quinta-feira, 6 de março de 2008

Ichi, o assassino



De vez em quando, a gente encontra um filme que não simplesmente surpreende, mas também ignora totalmente as expectativas iniciais. Aconteceu comigo com o Onde os fracos não têm vez e também com Ichi, o assassino.

A história de Ichi não chama muito a atenção: um chefão da máfia japonesa desparece com uma certa quantia em dinheiro e não se sabe de seu paradeiro. O chefe é procurado sem sucesso pelos capangas, mas os métodos extremamente violentos utilizados na busca chamam a atenção de pessoas inicialmente alheias ao ocorrido.

O que fica claro, desde o início, é a absoluta e descarada violência em praticamente todas as cenas. Logo nos primeiros minutos, fiquei tentado a desligar o DVD depois que Kakihara (um fiel capanga do chefe desaparecido, o simpático sujeito no poster do filme) tortura seu primeiro suspeito com ganchos, espetos e óleo quente. Ichi é um personagem um pouco alheio à história e, longe de ser um herói, também se mostra um sádico violentíssimo.

Na verdade, todos os personagens são violentos de alguma forma, e estão obsessivamente ligados a essa violência. Kakihara, apesar de ser um grande torturador, revela-se o arquétipo de um masoquista; Ichi é um sádico maluco que se arrepende por algum tempo das barbaridades que comete (contra supostos homens maus, mas isso não faz diferença nem para ele nem para quem assiste), mas que também tem muito prazer em tudo o que faz (e, vejam só, ele fica catatônico na frente da TV, jogando Tekken). Há uma ampla gama de personagens e situações: prostitutas, drogados, estupros e mortes de todas as formas.

Algumas cenas são toscas, chegando a ser cômicas como em Kill Bill. Outras são realistas, realistas a ponto de fazer virar o rosto. Ichi, quando entra em um aposento para enfrentar seus antagonistas, só sai de lá depois de deixar uma pilha de membros e sangue do chão até o teto. Kakihara se surpreende com isso e se sente atraído por ele: o grande masoquista procurando o grande sádico, e a morte como uma forma de neutralizar a paixão pela violência.

O mundo de Ichi é o mesmo mundo que Ed Tom Bell (o personagem de Tomy Lee Jones) vê em Onde os fracos não têm vez: um lugar corrompido, destruído pela violência e que não pode ser entendido por uma mente mais velha. A violência, para Tom, antigamente poderia ser entendida em suas causas: a ganância, a luta pelo poder, o ódio e o amor. Agora, a violência não se explica, como se fizesse parte do dia-a-dia, como se o homem tivesse nascido para matar (e aqui fica insinuada uma relação com Assassinos por natureza, ainda mais com a presença de Woody Harrelson).

Na história de Ichi, o chefe é um MacGuffin*; na história de Tom Bell, o dinheiro é um MacGuffin. Anton Chigurh poderia ser tranquilamente um personagem do filme japonês. E, nos dois mundos, qualquer um que não faça parte do jogo da violência vira um simples expectador, já que contra a violência sem limites e sem explicação não cabe nenhum herói.


* - Para quem está com preguiça de procurar, MacGuffin é um objeto qualquer que motiva os personagens e faz a história andar, mas cujos detalhes não são conhecidos ou simplesmente não importam ao expectador. Por exemplo, a mala em Pulp Fiction ou a chave em Piratas do Caribe: O baú da morte.

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