domingo, 24 de fevereiro de 2008

Pede pra sair, Inácio Araújo


Não tenho nada contra críticos de cinema; pelo contrário, gosto muito de procurar comentários interessantes sobre filmes, em especial sobre os de que amo e os que odeio. Mas as resenhas do Inácio Araújo, crítico oficial da Folha de São Paulo, acabam sempre me chamando a atenção pela obviedade e, às vezes, pela superficialidade. Leio a crítica e fico me perguntando: "Mas será que ele prestou atenção no filme? Nem parece o mesmo que assisti.", ao que ele responderia: "Não havia nada ali que me fizesse prestar atenção.". É como se o filme não fosse digno de ser assistido por ele, e tudo o que fosse encontrado na projeção seria uma consequência da (segundo ele, péssima) premissa inicial. Não há nada que preste em um filme que não esteja no rol de seus filmes assistíveis: o gosto pessoal dita a resenha.

Isso não é exclusividade dele: muito mais fácil encontrar entre os filmes aclamados pela crítica um dramalhão do que uma comédia. Mas estou me alongando.

Hoje a Folha publicou um texto do Inácio Araújo discutindo semelhanças e diferenças entre o Tropa de Elite e o Rambo 4, que acabou de estrear nos cinemas brasileiros. Não assisti a Rambo 4 (ainda), mas resolvi discutir alguns de seus comentários porque (mesmo sem ter visto o filme) alguns erros me pareceram óbvios.

Inácio cai rapidamente na confortável posição de acusar o Capitão Nascimento de ser um herói incorreto, coisa que qualquer aluno de quinta série consegue fazer. E Rambo seria o herói ideal, eficiente no que faz, representante e conectado ao mundo que defende (pelo menos no que se refere à sua eficiência). "Como se nossa experiência cultural conduzisse a um tipo de esquizofrenia, em que nos miramos e de certa forma aspiramos ao heroísmo cultivado pelo cinema norte-americano, mas somos simplesmente incapazes de inserir esse tipo de experiência na nossa vivência cotidiana. Porque Nascimento é tragicamente cortado de sua sociedade."

Nada mais superficial.

Em primeiro lugar, se Rambo e Nascimento se parecem em alguma coisa, é na eficiência acima de tudo, acima das regras, procedimentos e, mais claramente ainda, acima da burocracia. Rambo e Nascimento são cowboys que resolvem os problemas sem depender da estrutura estabelecida: no caso de Nascimento, sem o aparato legal e, no caso de Rambo, sem toda a estrutura militar, vista como dispensável.

Em segundo lugar, nada mais desconectado de seu mundo do que Rambo. Mesmo sem considerar o primeiro filme (em que ele é tratado como um mendigo, espancado e desprezado em seu próprio país - já sendo um herói de guerra), Rambo nunca teve uma relação muito boa com seu país em seus outros filmes, nem mesmo no mundo militar, em que atua normalmente sozinho. No mundo civil, ele se considera desprezado e infeliz:

Trautman: Você não pode continuar fugindo, John. Você está livre conosco, volte com a gente.
Rambo: Voltar a quê? Meus amigos morreram aqui, parte de mim morreu aqui.
...
Trautman: Então o que você quer?
Rambo: O que eu quero, o que eles querem, o que qualquer cara que veio pra cá e cuspiu suas tripas e deu tudo o que tinha para dar quer! Que o meu país nos ame tanto quanto o amamos. É tudo o que eu quero!


Inácio afirma que Rambo seria conectado ao seu mundo pela sua eficiência, mesmo desprezado por seus concidadãos. Rambo não se importa com a sua eficiência; ele não quer guerrear, não quer matar - quer voltar a seu país e ser respeitado. Seu país se lembra dele somente em momentos de necessidade, em que é convocado (o Capitão Nascimento age da mesma forma, mas parece totalmente absorto pelo mundo do crime).

Nascimento, segundo o crítico, é mais fracassado do que o Homem-Aranha por não conseguir preservar seu casamento e não ter direito à paternidade. Que Nascimento é um desajustado, é óbvio, mas o autor deixa de considerar que esse é um tema muito comum não só no cinema norte-americano mas também em qualquer atividade do mundo moderno (além de convenientemente ignorar que Rambo também é um pária):

Atendo-me somente aos filmes policiais, agora consigo me lembrar do Fogo contra Fogo (brilhante, em um jogo de bandido e mocinho que mais parece uma brincadeira com espelhos) - em que ambos os personagens acabam sozinhos (e um deles, morto); do Sobre Meninos e Lobos - em que o personagem de Kevin Bacon foi recentemente abandonado pela esposa; e do Chamas da Vingança - em que o personagem de Denzel Washington não consegue nem parar de beber, quanto mais conviver em sociedade. Jack Bauer (muito mais parecido com Nascimento do que Rambo) perde sua esposa, vítima de terroristas (o que o faz sentir culpado, obviamente).

Se o tema é tão comum, como afirmar que o herói de Tropa de Elite seria uma cópia fracassada do que cinema americano produz? Dizer que o Tropa é cinema americano, pra mim, já é ir longe demais (principalmente sem explicar nada para corroborar a afirmação); ainda mais dizer que o Capitão Nascimento é diferente (e falho) baseado em uma característica em que é idêntico a seus pares.

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