terça-feira, 24 de novembro de 2009

Lord of the Skeptics

É com muito orgulho que a Gazeta Interestelar anuncia a todos a invenção do Macro-Transdimensionador, que permite ao seu usuário conversas com seres de universos paralelos ao nosso. A invenção surgiu no Laboratório de Pan-universalidade, dentro do Departamento de Física da Universidade Européia de Ciências. Como sempre, é a Gazeta trazendo a vocês as maiores novidades da vanguarda científico-tecnológica, além dos já habituais cupons de desconto.

Para comemorar tão importante descoberta, conseguimos negociar com os inventores o agendamento de uma entrevista com um personagem da Terra Média, dentro de Arda, um planeta imaginado e claramente detalhado por Tolkien no início do século XX. As histórias de Tolkien ficaram largamente conhecidas na Terra durante o século XX e XXI, e contam até hoje com um número enorme de fãs incondicionais.

Infelizmente, não conseguimos que nenhum personagem conhecido nos concedesse seu tempo. Mesmo assim, a entrevista não deixa de ser interessante; poderemos conversar com um personagem com uma visão diferenciada e singular dos eventos conhecidos pelos fãs das histórias da Terra-Média.




Gazeta: - Por favor, nos diga o seu nome e o que faz aí na Terra-Média.
Blenyc: - Meu nome é Blenyc, e sou presidente da Associação Humanista Secular de Gondor.

G: Associação Humanista? Existe lugar para o humanismo em Arda?
B: Eu diria que o humanismo chegou para ficar. O povo da Terra-Média está cansado de crenças dogmáticas que relegam a vida ao segundo plano. Estamos cansados de crendices, de fadas, de anjos e demônios. Estamos cansados de explicações miraculosas. Queremos a Terra-Média para as pessoas que realmente existem nela.

G: E quanto a elfos, hobbits e anões?
B: Eles também se enquadram em nossa definição de Humano. Mas eu nunca conheci um elfo, e não conheço ninguém que tenha visto um. Segundo a história, eles foram extintos durante a Grande Guerra. Se foi assim, eles conseguiram sair sem deixar nenhum rastro.

G: Blenyc, vou deixar algo claro: todo o nosso conhecimento sobre o mundo de vocês envolve o que chamamos de...'pensamento mágico'. A história mais conhecida é a saga do Um Anel...
B: Sim, a Grande Guerra, a maior de nossa história.

G: ...que está cheia de relatos sobre feitos cheios de magia e fantasia, tanto de protagonistas quanto de personagens menores.
B: É o que a história conta. Não quer dizer que seja verdade. Por exemplo, que situações 'mágicas' você citaria?

G: Por exemplo, a história do exército fantasma lutando ao lado de Aragorn durante a Batalha do Pelennor.
B: Veja... pra começar, tudo isso já se passou há muito tempo, então é muito difícil saber o que de fato aconteceu. Em vários relatos independentes da Batalha, Aragorn ataca à frente de um exército cujos guerreiros se movem como fantasmas, o que dá uma perspectiva totalmente diferente ao ocorrido. Com o tempo, a história contada oralmente pode ter sido alterada de forma que hoje muita gente acredita que eram realmente fantasmas que atacaram ao lado de Aragorn. Agora, entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural, eu prefiro a natural: era um exército muito bem treinado com técnicas que hoje desconhecemos.

Há pesquisas que indicam que os 'fantasmas' eram habitantes da região que Aragorn atravessou, e que depois da guerra se moveram para o norte, sem nunca saber da fama que ganharam.

G: E o Olho Que Tudo Vê?
B: Um enorme farol desenhado para se parecer com um olho.

G: E quanto aos orcs e outros monstros demoníacos?
B: Orcs não são monstros, não são demônios. São uma raça - brutal a nossos olhos por se alimentarem de carne de outros seres conscientes - que surgiu devido ao mecanismo da Evolução que vocês também já devem conhecer.

G: Sim... conhecemos. E quanto a Gandalf, o Branco? Nas histórias a que tivemos acesso ele volta da morte, entre outras proezas.
B: Gandalf com certeza foi um pesonagem importantíssimo para nossa história, e muitas de suas decisões tiveram impacto marcante no que veio a ser a vitória da Aliança. Mas tudo indica que ele era, além de extremamente inteligente, um grande ilusionista. Gandalf sabia o que precisava fazer para motivar as pessoas na direção do que ele considerava um Bem maior.

G: Não consigo deixar de perguntar: E Frodo? E o Um Anel?
B: Nada que possa ser considerado uma evidência se encaixa com os relatos sobre o Anel. A teoria mais aceita por pesquisadores históricos é que Frodo e os Grandes Anéis nunca existiram e que a mitologia em torno deles foi inventada posteriormente, provavelmente para justificar a permanência da monarquia teocrática retrógrada que temos até hoje aqui na Terra Média. Aliás, eu só posso falar nesses termos porque a entrevista vai ser publicada em outro Universo, segundo o que você está me dizendo.

Algumas pessoas ainda se agarram na literalidade das histórias da saga do Anel, mas toda vez que se descobre alguma evidência contrária ao que é descrito, cresce o número de pessoas que acredita que as histórias são metafóricas ou que foram deliberadamente inventadas.

