Volta e meia lembro da feliz história sobre a invenção da penilicina... diz-se que o Fleming esqueceu por acidente uma cultura de estafilococos ao ar livre e percebeu que um mofo estava atrapalhando o crescimento das bactérias. E esse tal mofo iniciou a era dos antibióticos, que tanto aumentou a expectativa de vida humana no último século.
Mas nem todos os acidentes são agradáveis.
Na noite 21 de agosto de 1945, Harry Daghlian, um físico de 24 anos, estava fazendo hora extra no Projeto Manhattan (aquele mesmo da bomba atômica). Ele estava desrespeitando regras do regulamento de segurança, trabalhando sozinho tarde da noite. Aliás, pensando bem, mexer com plutônio durante as horas extras não me parece mesmo muito indicável.
Daghlian estava calmamente adicionando 'refletores de neutrôns' de tungstênio (com formato de blocos) em torno de uma massa de plutônio - o coração de uma bomba atômica. Refletores de neutrôns não são radioativos, mas diminuem a quantidade de plutônio necessária para gerar uma explosão (para usar o termo mais científico, massa crítica).
Ao aproximar o último bloco refletor de neutrôns do núcleo de plutônio, Daghlian viu pelos instrumentos que seria alcançada a massa crítica. Ele ficou desesperado e tentou afastar o bloco - por sinal bem pesado -, que acabou caindo exatamente em cima do plutônio. Surgiu do plutônio algo que foi descrito como 'um brilho azul', e Daghlian tirou o bloco que havia caído com as próprias mãos. Ele morreu 21 dias depois devido à radiação.
Algum tempo depois, um colega de Daghlian chamado Louis Slotin, de 35 anos, estava demonstrando a alguns alunos como montar um experimento para calcular a massa crítica de determinada quantidade de plutônio. Ele estava usando uma chave de fenda (!!!) para separar dois hemisférios de berílio que, juntos, fariam o conjunto alcançar massa crítica (o berílio também funciona como refletor de neutrôns, assim como grafite). Em determinado momento, a chave de fenda escapou e o hemisfério superior se juntou ao inferior, fazendo o conjunto alcançar massa crítica. Slotin imediatamente separou as esferas (salvando todos os estudantes da sala e talvez muitas outras pessoas), mas ele já havia recebido muita radiação e morreu nove dias depois.
Era o mesmo núcleo de plutônio, por sinal. Ele foi apelidado de 'Demon core'.
Em 1978, um cientista chamado Anatoli Bugorski estava, na Rússia, trabalhando em um acelerador de partículas pifado. Ele estava com a cabeça dentro do espaço por onde passam os feixes de prótons quando um dispositivo de segurança falhou e o acelerador foi colocado em funcionamento. Pois bem, o cara estava com a cabeça literalmente dentro do acelerador de partículas.
Acredita-se que uma exposição a 5 ou 6 rads é suficiente para matar uma pessoa; Bugorski recebeu 2000 rads. O lado esquerdo de seu rosto inchou de forma que ele ficou irreconhecível; a pele e o tecido no local atingido caíram, deixando visíveis o osso e a região do cérebro por onde passou o feixe. Todo o tecido cerebral por onde os raios passaram morreu. No entanto, Bugorski sobreviveu e até terminou seu doutorado. O lado esquerdo de seu cérebro não funciona, mas ele é capaz de trabalhar normalmente - com exceção de habituais ataques epilépticos que passou a ter depois do acidente.
Matinê
Há 7 anos
2 comentários:
Oi André,
Estive visitando esse seu blog e ele comprovou a minha percepção de que você é muito inteligente.
Comento aqui o que mais me chamou a atenção para que você veja o comentário.
Se for verdadeira a história do batismo comprado por um amigo seu, avise-o que a cerimônia não é válida. Além do mais, o padre também pode sofrer uma punição canônica por ato tão desprezível.
Henrique
Oi, Henrique
A história é verdade sim - pelo menos foi assim que ouvi desse meu colega. No momento em que ele contou, a reação geral do pessoal foi exatamente igual à sua 'Mas assim não pode, não tem valor', etc. Ele balançou a cabeça e não disse mais nada.
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