quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Dawkins e o delírio

Terminei de ler 'Deus, um delírio'. Não vou fazer nenhuma resenha porque essas já existem aos montes espalhadas pela net, mas vou listar algumas notas em que pensei enquanto estava lendo.

Em primeiro lugar, acredito que Dawkins fez uma ótima escolha mercadológica para o título do livro, mas uma péssima escolha como advogado de sua causa. O título dá a impressão de que o texto vai ser muito mais agressivo do que de fato é.

Os argumentos pró e contra a existência de Deus são os mesmos de sempre, batidos e rebatidos. Qualquer pessoa que tenha se interessado pelo assunto conhece os dois lados da briga, suas forças e falhas. A única real contribuição de Dawkins ao debate é a inclusão do conceito de probabilidade; mas, pessoalmente, eu acredito que seja um assunto que não há de se resolver nunca e que Deus vai ser sempre uma questão mais de fé do que de razão. E não vejo qualquer problema nisso.

A parte mais interessante do livro foi a rápida incursão de Dawkins na motivação evolutiva para a religião. Uma abordagem evolutiva coerente daria boas respostas sobre o porque de acreditarmos em gnomos, duendes, porque temos medo do número 13, porque jogamos na mega sena. Não sei se por falta de bagagem em Biologia, achei os argumentos de Dawkins nessa área um pouco deficientes. Talvez no futuro haja explicações e experimentos melhores. Além disso, seria útil uma abordagem que fornecesse previsões testáveis - o que até agora aparentemente não aconteceu.

Uma coisa que há de se notar, mesmo entre os descrentes, é que Sagan e Russell são muito, mas muito melhores do que Dawkins no que diz respeito ao uso do racionalismo. Sagan conseguia minar mais a religião falando de relatos de extraterrestres* do que Dawkins falando diretamente de religião.

Em alguns momentos do livro, aparecem lacunas que são preenchidas com pressa, como se Dawkins tivesse medo de ser citado fora de contexto - como de fato foi e vai ser por muito tempo. Com isso, o rigor racional se perde e ele aparentemente aceita proposições não testáveis só porque se encaixam com suas ideias, exatamente como os crentes o fazem. No entanto, Dawkins mostra uma ampla desenvoltura quando está falando especificamente de Biologia. Talvez ele devesse se ater mais ao seu campo, onde é definitivamente brilhante, e deixar as pessoas tirarem suas conclusões sozinhas.

* - Entenda-se como análise crítica de relatos de UFOs e argumentos indicando o porque dele, Sagan, não acreditar nesses relatos.

9 comentários:

Giseli disse...

Também li esse livro e achei interessante, mas tenho as mesmas ressalvas que você. Ele não precisava ter exagerado em sua campanha militarisma de ateísmo, se parece exatamente como um crente pregando alguma coisa com todas suas forças. Sim, ele tem argumentos bons, mas não causa, digamos, a mesma simpatia que o Sagan causava...
E também, tem que deixar as pessoas com suas crenças e mesmo aquelas em cima do muro em paz =)

André disse...

Oi, Giseli!

Pois é, eu acho que ele acaba fazendo mais mal do que bem para a 'comunidade' que representa. Muitas pessoas acham que todos os ateus e agnósticos gostariam de eliminar por força todas as religiões da face da terra - o que está longe de ser verdade.

Obrigado pela visita :)

Henrique Rossi disse...

André,

Se o seu texto já estava bom, esse seu comentário está ótimo. Eu também penso assim, aliás, por um motivo bastante razoável: conheci diversos ateus na faculdade que, ao invés de perseguirem as religiões, tinham mais o que fazer.

obs: o conto abaixo está ótimo!

Suzana Elvas disse...

André;

Se gostou desse recomendo "Deus, uma biografia" de Jack Miles:

