segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Zilda, a faxineira

Zilda nasceu nos confins de uma pequena cidade do Texas. Filha de um imigrante brasileiro com uma jovem texana, seu nome foi o único rompante de orgulho que seu pai demonstrou durante toda a vida. 'Vai chamar Zilda e acabou.'. A mãe, que normalmente tomava qualquer decisão baseada na simples negação da vontade do marido, dessa vez aceitou sem pestanejar. Pensou que talvez trouxesse destaque para a menina um nome assim, tão diferente.

E o destaque veio, mas não de forma agradável. Zilda sofreu deveras. Cilda pra cá, Cilda pra lá, fucking immigrant. Não sabia porque pronunciavam assim, talvez tenha sido uma mania que se espalhou. Fato é que não havia um único habitante da cidade que não a chamava de Cilda. Raça de gente idiota, ela pensava, não sabem nem falar essa merda de 'Z', tão fácil, qualquer criança consegue, gringos filhos da puta. Pra ela americanos iam sempre ser gringos, aqueles malditos, esquecia que ela também era dali.

Zilda queria o mundo, queria poder, queria dinheiro; nunca teve nada. Mas sua indignação era contida, tendo herdado boa parte da resignação do pai.

Aos dezesseis anos, Zilda começou a trabalhar como faxineira para uma vizinha. O resultado foi espetacular: sua fama de criteriosa, cuidadosa e esforçada se espalhou viralmente pela cidade, e logo ela estava faxinando para todas as grandes personalidades locais. Como na região havia uma grande base militar, logo Zilda tinha em sua carteira de clientes coronéis, majores e generais.

Em uma quinta-feira, enquanto cuidadosamente fazia a limpeza da coleção de moedas raras do general Curtis, Zilda foi interrompida em suas tarefas por uma pergunta inquietante: 'Você quer trabalhar na base, Cilda? O salário não é muito alto, mas o emprego é estável e o trabalho é pouco.'

Ela aceitou; não pelo pouco trabalho, não pela estabilidade - aceitou para estar ali, onde coisas aconteciam, onde podia sentir o cheiro do poder.

Dentro da base, devagar, ela foi subindo na complexa hierarquia da limpeza. Começou com pátios, banheiros. Passou para salas de instrução, depósitos de armas, salas de reunião. Em alguns anos estava faxinando as salas dos mais graduados oficiais da base.

Mas o que mudou radicalmente a vida de Zilda foi a rotina da limpeza mensal da sala de guerra. Ela se esbaldava com a sensação de importância: estar ali, onde as pessoas mais poderosas do mundo decidiam o destino de milhões. Era praticamente um ritual religioso; soldados de confiança a seguiam enquanto ela gentilmente esfregava seu paninho com álcool nas mesas, cadeiras, no painel cheio de luzes piscantes, nos monitores mostrando todas aquelas informações inacessíveis. Delicadamente acariciava com o pano o telefone vermelho, o bocal, as teclas. Limpar em torno daquele belo botão vermelho no centro do painel, cercado por avisos e coberto por um vidro, era praticamente um ato sexual.

O poder realmente a excitava.

Mas tudo passa e, depois de alguns anos, Zilda começou de novo a se acostumar com a situação, a se cansar da rotina. Um dia desses, acordou especialmente mal-humorada. Era dia cinco, dia de limpar a sala de guerra.

Resignada, foi ao trabalho. Resignada pegou seu balde, seus panos, seu esfregão.

No caminho, ainda na área aberta, encontrou o general Curtis, que pediu desculpas pela coca-cola que havia derrubado no carpete de uma das salas de instrução. Algum militar esquisito o estava acompanhando. Para Zilda, ele parecia russo. E daí que não fazia o menor sentido?

Ao ouvir o general pronunciando Cilda, o russo caiu no riso. 'Cilda, what a stupid name, hahaha.'. Ela sorriu, resignada.

No caminho pra sala de guerra, Zilda percebeu (ainda resignada) que sua importância era ilusória, e que só se sentia bem por estar perto de pessoas importantes. Concluiu que 'estar perto' não significava nada quando ela mesma não tinha poder nenhum. Toda a sua importância derivava dos generais, do telefone, do botão. Ela era um nada. Um nada resignado.

Limpou a sala devagar, como fazia todos os dias. Seus pensamentos vagavam. Ao sair, deixou os soldados irem na frente e bateu a porta. Correu, quebrou o vidro, apertou com força o botão vermelho no centro do painel.

'Quero ver algum filho da puta me chamar de Cilda agora.'

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