G: E você não acredita ser estranho haver tantos relatos sobre aventuras e acontecimentos sobrenaturais, todos falsos?
B: Sim. Mas acredito que seria ainda mais estranho se os relatos fossem verdadeiros apesar de todas as evidências em contrário. E ainda mais se levarmos em conta o fato de que em nossos dias não há absolutamente nenhum evento que se aproxime da magia contida nas histórias contadas por nossos antepassados. Nada disso foi reproduzido em nenhuma ocasião que se possa chamar de confiável.

G: Você não acha a sua visão um pouco decepcionante?
B: Talvez. Eu também gostaria de viver em um mundo onde a fé move montanhas, onde anjos e demônios interferem e lutam por nossas almas. Mas quanto mais eu tento compreender o mundo, mais essa realidade fantasiosa se afasta.

Talvez você esteja mesmo certo, mas é assim, decepcionante, que a Natureza se apresentou à nossa Razão, e é assim que devemos entendê-la.

4 comentários:

Henrique Rossi disse...

Clauze foi o ser humano mais importante que conheci. Imagine-se na posição de aluno de Kant, ou Aristóteles, ou Platão, ou São Tomás de Aquino - assim foi Clauze: um gênio indiscutível, uma pessou de natureza diferenciada, uma águia que se erguia muito acima da nossa vão filosofia quotidiana com grande simplicidade e para nosso grande espanto!

O que aprendi em seis meses com esse sujeito espetacular valeu pelo aprendido com todos os outros professores de minha vida até então. E, para aumentar a importância simbólica, Clauze resolveu morrer de câncer fulminante do cérebro. Enquanto ele adoecia eu, assustado, evitava-o, pois a lembrança recente da revolução que ele promoveu em minha vida aterroriza-me e, ainda que ficasse muito sentido em vê-lo cada dia mais doente, não procurei conversar com ele durante esse período.

Por estranhas razões, de vez em quando eu ligava para o seu telefone e ouvia o seu recado (não, eu não tive um caso com ele. Deus me livre! rs..), mas tive por Clauze uma admiração ímpar, que não posso estender a mais ninguém sem incorrer numa grande injustiça.

Pois então, Clauze mostrou-me o que é o homem. Há sim um homem natural e objetivo, anterior à cultura, um homem necessário, anterior às contigências.

Mas o terror que senti ao ver o mundo ao invés dos meus preconceitos cegou minha inteligência por muito tempo, como se após exposta à uma tremenda fonte de luz minha mente precisasse de um tempo de retração para se ajustar às informações recém-adquiridas.

Note bem, pois não sei se você se lembra, tive vários professores de filosofia e psicologia (Clauze fez parte do segundo grupo) mas ninguém como ele revolucionou o meu pensar.

Após a leitura cuidadosa desse seu texto consigo verificar o exato processo de questionamento que te acomete. Sua inteligência agudíssima vê mais que a imensa maioria das outras que te cercam mas, por falta de estímulo correto, ela se embrenhou por matas escuras e sombrias. Você é inteligentíssimo, um assombro a sua percepção e capacidade, mas precisa de direção. Não que eu esteja me colocando no direito de digirir seus pensamentos! rs.. Mas preciso escrever um livro bastante sério, condensando a filosofia de Clauze e como ela me afetou. O que estou tentando dizer é que este livro te tiraria da floresta sombria e te levaria ao "mundo onde a fé move montanhas, onde anjos e demônios interferem e lutam por nossas almas." Incrível que este livro tenha esse poder, mas eu, que leio-o todas as noites em meu sono, sei que ele é capaz.

Para aumentar ainda mais o nosso assombro, Clauze não deixou escritos.

André disse...

Henrique, apesar dos pesares gostei do que você escreveu. Mas acho que você levou a minha brincadeirinha a sério demais. Não vou explicar porque não gosto de autores explicando o que quiseram dizer com o que escreveram... eu imagino qual tenha sido a sua leitura, mas existem outras :)

Eu (ainda) acredito que há entre o céu e a terra mais coisas do que julga a nossa vã filosofia - só que elas não necessariamente envolvem as coisas em que você acredita. Não acho que eu esteja 'sem direção' porque eu não acho que haja direção alguma. E acho que a direção é você quem dá, escolhendo o rumo que prefira seguir. E é exatamente assim que eu levo minha vida, e me sinto completamente satisfeito com isso.

Enfim, pretendo em breve fazer uma sériezinha sobre as minhas 'crenças religiosas'. Vamos ver o que vai dar.

Henrique Rossi disse...

Ainda te dou um hadoo-o-ken! Você vai ver, rs...

Henrique Rossi disse...

Puxa, estou super feliz com uma declaração do Drauzio Varella neste vídeo:

http://www.youtube.com/watch?v=JcS7x-hQXC0&feature=player_embedded

Ele diz-se indignado porque nenhuma associação médica e nenhum político vieram a público condenar a "excomunhão" (que de fato não houve) dos médicos envolvidos com o aborto dos gêmeos da pernambucana de 9 anos de idade. Que boa notícia! Há um índice da felicidade "henriqueana": a raiva de Dráuzio Varella. Quanto mais raivoso ele estiver mais estarei feliz...