"O autor se propõe não a uma discussão sobre a existência ou não de Deus, mas sim a uma análise de como esse personagem se apresenta do maior best-seller de todos os tempos: a Bíblia. Nessa perspectiva começa sua discussão sobre o aparecimento de Deus no livro do Gêneses. O Deus que surge aí é, em primeiro lugar, um personagem solitário: não existem outros deuses com os quais possa dialogar e nenhuma realidade na qual possa se inserir já que, supostamente, é ele o autor de toda a realidade. Cria pois todas as coisas enquanto distintas de si, e cria o homem, enquanto espelho de si, imagem e semelhança. Tanto as coisas, quanto o homem, são primeiro criadas e depois constatadas como sendo boas. Deus, sem qualquer parâmetro anterior de comparação, precisa primeiro do objeto criado para só depois emitir sua avaliação. Nesse sentido, nos diz Miles, Deus é alguém que aprende com sua criação; as próprias noções morais ainda não existem para o personagem, já que o único preceito que dá ao homem é não comer dos frutos da árvore do conhecimento - por que não? Porque ali não existe nada, já que Deus ainda não aprendeu. Mesmo quando Caim mata Abel, Deus só descobre ser isso errado após o ato dos mortais e não antes, já que nunca o proibiu; o mesmo se dá com o episódio da Torre de Babel, da destruição de Sodoma e Gomorra etc... Para Miles, há em todos os episódios a evolução da consciência de Deus a respeito de si mesmo, descobrindo noções de certo e errado ao se deparar com condutas humanas. Descobre, por exemplo, sua imensa vaidade no livro de Jó, ao submeter um bom homem a infindáveis tormentos apenas por ter sido provocado pelo seu adversário – Satanás. E o curioso é que se irrita ao seu questionado por Jó sobre suas razões, ou seja, Deus se descobre vaidoso e não gosta disso... Todo o livro de Miles é assim um fascinante desvelamento do mais famoso personagem da literatura mundial em sua jornada de autoconhecimento"

Obs: o conto abaixo está ótimo![1]
Bjs

André disse...

Caramba, Suzana, que negócio interessante! Quero dizer, tem uma belíssima lógica interna, mas não combina com a noção tradicional de Deus onipotente, onipresente, onisciente.

Digo isso porque se tudo se origina de Deus e Deus está em tudo e sabe tudo, então nada que se possa fazer pode 'ensinar' alguma coisa a ele. De qualquer forma, preciso ler o livro para ter uma opinião mais embasada.

Lembrei também do final do livro do Clube da luta (veja a última frase), que por sinal é bem interessante:

"I've met God across his long walnut desk with his diplomas hanging on the wall behind him, and God asks me, "Why?"

Why did I cause so much pain?

Didn't I realize that each of us is a sacred, unique snowflake of special unique specialness?

Can't I see how we're all manifestations of love?

I look at God behind his desk, taking notes on a pad, but God's got this all wrong.

We are not special.

We are not crap or trash, either.

We just are.

We just are, and what happens just happens.

And God says, "No, that's not right."

Yeah. Well. Whatever. You can't teach God anything."

Suzana Elvas disse...

André;

Mas aí reside o grande barato do livro: O autor analisa Deus não como ser onipresente/onisciente/onipotente/Igreja Católica/no céu. Ele analisa Deus como um personagem de um best seller, um personagem fruto da imaginação de alguém. Como você analisaria o caráter do professor Humbert Humbert em "Lolita" ou o comportamento de Josef K., em "O processo".

E é essa a grande sacada do autor: deixar a religião de lado e analisar Deus como o personagem principal do livro que mais vende no mundo.

Suzana Elvas disse...

Aqui a sinopse da Martins Fontes, que editou o livro (que está esgotado; agora só na Estante Virtual):

"Em 'Deus, uma biografia' a Bíblia é tratada como obra literária cujo personagem principal não é o ser humano, a criatura, mas Deus, o criador. A questão não é provar se Deus existe ou não existe de fato, já que, na condição de personagem literário, ele é uma realidade.

Dessa perspectiva, aprendemos que o "personagem' Deus não surgiu pronto e completo nas primeiras páginas da Bíblia, mas foi desenvolvendo sua personalidade infinitamente rica e complexa aos poucos. Para tanto, fundiu em si mesmo aspectos do caráter de outros deuses para atender às necessidades da contínua evolução social e psicológica da sua 'imagem e semelhança', a espécie humana."

André disse...

Bem legal, vou procurar pra ver se acho algum exemplar decente. Aí eu leio e escrevo alguma coisa sobre ele também :)

Ariel Wollinger disse...

Tambem achei o livro de dawkins meio fraco em alguns pontos, mas muito engraçado em outros. Um livro que é muito melhor é o mundo assombrado pelos demonios, um verdadeiro guia que nos ensina a detectar bullshit. Nesse livro , um verdadeiro guia de ceticismo, Sagan nos faz pensar nas origens dos mitos e das religioes, explicando como nosso cerebro aceita coisas absurdas sem contestacao.
Uma leitura muito mais densa que o livro de dawkins, demorei umas 3 vezes mais pra terminar ele.