www.btinternet.com/~a.ghinn/lawof.htm
Este pequeno texto é o primeiro capítulo de um livro absolutamente sensacional. E, acredito poder dizê-lo sem nenhum exagero, trata-se de um dos mais altos momentos da literatura na história da humanidade.
Falo sério. Não apenas leie este pequeno texto, medite-o. Você invarialvemente aprenderá muito com ele, como eu já o fiz. Garanto.
Aaaah, o Lewis, sempre ele :)
Vou procurar o livro, parece ser bom. Mas não entendi o que você quis dizer com o texto. Eu acredito que existam certo e errado (não do mesmo jeito que você, eu acho), mas quis dizer que a forma que temos de saber o que é certo e o que é errado é a consciência. É ela quem relaciona a gente com os direitos e expectativas dos outros, muitas vezes indo contra nossas vontades.
Questão Nardoni: Não me importa se são ou não culpados; foram condenados por provas circunstanciais.
A promotoria e o juiz foram na onda da opinião pública. Sequer conseguiram provar cabalmente que não havia mais uma pessoa no lugar.
Precedente perigoso. O caso Bruno está indo para o mesmo caminho.
Questão da consciência versus profissionalismo: Estamos na era pós-iluminismo, das idéias, da tecnologia... Temos que elevar o espírito sempre e acreditar no moralmente melhor.
Precisamos acreditar que o bem pode sobrepujar o mal. Que as pessoas podem ser re-ajustadas.
Tirar a foto ou salvar a criança? Os dois. Não dá pra fazer os dois? Salva a criança e busca outra foto.
Operar ou não o marginal? Opera! Depois, re-habilita ele.
"Na lei de olho-por-olho, todo mundo acaba cego..."
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